Guerra no Iêmen: o inferno na terra ainda longe do fim

Por Gabriel Santos, de Maceió (AL)

Na quinta-feira (13) reuniram-se em um luxuoso hotel em Estocolmo, capital da Suécia, os dois lados envolvidos na guerra do Iêmen. Um conflito descrito pela UNICEF como “o inferno na terra”. Segundo a ONU, já provocou a maior crise humanitária do século XXI. Para além dos bombardeios realizados pela coalizão liderada pela Arábia Saudita, o Iêmen sofre uma feroz crise de abastecimento. A ONG Save The Children, apontou que desde o início do conflito há quatro anos, mais de 85 mil crianças morreram de desnutrição e fome.

O Iêmen, mesmo antes da guerra, já se apresentava como o país mais pobres do Oriente Médio. Segundo o FMI, o PIB do país estava em último entre todos os países árabes. Em 2015, ocupou a 168ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no ranking de 188 países.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, anunciou durante o encerramento das conversas que os dois lados do conflito haviam concordado com um cessar fogo na cidade portuária de Hodeida, maior porta de entrada para abastecimento no país.

Assim, a 5,3 mil quilômetros dos combates, longe dos tiros, das bombas e da fome, os lados em conflito pareciam chegar em um acordo que iniciaria o difícil processo de paz, esperado e desejado pelos mais de 28 milhões de habitantes do Iêmen, que entrarão no ano de 2019 sem saber se o inferno na terra chegaria ao fim.

Entretanto, o cessar fogo não durou muito. Ambos lados acusam um ao outro de terem rompido o cessar fogo. Apenas três dias depois o Centro de Informação das Brigadas Al Maliqa – uma unidade do exército do Iêmen – afirmou que “as milícias houthis estão lançando bombas contra casas de civis em Beit Magari”, cidade situada no sudeste da província de Hodeida. Por outro lado, os houthis, acusam as forças do governo deposto de terem violado o cessar-fogo em Hodeida.

Uma guerra esquecida pelo mundo

Os números do caos que a guerra deixou o país são avassaladores. De acordo com a ONU, o conflito bélico já deixou 22 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade, lembrando que a população do país é de 28 milhões. Existem no país cerca de 11 milhões de crianças que precisam de ajuda humanitária imediata, sendo que 7 milhões de pessoas que não têm o que comer diariamente e depende de doações internacionais, além de não terem acesso a água potável.

A ONU fala ainda que 400 mil crianças que correm risco de morte por conta da desnutrição. A Unicef aponta que 192 centros de tratamentos contra a desnutrição pararam de funcionar por conta do conflito.

No ano de 2018, 85 mil pessoas foram obrigadas a deixar suas casas e vivem na desesperadora situação de refugiados dentro do próprio país. Um bloqueio por terra, ar e mar, realizado pela coalizão de países árabes, liderados pela Arábia Saudita, e com apoio dos Estados Unidos, França e Inglaterra, impede também que os iemenitas deixem o país. Dessa forma, a população do Iêmen fica refém dentro de suas fronteiras.

O fato de a atual guerra iemenita não gerar uma crise de refugiados como no caso do conflito sírio, faz com que a mesma não chame a atenção da comunidade internacional. Desta forma, as medidas para o fim da guerra feito pelos organismos internacionais e países ao redor do globo, foram praticamente zero nestes quatro anos de conflito. As vidas iemenitas não apresentam tanto valor para o resto do mundo.

É evidente que as guerras pioram a situação de um país, seja pelas perdas humanas, seja pela destruição de setores importantes da economia. Porém, no caso do conflito no Iêmen, o já citado bloqueio realizado pelos sauditas agravam ainda mais a situação. A ajuda humanitária e itens básicos como comida, gás de cozinha e medicamento não conseguem chegar à população.

O território iemenita é composto por um vasto deserto que dificulta a plantação de diversos alimentos. Dessa forma, todo o arroz consumido no país, além de 90% do trigo utilizado eram importados e chegavam por meio dos portos. Com o bloqueio saudita a escassez de comida se multiplicou, a economia se estagnou e uma recessão severa atingiu o país.

Metade da população do país, 14,8 milhões de pessoas, estão sem cuidados básicos de saúde, e apenas 45% dos postos de saúde estão funcionando ao longo do território. O Iêmen sofre, por conta da falta de assistência médica, com a maior epidemia de cólera do mundo, que já resultou em mais de 2.196 mortes. A ONU afirma que mais de 600 unidades médicas pararam de funcionar, por falta de suprimentos.

Quando a ajuda humanitária consegue ultrapassar o bloqueio saudita e entra por meio terrestre no país ela ainda sofre com os bombardeios aéreos e com o alto preço dos combustíveis.

De acordo com um relatório do Banco Mundial, o custo da destruição da infraestrutura do Iêmen e as perdas econômicas superam as cifras dos 14 bilhões de dólares. O total de mortos por conta do conflito armado ultrapassa os 10 mil, porém esse número ultrapassa as cifras dos 100 mil se somarmos os que morreram em decorrência das doenças, desnutrição, e problemas que vieram com a guerra e em especial com o bloqueio saudita.

Os ataques aéreos da coalizão liderada pela monarquia saudita, foram as principais causas das mortes de civis. O jornal inglês The Guardian, publicou um estudo sobre os dois primeiros anos da guerra iemenita. Ele aponta que 3.577 bombardeios atingiram alvos militares. Enquanto 3.158, ou seja, quase a mesma quantidade, foram atingiram alvos civis, como escolas, hospitais, casas e mesquitas. Outros 1.882 bombardeios atingiram alvos classificados como desconhecidos. A pesquisa do The Guardian, aponta ainda que um único mercado foi bombardeado 24 vezes, enquanto uma única escola sofreu com nove bombardeios.

Grandes potências mundiais, como não poderia deixar de ser, lucram com o atual conflito. A coalizão saudita que bombardeia o país, compra suas armas diretamente dos Estados Unidos, França e Reino Unido. A ONG britânica, War Child UK, apontou em estudo que somente as empresas armamentistas de seu país teriam lucrado 6 bilhões de libras com as compras de bombas e armas que são usadas para assassinar milhares de pessoas no Iêmen. O lucro destas empresas britânicas, aproximadamente, 27 bilhões de reais, é quase o valor necessário para reconstruir toda a infraestrutura iemenita, que foi totalmente destruída pelos bombardeios de bombas que estas empresas criaram.

Para entender o atual conflito no Iêmen, é preciso olhar através de uma ótica que não busque ver a disputa como sendo um mero conflito religioso entre vertentes diferentes do Islã, como muitas vezes faz a mídia ocidental. Seria necessário buscar compreender a história do Iêmen, seu recente processo de unificação como um país, a exclusão de grupos sociais religiosos e de uma parcela significativa da população, assim como as sucessivas revoltas populares contra o governo que foi deposto pelos rebeldes houthis. E, por fim, em especial, o papel e interesse das potências mundiais e seus aliados, vide exemplo dos Estados Unidos e Arábia Saudita.

As revoltas populares e a unificação

A República do Iêmen como conhecemos hoje, foi criada somente em 1990, após um processo de unificação entre o Iêmen do Norte (República Árabe do Iêmen) e o Iêmen do Sul (República Popular Democrática do Iêmen).

Após a primeira grande guerra, na década de 20, o mapa da região começou a ser redesenhado com o colapso do Império Otomano. A “parte norte” do país, se constituiu uma monarquia independente, o Reino do Iêmen. Enquanto a “parte sul” já era desde 1839 uma colônia britânica, que até o fim da década de 30 fazia parte da Índia Britânica.

Após 1937, a região do Iêmen do Sul se tornou um protetorado britânico, conhecido como Protetorado de Áden. Com a chegada da década de 60 e a eclosão dos movimentos de libertação nacional por todo o mundo, surgiu na região a ideia do pan-arabismo sob a liderança de Gamal Abdel Nasser, do Egito. Com isso, o mapa da região sofreu novas mudanças.

Durante esse período, o Reino do Iêmen viveu revoltas populares liderada por grupos republicanos que buscavam depor o Imã Muhammad al-Badr. Em 1962, as forças republicanas, lideradas Abdullah al-Sallal, assumiram o poder por meio de um golpe de estado, formando a República Árabe do Iêmen, que tinha fortes sentimentos pan-arabistas e uma importante ligação com o Egito de Nasser. As forças monárquicas se refugiaram na fronteira do país com a Arábia Saudita e iniciaram uma guerra civil que durou até 1970.

Os sauditas, assim como os britânicos, apoiaram as forças do Imã al-Badr, com munição e tropas, enquanto o Egito de Nasser enviou 70 mil soldados para combater pelo lado dos republicanos. O conflito chegou ao fim com a vitória dos republicanos, sendo reconhecido por parte dos sauditas o novo governo no país vizinho.

Na mesma década de 60, o Reino Unido reuniu o Protetorado de Áden com outros protetorados menores da região, criando em 1963 a Federação da Arábia do Sul, prometendo à eles a independência total da coroa britânica em cinco anos.

Porém, os movimentos de libertação nacional, como a Frente de Liberação do Iémen Ocupado e a Frente Nacional de Libertação, começaram a atuar antes do tempo desejado pelos britânicos. Diversas ações de sabotagem e de guerrilha passaram a ser utilizadas por estes dois grupos que atuavam pela independência.

Em 1967, o poder britânico foi derrotado e a República Popular do Iêmen foi criada sob o governo da Frente Nacional de Libertação. Dois anos mais tarde, a ala da Frente Nacional de Libertação que reivindicava o marxismo como doutrina assume a maioria no partido e, subsequentemente, no governo, alinha o país com o bloco do Leste Europeu. O marxismo-lenismo foi adotado como uma política do Estado, transformando o país na República Popular Democrática do Iêmen, na qual se afirmava que o país buscava a construção do socialismo.

O processo de unificação começou a ser discutido pouco tempo depois, ainda na década de 70. Porém, a intervenção da Arábia Saudita nas negociações impediu que a unificação

acontecesse, em 1979. Somente com as medidas de liberalização da economia na URSS e o fim dos Estados Operários no Leste Europeu, que as conversas para a unificação voltaram a acontecer. Elas se concretizaram em 1990, tornando Ali Abdullah Saleh, do norte do país, em Chefe de Estado.

No parlamento unificado, a “parte sul” passou a se sentir mal representada. Da mesma forma que a maioria dos recursos do país eram utilizados para obras de infraestrutura na “parte norte”.

É importante apontar que grande parte dos campos de petróleo estavam na “parte sul”, que não via retorno da riqueza produzida. Dessa forma, a população desta região passou a criticar o governo de Saleh. Ao mesmo tempo, este passou cada vez mais a dar uma guinada em direção à islamização da Constituição, aplicando leis religiosas que passavam cada vez mais a desagradar a “parte sul”.

A ala mais radical dos sul-iemenitas, vindas do antigo Partido Comunista do país, passou a reivindicar novamente a independência da região, iniciando em 1994 um confronto armado com as forças do governo. Em um espaço de poucos meses, o governo de Saleh conseguiu derrotar os rebeldes e implementar novas reformas na Constituição para aumentar seu poder.

É importante apontar que foi durante este conflito, conhecido como Guerra Civil iemenita, que a Arábia Saudita passou a ter influência direta na região. O governo saudita financiou grupos jihadistas de orientação wahabita em conjunto com o governo de Saleh, para combater os revoltosos do sul. Isto marcou uma guinada de Saleh na relação com os clérigos wahabitas, impondo leis religiosas por meio da constituição, desagradando diversas minorias.

Novas revoltas populares e a Primavera Árabe

Durante a primeira década do século XXI, Saleh já havia sido alvos de fortes protestos, porém, estes estavam localizados apenas na região sul do país. O seu governo, já em 2009, afirmava que existia um movimento de insurgência na região sul, que atacava as forças nacionais.

Gigantescas manifestações pediam a renúncia de Saleh e a independência da região. O Movimento do Sul, um grupo político organizado que atua na região, tinha um grande respaldo da população e, inclusive, em algumas cidades fazia era quem governava oficialmente.

Praticamente ao mesmo tempo que ocorriam as revoltas na região sul, o governo Saleh

teve que lidar com o surgimento de grupos fundamentalistas religiosos, que acusavam seu governo de perseguição. Em especial dos zaiditas, grupo xiita extremamente minoritário, mas que haviam governado a região na época do Reino do Iêmen, na primeira metade do século XX.

Os zaiditas sofreram uma forte perseguição religiosa e política após o fim do Reino do Iêmen, tendo todos seus líderes religiosos expulsos do país e muitos de seus direitos civis negligenciados pelos antigos governos do norte. Isso ocorreu especialmente no governo Saleh que ao implementar na Constituição medidas religiosas de cunho sunita-wahabita, colocava na marginalidade os zaiditas. Dessa forma, o movimento passou a se radicalizar partindo para uma luta armada contra o governo de Saleh.

O clérigo zaiditas, Hussein, Badreddin al-Houthi, incentivou seus seguidores, conhecidos como Houthis, em 2004, a uma revolta contra o governo, que de acordo com ele, não atendia as necessidades do povo. Um cessar fogo foi acordado em 2007, porém, dois anos mais tarde, os conflitos reiniciaram.

Com a virada da década e a globalização da crise de 2008, manifestações populares contrárias a medidas neoliberais, criticando o alto custo de vida para as camadas pobres da população, e reivindicando mais democracia invadiram as ruas e praças de todo Oriente Médio e norte da África. No Iêmen não foi diferente.

Desde as primeiras eleições livres para a presidência, em 1999, Ali Abdullah Saleh governava o país, estando no posto de Chefe de Estado após o processo de unificação. Somado com o tempo que governou a República Árabe do Iêmen, Saleh detinha o poder a 33 anos ininterruptos.

O alto desemprego e a insatisfação popular serviram de combustível para as revoltas dos iemenitas. O presidente respondeu com algumas concessões aos manifestantes, mas se recusava a renunciar.

Em março de 2011, as manifestações populares na capital do país, Sanaa, se intensificaram, assim como por todo território iemenita. A resposta do governo foi uma forte repressão liderada pelos militares, que acabou com o assassinato de diversos ativistas. Os grupos de oposição a Saleh informam que entre março e outubro, período de radicalização dos protestos, o exército e a polícia foram responsáveis pela morte de 860 pessoas. Em novembro do mesmo ano, as manifestações conseguiram derrubar o então presidente, que concordou em sair do poder.

O governo de al-Hadi e a rebelião dos houthis

As negociações de transição para as eleições não foram tão livres e democráticas. O vice-presidente, Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, assumiu o governo de forma interina, até as eleições a serem realizadas em fevereiro de 2012. Um detalhe: al-Hadi era o único candidato, algo que novamente gerou críticas populares, desta vez ao novo governo. O governo respondeu aprovando diversas reformas constitucionais e adiando as eleições para 2014.

Durante o frágil governo de negociação cresceram as atuações da Al-Qaeda no país, atacando as forças do governo e grupos de oposição. Um dos alvos da AQPA, a Al-Qaeda na Península Arábica, eram as mesquitas zaiditas, nas quais os houthis se reuniam. No Sul, o movimento independentista também se fortalece durante o governo de al-Hadi.

As problemáticas para o governo se intensificam quando o antigo presidente do país, Saleh, foi condenado à morte pelo crime de traição, o que gerou uma revolta de membros que permaneceram no governo e de setores das Forças Armadas.

Insatisfeitos com o governo de al-Hadi, que não havia conseguido resolver os problemas que levaram milhares as ruas do país, assim como sofrendo com os ataques da AQPA, os houthis, em agosto de 2014, iniciaram um movimento de convocar manifestações de massa novamente. Estas manifestações tiveram apoio de partidos políticos de oposição ao governo de al-Hadi, como o Al-Islah (Congregação para a Reforma do Iêmen), assim como das tropas que continuavam leais a Saleh.

Os houthis afirmaram na época que suas ações eram para a defesa de sua comunidade, contra a discriminação por parte do governo, pelo fim da corrupção, por melhores serviços públicos, por emprego e a diminuição do preço dos combustíveis. Pautas que estavam presentes nas manifestações populares de 2011.

Os houthis afirmavam que não pretendiam fazer um regime inspirado no modelo iraniano e buscavam uma república com eleições livres. As forças do grupo entre militantes, apoiadores e guerrilhas armadas, hoje são estimadas em 120 mil membros.

Após um mês de protestos, as tropas houthis marcharam rumo a capital Sanaa, gerando, em diversas cidades e estados, uma espécie de duplo poder. As tropas das forças armadas se dividiram. Grande parte dela seguiu a orientação da divisão de orientação moral, que afirmou que as “forças armadas estavam do lado da revolução do povo”.

Em 21 de setembro de 2011, os rebeldes assumem a capital do país, recebendo o apoio de grande parte da população que desejava a queda do governo. Os houthis realizam um cerco ao governo, numa tentativa de negociar junto de partidos opositores reformas e a derrubada de al-Hadi. Um acordo para a formação de um governo de unidade chegou a ser firmado, mas nunca foi posto em prática.

Em janeiro de 2015, os rebeldes tomaram o palácio e residência do governo numa tentativa de forçar o processo de elaboração da nova Constituição. Porém, dias depois, em 22 de janeiro, Hadi e seus ministros renunciam, deixando o cargo, ao invés de cumprir as exigências dos houthis.

A renúncia foi rejeitada pela maioria do parlamento iemenita. Hadi busca, então, refúgio na parte sul do país, em Áden. O vazio de poder levou a manifestações gigantescas em Áden não reconhecendo o novo governo e clamando a independência. Bandeiras do Iêmen do Sul foram hasteadas por toda a região. Desta forma, o Movimento do Sul, declarou que a secessão da região. Ao mesmo tempo, na capital Sanaa, manifestantes saíram às ruas em apoio aos houthis, mostrando toda a complexidade da situação.

O líder houthi, Mohammed Ali al-Houthi, convocou para o dia 30 de janeiro uma “conferência nacional”, com partidos políticos, organizações e líderes tribais para uma ampla mesa de negociação. O único partido que não boicotou a discussão e se propõe ao diálogo foi o Congresso Geral do Povo, de Ali Abdullah Saleh. O líder dos houthis propôs um conselho presidencial de transição com seis membros e uma representação paritária entre o norte e sul.

A negativa dos demais partidos e movimentos fez com que um comunicado fosse emitido pelos houthis, afirmando que se a crise não fosse solucionada, o grupo assumiria a autoridade sobre o governo do Iêmen. Desta forma, dia primeiro de janeiro, os houthis se autodeclaram no controle do governo do país, dissolvendo o parlamento e instaurando um Comitê Revolucionário, presidido por Mohammed Ali al-Houthi.

Hadi, por sua vez, afirmou que continuava como presidente legítimo do Iêmen visto que seu pedido de renúncia havia sido negado. Com isso convocou apoiadores e tropas militares leais a ele a se unirem, anunciando que teria início um confronto armado pelo controle do poder.

A guerra civil

O conflito armado que novamente banharia de sangue o desértico Iêmen já estava desenhado. De um lado, forças leais ao governo de Hadi deposto, junto com o movimento separatista do Sul, que via nos houthis uma ameaça maior que o antigo governo para conseguir seus objetivos. De outro, os rebeldes houthis que tomaram o controle do governo, e que tinham de início o apoio das tropas leais a Saleh. Por outro lado, a AQPA passou a controlar uma significativa parcela do território tanto no interior, quanto na região costeira.

As posições estavam sendo tomadas até que no dia 22 de março de 2015 uma ofensiva houthi começou na província de Taiz. Três dias depois, em 25 de março, Taiz, Mocha e Lahij já haviam sido tomadas pelos houthis, que estavam aos arredores de Áden, onde estava Hadi.

Neste mesmo dia, o presidente deposto fugiu do país rumo a Arábia Saudita, que entra no confronto com ataques aéreos, buscando restaurar o antigo governo iemenita. Os Estados Unidos passam na mesma semana a fornecer apoio logístico e força inteligência para a campanha militar saudita.

Os conflitos se intensificaram com a formalização de uma coalizão liderada pela Arábia Saudita. Nesta coalizão, além dos sauditas, estão o Bahrein, Emirados Árabes, Marrocos, Senegal, Sudão, Jordânia, Egito e o Qatar (que se retirou do grupo em 2017), e recebe apoio logístico dos Estados Unidos, França e Reino Unido.

Mesmo assim, as forças houthis ainda controlam praticamente toda região norte do país e o litoral do Mar Morto. As forças que buscam restaurar o governo de al-Hadi têm maior controle territorial nas regiões sul. Por sua vez, os aliados iniciais destes dois grupos passaram a atuar de forma independente no conflito.

O Movimento do Sul, por exemplo, deixou de constar nas tropas de Hadi, atuando de forma independente a partir da metade de 2017 e hoje controla basicamente a mesma área de influência que tinha antes da guerra civil. Já as forças leais ao presidente deposto em 2011, Saleh, tem controles de pequenas zonas isoladas do território.

Os sauditas acusam que os houthis recebem apoio militar por meio de armas e dinheiro do Irã, Líbano e Eritreia, algo que não foi comprovado e assumido por nenhum dos países, nem pelo grupo que tomou o poder. No entanto, o Irã, assim como a Rússia, declarou esperar vitória dos houthis. É mais provável que devido ao bloqueio saudita aos portos do país visando impedir a entrada dos alimentos, em boa medida as armas dos rebeldes provenham de desertores ou contrabandistas.

O conflito que se iniciou a quatro anos atrás ainda parece estar longe de ter um fim. O cessar-fogo acordado na Suécia, foi um passo importante, mas a quebra do mesmo já mostrou seus limites. É impossível dizer se o ano novo que se aproxima trará paz e uma vida digna aos iemenitas.

Solidariedade pelo fim do bloqueio

Sob o impacto negativo do assassinato do jornalista saudita Khashoggi pelo regime do príncipe Mohamed Bin Salman (MBS), uma vitória importante ocorreu com a votação ocorrida em 13 de dezembro no Senado dos EUA, retirando o apoio do país aos sauditas no conflito. O regime assassino da monarquia saudita é um dos grandes responsáveis pelo desastre humanitário que hoje assola o Iêmen, da mesma forma que as empresas francesas, britânicas e americanas que vendem armas e lucram a custo da vida humana.

É preciso a mais ampla indignação internacional ao bloqueio realizado pelos sauditas ao porto de Hodeida e ao país. Assim como é preciso a intensificação dos pedidos de fim dos bombardeios estrangeiros realizados pela coalizão saudita.