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MUNDO

Turquia: Após vitória da oposição, justiça cancela eleições em Istambul

Eleições municipais foram realizadas em março. Governo havia perdido por diferença de 13.729 votos, ou 0,16%

Gabriel Santos, de Maceió, AL

Erdogan

Ao final das eleições municipais na Turquia, em 31 de março, o partido do presidente Racep Tayyip Erdogan venceu na maioria das cidades do país. Na capital, porém, o resultado foi diferente. As forças de oposição conseguiram uma imensa vitória. O clima nas ruas de Ancara era de festa. O CHP (Partido Republicano dos Povos – social democrata), conseguiu após 25 anos tirar a prefeitura das mãos do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento – conservador islâmico), após mais de uma década. Um resultado histórico.

Em outras grandes cidades turcas, Erdogan e o AKP sofreram derrotas. Além de Ankara a oposição venceu em Adana, Mersin, Antalya e na maior cidade do país, Istambul. A oposição também se manteve no governo de Izmir, a terceira principal cidade turca.

A derrota do governo nas principais cidades do país, e em especial Istambul e Ancara, sacodem Erdogan, que nunca havia perdido uma eleição desde que o AKP chegou ao poder em 2002. O presidente turco, que controla 90% dos meios de comunicação no país, acumulava 14 eleições e 14 vitórias.

As eleições municipais ocorreram no momento em que a Turquia enfrenta sua primeira recessão em 10 anos, com inflação recorde chegando aos dois dígitos e o aumento constante do desemprego. Desde o ano passado, em junho quando ocorreram as eleições presidenciais, se esperava e se via um crescimento da oposição ao governo, que se expressou nas urnas a quase um ano, nas ruas, e também no fortalecimento das ações repressoras do próprio governo.

A taxa de desemprego oficial chegou a 14,7%, e a de jovens passou de 26%, podendo ser inclusive maiores. A lira turca segue desvalorizando, a indústria do país e outros setores cruciais da economia, não apresentam qualquer sinal de recuperação.

Além da crise econômica, o país passa por um momento onde busca se relocalizar nos conflitos geopolíticos. A Turquia se aproxima cada vez mais da Rússia, e mantém o apoio e a relação com o governo de Maduro na Venezuela. A compra de um lote dos mísseis russos S-400 gerou novos atritos com os Estados Unidos e com a OTAN. O vice-presidente norte-americano, Mike Pence, deu um ultimato ao país, no melhor estilo guerra-fria, afirmando que a Turquia deveria escolher de uma vez por todas se estava do lado da OTAN ou da Rússia. Dessa forma, não é impossível que sanções econômicas sejam impostas ao país.

Diante de toda essa situação, a derrota eleitoral do AKP nas principais cidades turcas gera um enorme terremoto no governo, que durante anos não esteve acostumado com este tipo de revés. O AKP resolveu então entrar na justiça pedindo o cancelamento das eleições em Istambul, sabendo que mais uma grande cidade na mão da oposição iria fortalecer nacionalmente os grupos opositores e colocar em confronto dois modelos de gestão. De um lado o autoritarismo do AKP, e de outro, por mais que tenha limites, uma gestão mais democrática do CHP.

Istambul, cidade natal do presidente, é lar de 20% da população do país, e berço político e econômico da Turquia. Erdogan foi prefeito da cidade entre 1994 e 1998. Foi lá que conseguiu o cacife político necessário para fundar o AKP e se postular a primeiro-ministro.

Perder Istambul é para o AKP aceitar que está perdendo o controle do país, por isto, o partido fez o possível e o impossível para não aceitar a derrota, e aproveitou o apertado resultado em Istambul, onde a diferença de votos foi de apenas 13.729, ou seja 0,16% de diferença, muito mais apertado que em qualquer outro lugar, e alegou que houve irregularidades na contagem de votos.

No último dia 06 de maio, o Conselho Superior Eleitoral (YSK) da Turquia, decidiu por 7 votos contra 4, anular as eleições para prefeito de Istambul e refazer a mesma no dia 23 de Junho.

O YSK se baseou no fato de que alguns responsáveis por guardar as urnas não eram funcionários públicos. Este fato é comum em eleições na Turquia e se repetiu em diversas outras cidades, nenhuma destas teve as eleições canceladas. Os eleitores votaram naquele dia 31 em três outras eleições, que tiveram envelopes e urnas que seguiram o mesmo procedimento para a de prefeito, porém, nenhuma delas foi cancelada. A decisão da YSK não possui motivo legal ou técnico, mas foi fruto de uma decisão política de cancelar as eleições por pressão do AKP e de Erdogan.

Com as novas eleições marcadas o governo vai buscar dividir os grupos de oposição, tentando criar vários candidatos, em especial dividir as forças curdas. O HDP (Partido Democrático dos Povos – pró-curdo e de esquerda) apoiou o CHP nas eleições com os moldes de “todos contra o fascismo”. Existe a expectativa de como o governo vai manipular a questão curda, e a chamada luta contra o terrorismo. Cresce a possibilidade de que haja ações de grupos paramilitares ligados ao AKP, que possam intimidar e agredir militantes do CHP, para acabar com os comícios do partido rival.

A ação do AKP e a decisão do YSK já geraram protestos em diversos bairros de Istambul. O vitorioso nas eleições, Imamoglu, do CHP, aumentou o tom contra o governo, e tentou se apresentar como líder de um movimento que pela primeira vez pode vir a ser de massas e verdadeiramente popular. Porém, caso se crie um movimento de massas contra o AKP e suas medidas arbitrárias, o CHP pode usufruir dele eleitoralmente, apesar de ser pouco provável que seja este partido que dirija o movimento.

O crescimento da crise econômica, seu aprofundamento, e as ações arbitrárias do regime, irão cedo ou tarde, gerar manifestações massivas. Pode ser que elas não ocorram antes do dia 23 de Junho, mas quando ocorrerem será com espontaneidade, slogans e símbolos semelhantes aos da revolta de Gezi em 2013, o protesto ambiental pacífico contra a demolição do parque Taksim Gezi, que após repressão se voltou contra o governo de Edorgan. As medidas do AKP de cancelar as eleições em Istambul pode acabar se voltando contra ele.

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