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MUNDO

Turquia: O que significa a vitória da oposição em Istambul?

Gabriel Santos, de Maceió (AL)

Ekrem Imamoglu

O socialdemocrata do CHP (Partido Republicano dos Povos), Ekrem Imamoglu, venceu em junho as eleições de Istambul pela segunda vez, dessa vez com mais de nove pontos de diferença. Esta eleição aconteceu após o Conselho Superior Eleitoral do país cancelar o primeiro pleito, que ocorreu em março. Imamoglu venceu aquela eleição com 13 mil votos a mais, cerca de 0,16% a frente do candidato do governista do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento). Dessa vez a derrota do governo foi de mais de 800 mil votos. Um duro golpe contra Erdogan.

O cancelamento das eleições que ocorreram em 31 de março foi mais um passo no avanço do bonapartismo de Erdogan e do AKP, bem como do desmonte do regime democrático burguês existente na Turquia.

A derrota do AKP em Istambul é extremamente significativa e marca um novo momento para a construção de uma oposição a Erdogan. O presidente do país tinha Istambul como um feudo seu desde 1994. Era praticamente imbatível na cidade ganhando ou indicando os candidatos vitoriosos ano após ano.

Além de ser o lar de Erdogan, onde o presidente nasceu, cresceu e se lançou na vida política, Istambul tem um peso monumental na economia do país. A cidade é responsável sozinha por um quarto de todos os investimentos do país e por um terço de toda receita. É em Istambul que moram 15 milhões de turcos, em um país com 80 milhões de habitantes. E nessa cidade, que liga a Europa a Ásia, que Erdogan fez suas grandes obras e megaprojetos, como o Aeroporto de Istambul, inaugurado no início do ano e que é hoje o maior aeroporto do mundo.

Perder Istambul significa colocar uma gigantesca parcela do eleitorado turco com a possibilidade de ver outro tipo de administração, que poderá ecoar em todo o país. Além disso, a derrota do AKP coloca em xeque toda a rede política de clientelismo e corrupção que o partido criou na cidade durante os últimos anos. As principais empresas públicas da cidade são controladas por membros do AKP, fazem concessões e parcerias com empresas privadas, que muitas vezes também pertencem a membros do partido. A vitória de Imamoglu com certeza irá fazer com que ocorram investigações, gerando novas crises internas no AKP.

O partido, assim como Erdogan, ainda não conseguiu engolir a derrota. Como em pouco mais de vinte dias, a diferença de votos passou de 13 mil para 800 mil. O candidato do AKP, Yildirim, perdeu votos em todos os 39 distritos da cidade. Se inicialmente ele tinha vencido em 24 deles, nesta nova eleição venceu apenas em 9.

O AKP criou uma clima de campanha presidencial. Utilizou a figura de Erdogan em diversos comícios. Realizou inúmeros atos com apoiadores. Soltou fake news, tentou usar um nacionalismo reacionário para “revelar” as supostas origens gregas de Imamoglu, o pintou como alguém adverso a religião e o comparou com o presidente egípcio, o general al-Sisi. Mas nada disso adiantou. A crise econômica e o desemprego, alinhados a uma má gestão da prefeitura, e a utilização de recursos públicos para favorecer o AKP e as empresas de seus alinhados, pesou mais alto. Assim como o discurso de uma oposição ampla e democrática utilizada pelo CHP.

A crise econômica e o declínio da economia turca

A inflação chega a dois dígitos. A moeda perde seu valor. O preço dos alimentos não cabe mais no bolso dos trabalhadores. O desemprego entre os jovens passa dos 25%. A realidade hoje na Turquia é muito diferente daquela que viu crescimento econômico por anos seguidos.

Erdogan apostou em um modelo de crescimento para o país baseado no financiamento de grandes projetos de infraestrutura, combinado com uma política de facilitação do acesso ao crédito. Porém, para aplicar esta política teve que recorrer ao aumento da dívida externa e a empréstimos. Hoje a dívida externa do país tem o valor de 52% do PIB, e o governo detém 70% dessa dívida. A lira turca, moeda do país, perdeu  30% de seu valor no ano passado, e somente nos quatro primeiro meses deste ano a queda foi de 10%. Ao mesmo tempo, o gasto com investimentos militares do país cresceu 28% em 2018.

A crise cambial turca aponta para uma gigantesca queda no nível de vida da população. O governo buscará cortar subsídios, e tudo indica que conduzirá uma série de políticas impopulares e antipovo, que devem minar a base social de Erdogan. O presidente do país utiliza uma retórica nacionalista e seu papel como protetor da nação, aumentando o caráter bonapartista do regime, assim como uma política fiscal expansiva para manter seu eleitorado e militantes.

Resta saber quanto tempo demora para que novos movimentos de massas surjam na Turquia, fruto da crise econômica e descontentamento com o governo. Assim como se dará a resistência ao crescente autoritarismo de Erdogan. As eleições em Istambul e a vitória de Imamoglu apontam a possibilidade de uma nova oposição surgir no país. Que além da crise, lida com a crise de refugiados sírios, o debate sobre o nacionalismo, e a situação dos curdos. Ou seja, diversos fatores apontam para uma situação complexa na Turquia, mas uma coisa é certa, nada será como era antes. O invencível Erdogan mostrou que pode ser derrotado. O Sultão está nu.

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