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MUNDO

Notas sobre as eleições no Estado Espanhol

Nuno Geraldes, do MAS, Lisboa – PT

O estado espanhol foi a votos no dia 28 de Abril numa conjuntura marcada pela questão independentista Catalã e pela ascensão de sectores de extrema direita pela mão do VOX na Andaluzia onde a esquerda perdeu um bastião histórico para a direita em dezembro passado, criando grande pressão para o voto útil para derrotar as forças mais reacionárias. A campanha da direita foi marcada pela disputa da liderança do campo conservador, com insultos e discursos inflamados contra a esquerda, puxada pelo PP e Ciudadadanos, cada vez mais à direita e com pautas cada vez mais reacionárias deixando os principais temas como o desemprego para segundo plano.

No rescaldo destas eleições em que a abstenção caiu 6% tendo participado mais 2 milhões de eleitores do que em 2016, destaca-se a vitória do PSOE, que volta a ter maioria depois de 11 anos afastado do poder, tendo subido de 85 deputados em 2016 para 123 deputados, embora longe dos 176 necessários para uma maioria absoluta, tendo ganho em Madrid, Comunidad Valenciana, Múrcia e Ceuta onde não era primeira força política desde os anos 80, atingindo quase o dobro do PP que sofreu uma derrota histórica descendo de 137 para 66 deputados e perdendo cerca de 3 milhões e meio de votos. A explicação para este terramoto foi a canibalização de votos à direita, do eleitorado do PP para o VOX e Ciudadadanos, fruto da Governação de Rajoy e da direitização do partido pela mão de Pablo Casado em resposta a novos sectores de direita. Logo a seguir às eleições o PP já mudou de estratégia a pensar nas eleições europeias e já classifica VOX como partido de extrema direita procurando relocalizar-se.

No discurso de vitória, Pedro Sanchez afirmou que não colocará cordões sanitários à direita para formar governo, ficando no ar a possibilidade de uma coligação com Ciudadanos. No entanto, os apoiantes que estavam presentes no discurso de vitória da noite eleitoral gritavam “Con Rivera No” rejeitando esta coligação com a direita, ao que Sanches respondeu que ficou bastante claro. Esta possibilidade havia também já sido descartada pelo próprio Rivera durante a campanha eleitoral e após tomar conhecimento dos resultados, não sendo de todo a solução mais provável, embora matematicamente desse para formar um governo de maioria. No entanto, as declarações das patronais do Estado Espanhol, pela voz do presidente da CEOE (Confederação Espanhola de Organizações Empresariais) vão no sentido de esta ser a solução que mais desejam, um governo do PSOE com Ciudadanos, com cariz de centro esquerda que garanta estabilidade, moderação e segurança jurídica, ao mesmo tempo que rejeitam qualquer presença do Podemos ou de forças independentistas.

É exactamente o Ciudadanos de Albert Rivera que surge também como um vencedor nestas eleições arrecadando mais de 1 milhão de votos e mais 25 deputados que em 2016, ficando a 220 mil votos e 9 deputados do PP, o maior partido da direita do estado espanhol, superando o Podemos e tornando-se a terceira força política no país.

Podemos passa de terceiro a quarto partido mais votado perdendo 29 deputados e 1,54 milhões de votos, 234 mil só na Catalunha, e apela a um governo de coligação de esquerda. Isto sucede depois de ter tido uma posição vergonhosa em torno da independência da Catalunha e de estar sob uma profunda remodelação que encostou os sectores mais à esquerda como os Anticapitalistas para fora das suas listas.

VOX teve um resultado abaixo do esperado e muito heterogêneo por todo o país, fica em 5o lugar elegendo 24 deputados arrecadando 2.600.000 votos, cerca de 10,26%, mas apesar de ficar aquém do que almejavam, marca a entrada da extrema direita no parlamento desde o fim da ditadura de Francisco Franco, em 1975, depois de uma campanha centrada contra a independência catalã, ameaçando retirar a autonomia da Catalunha até esmagar o independentismo, manteve durante toda a campanha eleitoral um discurso ultranacionalista, anti-imigração e antifeminista, com presença de toureiros e militares nos seus comícios e apelando a uma “reconquista” de Espanha e um retorno a valores tradicionais nacionais. Um aspecto relevante é o de que as autonomias onde existe um independentismo forte parecem imunes ao avanço do VOX como mostram os seus resultados na Catalunha, País Basco, Galiza e Canarias.

Não menos importante é o que sucedeu no país Basco e na Catalunha. Na Catalunha, marcada por todo o processo independentista, a ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) aumentou o seu número de votos em 380 mil (24,5% dos votos) conseguindo 15 deputados, mais 6 do que em 2016, sendo que grande parte saiu directamente do Podemos, devido a toda a sua posição perante a questão do nacionalismo, e conseguindo o dobro da coligação de Carles Puigdemon. No país basco há um aumento dos independentistas a esquerda, com o EH Bildu retirando votos ao Podemos, e à Direita com o reforço do PNV que retira votos ao PP.

Parece estar fora de questão um governo truculento da direita composto pelo PP, Ciudadanos e VOX e que pretende retirar a autonomia à Catalunha tentando esmagar o movimento independentista, num estado onde todos os problemas das nacionalidades, da herança do franquismo e da guerra civil, nunca ficaram resolvidos.

O PSOE descarta neste momento fechar qualquer aliança até á eleições locais, regionais e europeias em 26 de maio, mas para já Pedro Sanches dá indícios de querer governar sozinho, fórmula que lhe tem servido nos últimos 10 meses. Pablo Iglesias do Podemos deixou bem claro que desta vez não dará o seu apoio grátis e que pretende entrar no governo. Apesar disso, as relações entre Sanches e Iglesias estão no melhor momento de sempre, tendo feito vários pactos sem grandes problemas em todos os assuntos relevantes e inclusive tendo acordado um pacto de orçamento que apenas não avançou por causa do chumbo dos independentistas. Esta relação que se tem construído entre PSOE e Podemos abre o caminho a um possível governo de “esquerda” ao estilo do Português, até porque Podemos sente-se prejudicado por Sanches estar a retirar sozinho os dividendos políticos de algumas medidas que foram promovidas pelo Podemos, como o aumento do salário mínimo para 900 Euros, mas que a população não vê como tendo a paternidade de alguém que não está no governo. O apoio externo do Podemos ao PSOE é apontado por Iglesias como uma das razões da sua queda de votação, o que os pressiona mais ainda a estar de corpo e alma num governo de coligação.

O reformismo sai reforçado destas eleições atraindo votos à esquerda, sendo que os cenários mais prováveis são o PSOE, o partido mais votado, tentar governar com abstenção do Podemos e independentistas ou criar uma forma de Geringonça ao estilo Português no estado espanhol, um governo composto do PSOE e Podemos com a abstenção dos independentistas. Em qualquer dos casos não deixa de ser um governo submetido a Bruxelas e à ditadura do déficit, alinhado com a monarquia dos Bourbons e com a burguesia, herdeiras do franquismo, e que impõe a unidade nacional à força sob a capa de uma atitude dialogante, mas negando categoricamente um referendo à autodeterminação.

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