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O jogo não pode continuar: Vini Jr e a resposta ao racismo

O jogador brasileiro foi mais uma vez vítima de racismo e, ao revidar a violência racial, levantou a discussão sobre a omissão das federações de futebol com torcedores racistas

Instagram/Vinicius Jr.

Gabriel Santos

Gabriel Santos é nascido no nordeste brasileiro. Alagoano, mora em Porto Alegre. Militante do movimento negro e popular. Vascaíno e filho de Oxóssi

Domingo, 21 de maio, mais um fim de semana em que por todo o planeta torcedores vão aos estádios ou param na frente da TV e celular para assistir os seus times de futebol em seus campeonatos nacionais. No Brasil é dia de Grêmio vs. Inter. Na Inglaterra, dia do bilionário Manchester City levantar o troféu de campeão e mostrar que dinheiro traz felicidade. No Estado espanhol, o Real Madrid enfrentou o Valência fora de casa e saiu derrotado por 1×0. Na saída do estádio, torcedores do clube da capital esperavam para pedir autógrafos e selfies para Vinicius Jr, atacante brasileiro que hoje é um dos três melhores jogadores do mundo.

Após atender os torcedores, Vini foi perguntado por um repórter se ele se arrependeria de sua atitude em campo, a resposta do atleta da Seleção foi uma outra pergunta ao repórter: “você é estupido?”, falou Vini.

Ao longo de toda temporada europeia, Vini foi vítima de racismo dos torcedores espanhóis nos mais diversos estádios daquele país. A torcida do Barcelona foi às ruas da Catalunha comemorar o título de campeão espanhol e uma das músicas que mais cantavam era “Morra Vini”. Os torcedores do Atlético de Madrid penduraram um boneco com a camisa de Vini Jr em um viaduto da capital junto de uma faixa em que se lia “Morte a Vini”, e encenaram o enforcamento do jogador brasileiro. Ao todo, a La Liga, associação esportiva que organiza o campeonato espanhol de futebol, disse que estava investigando dez jogos em que torcedores adversários fizeram ofensas racistas contra Vini. Um comentarista de programa esportivo chegou inclusive a chamar Vini de macaco ao vivo e nada foi feito.

Vale aqui apontar que a La Liga é uma associação privada, cujo presidente, Javier Tebas, que na noite de domingo usou suas redes sociais para atacar Vini Jr, militou no Fuerza Nueva, antigo grupo fascista dos anos 80, além de ser eleitor declarado do partido de extrema direita Vox, que critica a imigração e é um dos partidos que mais cresce no país. A La Liga, que se nega a agir de forma concreta contra as torcidas racistas, impôs uma multa e sanções ao Rayo Vallecano, modesto clube da periferia de Madrid e que tem sua história ligada a pautas progressistas como o combate à LGBTfobia, após torcedores do Rayo ergueram uma faixa contra a contratação do ucraniano Zozulya, abertamente admirador do Batalhão de Azov e de ideias neonazistas.

Vale aqui apontar que a La Liga é uma associação privada, cujo presidente, Javier Tebas, que na noite de domingo usou suas redes sociais para atacar Vini Jr, militou no Fuerza Nueva, antigo grupo fascista dos anos 80, além de ser eleitor declarado do partido de extrema direita Vox, que critica a imigração e é um dos partidos que mais cresce no país.

No jogo deste domingo, no qual o Real Madrid e Valencia se enfrentaram no estádio Mestalla, torcedores do Valencia cantaram durante todo o jogo músicas chamando Vini de macaco. Perto do final da partida as ofensas se intensificaram e o jogador brasileiro informou ao árbitro, que fez vista grossa e fingiu que nada acontecia. Vini ameaçou abandonar a partida e identificou um de seus agressores para o juiz e para as câmeras de TV, deste fato se iniciou uma enorme confusão na qual Vini foi agredido por jogadores adversários e em seguida expulso pelo juiz.

Os torcedores do Valencia que iniciaram as ofensas racistas a Vini são parte do grupo Yomus, grupo de torcida organizada de verniz neonazista e que entoa músicas heróicas a Hitler. Outros clubes espanhóis têm torcidas abertamente neonazistas e franquistas, como o GoL Sur do Bétis, Blaquiazules do Espanhol, Gerunda Sud do Girona, e a Ultra Sur do próprio Real Madrid, entre outros. O fato é que se vê cada vez mais nos estádios da Espanha aquilo que se vê na rua e se reflete também no parlamento: o crescimento de ideias racistas e de extrema direita. Ideias que são normalizadas diante da situação do país e de seu passado colonizador.

Vini Jr, um jovem negro, um dos maiores entre sua área de atuação, sofreu um mata-leão (assim como George Floyd) transmitido ao vivo para todo o planeta ver, e teve como resposta a sua denuncia do racismo a expulsão do jogo. É impossível assistir as imagens de Vini sendo agredido e xingado e não ser tomado por um sentimento de indignação, ódio e também de tristeza.

Desde que começou a se destacar no Real, Vini passou a ser vítima de racismo por parte de torcedores, comentaristas e jogadores adversários. Sua resposta a essa violência racial não foi o silêncio ou a intimidação, mas pelo contrário. Vini passou a combater o racismo abertamente e denunciar seus agressores. Por esse fato passou a ser visto no Estado Espanhol como um provocador e alguém que tem atitudes anti desportivas.

Impossível não lembrar de quando Neymar e outros jogadores brasileiros foram vítimas de racismo na Europa há uma décadas, e como resposta a essas ofensas esses, brasileiros lançaram a campanha “somos todos macacos”, com direito a linha de roupa e tudo. Vini hoje faz o oposto do que fizeram no passado, ele coloca a cara pra receber mais tapas e ao mesmo tempo coloca a mão para acertar socos, ele vai para a briga.

A forma que Vini Jr enfrentar a violência racial é um sinal do tempo presente, tempo em que nós negras e negros não aceitaremos a posição de ficar ou no quarto da empregada ou em silêncio na sala de jantar. O Brasil, que durante o século XX foi pintado como paraíso das raças, vê cair durante as primeiras décadas do Século XXI o mito da democracia racial, e isso ajuda a entender também a reação de Vini Jr. Agora, nós negros não aceitaremos mais comer a banana atirada pelo racista e seguir em campo como se nada tivesse acontecido. Queremos a paralização do jogo e a expulsão do racista do estádio, mesmo que para conseguir isso nós tenhamos que sair de campo. Por isso, a luta de Vini Jr é de resistência e também é dramática, pois quanto mais ele combate a violência racista, diante do silêncio dos brancos companheiros de seu time, do silêncio do Real Madrid, e do silêncio de La Liga, mais ele vai se tornando alvo dos racistas.

A Europa não aceita um negro livre, que busque se libertar de seu senhor e se revolte. Que mostre para todos e denuncie o passado e o presente colonial e racista dessa mesma Europa. Um negro que erga seu punho e mostre aquilo que a Europa realmente é: a civilização que normaliza a barbárie e que tem no racismo antinegro seu pilar de fundação.

Hoje a população negra em todo mundo se solidariza com Vini Jr e sua luta. É hora do governo brasileiro pressionar o Estado espanhol, assim como o mundo do futebol romper o silêncio. O jogo mais popular do mundo não pode ser palco para o racismo. Como disse Vini “Hashtags e campanhas de mídias não me comovem”, é preciso que se tenha pressão pública por parte dos clubes e jogadores e punições para as torcidas fascistas e racistas, assim como punição para os torcedores identificados.

É hora do governo brasileiro pressionar o Estado espanhol, assim como o mundo do futebol romper o silêncio.

Que toda dor sentida por Vini e as lágrimas derramadas por ele e outros atletas negros vitimas do racismo, um dia, não muito longe, se tornem dor nos olhos e nos corpos dos racistas!