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EDITORIAL

Quem mandou matar Marielle?

Editorial de 14 de março de 2019

“Sou força porque todas nós somos,
Sigo porque seguimos todas juntas,
Eu sou Marielle Franco, mulher, negra, mãe, da favela,
Eu sou porque nós somos”

Marielle: Negra, mulher, favelada e LGBTQI+ em movimento

No dia 14 de março a vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL Marielle Franco voltava de um evento na casa das pretas acompanhada de uma assessora e do motorista Anderson Gomes, quando foi brutalmente assassinada. O carro foi atingido com 13 disparos, pelo menos quatro atingiram Marielle na cabeça. Anderson também foi baleado e morreu no local.

Quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro, conhecida como cria da Maré, unia em si todas as potencialidades e sonhos daqueles e daquelas que lutam cotidianamente contra as opressões e por outro modelo de sociedade.

Marielle Franco era uma potência. Seu corpo, aliado a sua militância política, era uma combinação daquilo que os poderosos mais temem: o despertar da consciência dos pobres, oprimidos e explorados da força e do poder que tinham em suas mãos. Marielle sabia que só a luta coletiva era capaz de mudar o mundo, por isso sua vida militante e seu mandato estavam a serviço da luta coletiva, da mobilização dos oprimidos.

Marielle ousou ocupar espaços que, historicamente, não eram tidos como seus. Isso porque o mantra que as assembleias e câmaras são a “casa do povo” não convence mais ninguém. Por natureza, esses espaços são feitos para permanecerem sob controle do capital, através de projetos políticos antipovo, que atacam a população mais pobre e trabalhadora e que têm como única finalidade continuar explorando e arrancando direitos.

No entanto, Marielle mostrou que é possível construir um projeto diferente, construído por aqueles que habitam os morros e favelas, que carregam a opressão em seus corpos. Para construir esse projeto, Marielle denunciava cotidianamente a sanha por sangue negro nas favelas e nas comunidades, a política racista de combate às drogas do Estado responsável pelo o genocídio da juventude negra, denunciou a perigosa combinação entre política, polícia e corrupção e a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, que apenas serviu para trazer mais tragédias para o povo negro e pobre. Por isso, por ser a junção de tudo o que a burguesia brasileira mais odiava, Marielle foi assassinada. O recado era claro e evidente: o silêncio e a morte para aqueles que ousavam lutar e resistir.

Depois da prisão dos executores ainda fica a pergunta, QUEM MANDOU MATAR MARIELLE E ANDERSON?

O assassinato de Marielle representou um grave atentado contra as liberdades democráticas, conquista das lutas dessa brava gente. A execução de uma parlamentar em pleno exercício de suas funções é um sinal de alerta para todos e todas da conjuntura que estamos vivendo no País. O envolvimento da milícia e de políticos na morte de Marielle só ressalta que não estamos lidando com qualquer força, estamos lidando com o que há de mais perigoso na política: o envolvimento de forças do estado na execução de uma parlamentar eleita pelo povo. Marielle foi morta por causa das pautas que defendia, por ser uma defensora irrestrita de direitos humanos e pelo papel político que desempenhava na denúncia das violações de direitos nas favelas.

A prisão de um PM reformado e de um ex-PM pelo assassinato de Marielle é a prova de que estamos lidando com forças poderosas e que, se foi importante essas prisões, é ainda mais imperioso responder outras perguntas ainda mais difíceis: Quem mandou matar Marielle e Anderson? Quais interesses políticos se escondem por trás dessa morte? Qual o envolvimento de agentes de estado na execução? Até onde vai a relação entre milicianos e políticos do Rio de Janeiro? Quem está envolvido no arsenal de fuzis que acaba de ser descoberto? São muitas as perguntas e poucas as respostas.

Mas sabemos a resposta que não aceitamos. Não admitiremos que tente se explicar o assassinato de Marielle e Anderson como um crime de ódio, como uma ação isolada de dois atiradores, motivados pela intolerância e pelo ódio contra ideias de esquerda. Não. Marielle foi executada em uma ação planejada, executada por profissionais, que estão ligados a milícia. Não são atiradores a esmo. São parte de uma operação muito maior, que envolve grupos criminosos e políticos e que cada vez mais se aproxima da família do presidente da República. A prisão dos dois não é o bastante. Precisamos aprofundar a investigação, garantindo o seu caráter independente e ampliando para a participação de entidades de direitos humanos e da sociedade.

“Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”: O legado de Marielle Franco

São muitas as lições que temos a aprender com Marielle. Se por um lado exigir justiça todos os dias é de suma importância, por outro é necessário entender e fazer valer o legado que ela deixou. A mulher negra, favelada, LGBTQI+ mostrou que é possível construir política com aqueles e aquelas que estão completamente esquecidos pelo poder público. Mais do que isso, Marielle demonstrou que não era apenas mais uma representante parlamentar, mas lutou ombro a ombro, corpo a corpo, e fez do seu mandato um espaço para que as vozes dos e das invisíveis fossem ouvidas.

No entanto, para além de toda a compreensão do papel de Marielle como parlamentar, refletir sobre corpos negros requer responsabilidade. Nesse sentido, Marielle deixa um legado da necessidade de compreendermos a luta antirracista e anticapitalista no Brasil, organizar os debaixo para derrubar os de cima significa colocar em marcha, principalmente negros e negras, mulheres e LGBTQI+, entender que o racismo no Brasil deve ocupar um lugar central em nossas análises, que o endurecimento do estado e o esvaziamento de seu papel em tempos de neoliberalismo afeta ainda mais os oprimidos.

Por fim, honrar a memória de Marielle Franco significa, agora mais que nunca, lutar contra Bolsonaro e seu projeto de poder racista, misógino, LGBTQIfóbico, autoritário e antipovo. Lembrar Marielle é lutar por uma transformação social que coloque o povo explorado e oprimido em primeiro lugar.

Por tudo isso, é muito importante transformarmos esse dia 14 em um grande dia de luta, histórico, repetindo os protestos durante o carnaval e os potentes atos do 8 de Março. Cada amanhecer, cada debate, cada flor e cartaz nesta quinta-feira será um passo a mais nas lutas de resistência que teremos pela frente, como a jornada de 21 dias contra o racismo e os atos nacionais contra a reforma da Previdência, no próximo dia 22.

 

 

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