Pular para o conteúdo
Colunas

Um pouco de História: Sobre eleições na Argentina, mas também no Brasil

Arquivo

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

Na Argentina, no ano de 1973, aconteceram duas eleições presidenciais seguidas, no mesmo ano. Até a primeira eleição daquele ano, havia uma ditadura no país, depois de sucessivos golpes militares (1955 / 1962 / 1966). Depois de uma forte onda de greves e protestos – uma verdadeira insurreição popular, iniciada na Cidade de Córdoba, em 1969, que ficou conhecida com o nome de Cordobazzo – foram chamadas, finalmente, eleições. A luta do povo desestabilizou essa ditadura sangrenta.

Juan Domingo Perón, ex-presidente deposto em 1955, que estava no exílio no Estado Espanhol, foi impedido de voltar ao país e concorrer nas eleições presidenciais de março de 1973. Apesar de todas as enormes diferenças com Perón e o peronismo, o fato de Perón ter sido impedido de ser candidato foi um verdadeiro absurdo e um ataque as liberdades democráticas mínimas. Felizmente, essa foi a análise e posição de pelo menos parte dos marxistas revolucionários argentinos da época.

Diante do impedimento de Perón, o Partido / Frente Justicialista (os peronistas) resolveram lançar outro candidato por sua legenda – Hector Cámpora – que acabou sendo um representante direto de Perón na campanha. Cámpora concorre às eleições e sai vitorioso, com 49% dos votos válidos. Um resultado realmente impressionante. Mas, a história não acaba aí.

Logo depois de tomar posse – 49 dias depois – Cámpora renúncia e, de acordo com a legislação vigente, são convocadas novas eleições presidenciais, que aconteceram em setembro do mesmo ano. Nesta segunda eleição, Perón pode retornar ao país e ser candidato. Ele foi eleito de forma acachapante, com 61% dos votos.

Em ambas as eleições presidenciais de 1973, diferentemente de alguns grupos socialistas que definiram boicotar as eleições, os mesmos marxistas revolucionários que apoiaram o direito de Perón ser candidato, mesmo com grandes diferenças políticas e programáticas com ele, tiveram candidaturas próprias para Presidente, separadas do Peronismo.

Essa foi a primeira eleição na qual concorreu pela legenda legal o Partido Socialista dos Trabalhadores – o saudoso PST argentino – tendo como candidato à presidente da República Juan Carlos Coral – um ex-deputado nacional cassado, com origem no velho Partido Socialista argentino. Na segunda eleição, Coral obteve 1,5% dos votos.

Nahuel Moreno, um dos dirigentes do trotskismo argentino e mundial, que ainda hoje influencia muito a minha militância, viu no acordo com Coral a possibilidade de lançar um novo partido, com presença nacional, com mais capacidade de se postular como uma nova alternativa política para os lutadores do Cordobazo, o povo trabalhador e a juventude da Argentina.

Um alerta sobre as analogias históricas
Construir opiniões sobre a realidade política atual a partir de analogias históricas é sempre muito perigoso, pode levar a erros importantes. Ainda mais em relação a fatos que ocorreram 45 anos atrás, em países diferentes. Entretanto, algumas analogias são realmente interessantes, e isso não é “mania” de historiador.

Guardadas as enormes proporções entre as eleições presidenciais da Argentina em 1973 e as eleições do Brasil em 2018, depois da decisão da direção do PT do último domingo (05 de agosto), é impossível não pensar no seguinte: “Haddad está para Lula assim como Cámpora esteve para Perón”.

Evidentemente, é impossível prever se os resultados práticos das eleições serão os mesmos. Inclusive, é bem possível que o resultado seja distinto daquele do país vizinho nosso. Mas, o que é seguro dizer, com toda a convicção, que o impedimento de Lula concorrer nas eleições brasileiras atuais é um ataque às liberdades democráticas, como também foi impedir Perón de concorrer nas primeiras eleições presidenciais argentinas de 1973.

No Brasil atual, a condenação sem provas, a prisão política e o eventual impedimento da candidatura presidencial de Lula é parte inseparável do golpe parlamentar do impeachment e do caráter reacionário e seletivo da operação jurídico–policial da Lava Jato.

Há outras analogias possíveis de serem feitas sobre a relação entre estas eleições. Por exemplo, sobre a política dos marxistas revolucionários para a Argentina de 1973 e para as atuais eleições brasileiras. Mas, sobre este tema, deixo para a imaginação de cada um (a), para evitar polêmicas desnecessárias.

Uma nova esperança de esquerda
Assim como os marxistas revolucionários argentinos do velho PST investiram todo o seu esforço militante na afirmação de uma nova alternativa política de independência de classe nas eleições argentinas de 1973, no Brasil atual acredito que o caminho deve ser no mesmo sentido.

Devemos jogar todas nossas fichas no fortalecimento de uma nova alternativa política, de esquerda e socialista, que nas eleições atuais passa principalmente pela construção das pré-candidaturas presidenciais de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara, lançadas por uma frente política e social inédita em nosso país, formada principalmente pelos partidos de esquerda PSOL e PCB e movimentos sociais combativos como MTST e a APIB.

Uma nova alternativa política que não mantém alianças políticas com a velha direita e os golpistas. Como, infelizmente, vem fazendo as direções do PT e do PCdoB em vários Estados importantes brasileiros.

Uma campanha que propõe um programa que enfrente de verdade os privilégios das grandes empresas e bancos para atender as reivindicações e as demandas mais sentidas do povo trabalhador, dos oprimidos e da juventude. Construída de forma democrática e com participação popular e dos ativistas. Vamos, sem medo de mudar o Brasil!

 

Referência Bibliográfica: MORENO, Nahuel. “Depois do Cordobazo”