Tinha eu acabado de fazer 14 anos quando esta música era entoada por toda a população. Era a reafirmação de que nós, brasileiros, enfim éramos os melhores do mundo em alguma coisa. Não sou sociólogo nem historiador, mas em minha memória era a primeira vez que percebi nas ruas o sentido da materialização de nacionalidade. Éramos todos brasileiros, com certeza. Éramos os melhores do mundo no futebol. Repetíamos o refrão da vitória na Copa de 1958 na Suécia:
Chico Buarque queria porque queria ser jogador de futebol nessa época. Eu também. A bem da verdade, toda a nossa geração almejava essa glória. O maior presente que poderíamos sonhar no Natal era ganhar uma bola de futebol e ir para as ruas jogar uma ‘pelada’ com os amigos do bairro. Eu sonhava em jogar no Palmeiras e tinha um certo talento. Um tio meu queria me levar para o infantil do Palmeiras aos 14 anos, mas meus pais proibiram.
Relembro-me que nessa época o país tinha pouquíssimos feitos esportivos a nível mundial. Adorávamos, tínhamos um carinho e um respeito imensos por Maria Esther Bueno, a nossa grande tenista falecida nas últimas semanas. Ela colecionou 589 títulos internacionais e dezenove campeonatos do chamado Grande Slam, ou seja, nos quatro principais torneios de tênis do mundo. Em 1959 Maria Esther foi eleita a jogadora nº 1 do mundo pela Federação Internacional de Tênis.
Nos anos anteriores tínhamos apenas o fantástico e inesquecível Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão consecutivo no salto triplo nas Olimpíadas de Helsinque, Finlândia,em 1952 e em Melbourne, Austrália, 1956. Somente 48 anos depois, nas Olimpíadas da Grécia, é que o Brasil teve outros bicampeões: o pessoal do iatismo e os meninos do vôlei. Curiosamente, Adhemar Ferreira da Silva fumava um maço de cigarros por dia…
No basquete o Brasil foi bicampeão mundial em 1959 e 1963 com os maestros Amaury e Wlamir, jogadores consagrados internacionalmente. Antes, em 1954, nossa seleção já havia sido vice-campeã. Nas Olimpíadas de Roma em 1960 e Tóquio, 1964, fomos agraciados com a medalha de bronze.
Wlamir é o primeiro à esquerda e Amaury ao seu lado.
Torcer ou não torcer pelo Brasil, eis a questão!
Todas estas pioneiras façanhas esportivas compuseram parte da infância e da adolescência daquela que seria historicamente chamada de geração 68.
Em 1966 não pude acompanhar a Copa do Mundo de futebol. Estava em Recife disputando o campeonato brasileiro juvenil de vôlei. Nossa equipe, a seleção de São Paulo, foi vice-campeã. Antes, em 1964, já havia sido campeão brasileiro infantil.
Ao ser impedido de seguir ‘carreira’ como futebolista, por mero acaso migrei para o vôlei. É que próximo à minha casa, a umas cinco quadras, havia o Clube Adamus de Voleibol e toda a garotada da Vila Clementino passou a praticar esse esporte. Muitos e muitos anos depois, a querida e saudosa Convergência Socialista produziu festas no salão desse clube.
Em 1970, quatro anos após o começo de minha militância, ocorreu uma grande discussão no interior da esquerda brasileira. Devíamos torcer a favor ou contra a seleção de futebol já que vivíamos a pior fase da ditadura militar com Médici no poder?
Um fracasso do extraordinário e talvez a melhor seleção de todos os tempos, o time de Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho Gerson e Clodoaldo não seria positivo no combate à ditadura, raciocinavam muitos militantes das mais variadas correntes?
Uma vitória na Copa do Mundo não daria fôlego e propaganda ao governo do ditador Médici?
Tinha 22 anos nessa época. Eu e meus amigos mais próximos concluímos o óbvio: uma Copa do Mundo é apenas uma Copa do Mundo. Ela é fantástica para quem tem paixão pelo futebol. Para quem não gostasse de futebol bastaria desligar a TV.
Torcer contra não fazia sentido algum pois a luta de classes não depende da vitória ou derrota de um time de futebol.
Se fôssemos jogadores tentaríamos de tudo para vencer todos os jogos e fazer algo parecido com o que o craque da seleção chilena de futebol, o Cazseli, fez em 1974: não apertou a mão do ditador Pinochet frente à multidão de 60 mil pessoas que lotava o Estádio Nacional do Chile na despedida da seleção chilena para a Copa do Mundo na Alemanha. Cazseli era o capitão da seleção e simpatizante do Partido Comunista.
Contudo, o mais fantástico evento esportivo são as Olimpíadas. Elas que reúnem num só evento quase todas as modalidades. Serão eternas, inesquecíveis para os que, como eu, amam os esportes, os momentos em que se pode ver atuar Usain Bolt e Yelena Isinbayeva no atletismo; Michael Jordan, Hortência e Magic Johnson e Magic Paula no basquete; Paula Pequeno, Jaqueline, Sheila, Nalbert, Giba e Ricardinho no vôlei; Marta, Gabriel Jesus e Neymar no futebol; Maria Sharapova no tênis; Michael Felps e César Cielo na natação; os chineses do tênis de mesa masculino e feminino, Ma Long e Ding Nig, respectivamente e tantos outros atletas maravilhosos.
Sempre torcer pelo Brasil?
No começo de qualquer campeonato a nível mundial, seja de qual esporte for, sempre começo torcendo pelo Brasil, independentemente de conjunturas políticas da luta de classes.
Por que?
Primeiro porque nasci e sempre vivi no Brasil, exceto os 8 anos de exílio. Não teria sentido torcer pelos Estados Unidos ou pelo Panamá ou Índia ou Senegal.
Verdade seja dita, quando são outros países a jogar, torço sempre pelo Chile e Portugal, países cujos povos abrigaram carinhosamente a mim e aos milhares de exilados durante a ditadura brasileira. Também adoro torcer pela Argentina pelos laços de afinidade que guardo com muitos queridos amigos e companheiros argentinos que marcaram para sempre a minha vida adulta.
No entanto, como curto qualquer esporte, na medida em que um campeonato vai se desenvolvendo começo a torcer pelas equipes dos países que mostram a mais eficiente e a mais bonita maneira de jogar. Em 2014 me deliciei com a equipe de Robben e da Holanda. Torci por eles. Não ganharam, mas era prazeroso vê-los jogar, diferentemente do Brasil, a quem deixei de lado.
Aliás guardo em minha memória o Brasil da Copa de 1982 com Falcão, Zico, Sócrates, Júnior e companhia. Foram derrotados, é verdade, mas entraram eternamente para a história tal qual as seleções da Hungria em 1954, com o maestro Puskas, e a da Holanda de 1974, aquela de Rinus Michels e Cruyff.
Aquela de Parreira, campeã em 1994 era muito fraca, sem graça nenhuma só se salvou pelo futebol de Bebeto e do fantástico Romário.
Em síntese, não sou patrioteiro. Esta seleção de 2018 ainda não me encantou. Torço por ela, por enquanto. Ainda não vi outra seleção que me encantasse. Se aparecer, mudo de opinião.
Torço sempre pela beleza do esporte, seja de qual país for. Sou um apaixonado pelos esportes, não um patrioteiro vulgar.
Há quem não goste de esporte, há quem não goste de futebol, assim como eu não tenho apreço por ópera ou filme de terror. Nesse caso, é melhor não ver nada do que torcer contra por causa da situação da luta de classes. Não faz sentido, creio eu.
Como era o esporte na antiga Alemanha Oriental
Pouco tempo após chegar no exílio chileno e entrar para o grupo Ponto de Partida, fui morar no bairro Las Lomas de Macul, na extrema periferia de Santiago. Cerca de uns duzentos exilados brasileiras moravam ao meu lado. Alugamos casas recém construídas e pertencentes aos operários do salitre do norte do Chile. Quando estes se aposentassem poderiam viver nelas ou deixarem alugadas para ganhar um dinheirinho extra.
A uns 100 metros havia um campo de futebol e todos os sábados pela manhã os exilados curtiam uma ‘pelada’. Nelas jogavam militantes do MR-8, PCBR, VPR, VAR-Palmares, AP, PCB, POC, enfim, de quase todas as organizações de esquerda. Formamos um time, com camisas, e jogamos algumas vezes em algumas fábricas contra os seus operários. Nosso meio de campo era formado por Vermelho, cujo nome jamais soube, Tulio Quintiliano e eu. Entre outros destaques do nosso elenco havia o Vladimir Palmeira, líder da Passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro. Mas Vladimir era um péssimo jogador apesar de todo o seu imenso carisma pessoal e seu bom humor característico.
Logo depois, através de um contato com uma pessoa do MIR, fui convidado para jogar vôlei na equipe amadora do Liceo Experimental Manuel de Salas, escola pertencente à Universidade do Chile, algo parecido com os colégios de Aplicação existentes no Brasil. Fomos vice-campeões do Chile em 1971. Aos 22/23 anos de idade, ainda mantinha um corpo em forma para ser um bom ponteiro passador.
Nosso técnico era bem jovem, cerca de uns 30 anos e era professor de Educação Física. Era simpatizante do PC chileno e fez pós-graduação na antiga Alemanha Oriental.
Ele me contou que naquele país todas as crianças , em suas escolas, tinham participação obrigatória nas aulas de atletismo e natação . Educação Física era uma matéria praticada em horário distinto das demais disciplinas.
Até os 11 ou 12 anos de idade as crianças só praticavam basicamente o atletismo e a natação pois se julgava que estes eram os esporte básicos e primitivos de qualquer ser humano. Corre e nadar são atividades inerentes ao ser humano desde cedo, diferentemente de esportes mais complexos como o vôlei e o basquete, por exemplo.
Os professores acompanhavam e registravam a evolução física da criançada, apontavam suas virtudes, potencialidades e limitações. Baseados nesses relatórios as crianças, na pré-adolescência, eram orientadas para outros esportes se fosse o caso. Desta maneira, toda a juventude tinha uma formação básica do ponto de vista atlético e, com isso, levariam este aprendizado e esta prática para o resto de suas vidas.
A partir daí eram promovidos campeonatos de todas as modalidades esportivas entre as diversas escolas de um bairro ou de um pequeno município. Ao final desse certame, os melhores atletas formavam as seleções daquele bairro ou município.
Vinha então a etapa seguinte , que eram os campeonatos intermunicipais em cada região do país. Os melhores de cada esporte passavam a formar as seleções daquela região.
Finalmente havia o campeonato nacional de todas as modalidades esportivas, onde eram selecionados os melhores atletas de cada esporte e passavam a constituir a base das seleções que futuramente representariam o país nas Olimpíadas.
Em resumo, o desenvolvimento do corpo ia em paralelo com a formação cultural e intelectual. Até hoje, de tudo que vi e li, um modelo desse tipo deveria ser implantado em todos os países. A esquerda brasileira em geral dissocia esse binômio corpo-intelecto, principalmente os dirigentes e militantes que nunca viveram em bairros ou cidades proletárias. Quem pratica esporte regularmente e milita costuma ser desdenhado pelos ‘revolucionários’ de gabinete que colocam a absurda disjuntiva: ou milita ou pratica esporte. Como também é comum se ouvir: ou milita ou curte artes. Já ouvi também dizeres do tipo: quem lê e estuda muito é diletante, é pequeno –burguês. Quanta ignorância!. Poucos sabem que Lenin curtia nadar assim como Trotsky caçar.
Por que não azulzinhos ou verdinhos contra os amarelinhos?
Algumas considerações breves para fechar esse longo texto. Voltando à Copa , Neymar é um excelente jogador, o melhor que temos. Mas é super egocêntrico, narcisista, individualista tal qual o modelo que o capitalismo tenta impor e consegue em quase todo o mundo. Futebol, cabe relembrar, é um jogo coletivo com 11 atletas. O fator individual tem sempre que ser posto em compasso com o coletivo. Não há ‘salvadores da pátria de chuteiras’. Neymar, como se dizia antigamente, é um ‘chato de galochas’. Não é por acaso que , em minha opinião, Philippe Coutinho foi o destaque do time brasileiro nas três primeiras partidas dessa Copa. Este joga sempre para o conjunto.
Falando em atletas, em 1958 e 62 a seleção tinha 4 craques fora-de-série: Didi, Pelé, Garrincha e Nilton Santos. Em 1970 a seleção tinha 4 fora-de–série: Pelé, Gerson, Tostão e Rivelino. Em 2002 tínhamos 4 jogadores totalmente acima da média: Rivaldo, Ronaldo fenômeno, Ronaldinho gaúcho e Roberto Carlos. Em 2018, só Neymar, por enquanto.
Como amante do futebol, gostaria de saber a opinião dos leitores sobre quais jogadores fariam parte de uma seleção brasileira a partir de quando fomos campeões do mundo em 1958. Meu palpite, faltando o miolo da zaga e o goleiro, seria: Djalma Santos e Nilton Santos, na defesa; meio de campo com Falcão, Gerson e Didi; ataque com Garrincha, Romário e Pelé. Aceitam-se sugestões.
Nesta Copa, um dos maiores astros foi o tal de VAR, árbitro de vídeo, que veio para ficar. Sete pênaltis foram dados via o VAR até agora. Começa-se a corrigir os erros e as frequentes injustiças. No entanto, tal qual está, ainda é o Bonaparte em campo, o juiz, ajudado por outros bonapartes de vídeo, quem decide sim ou não. Isso está errado, Tem-se que fazer algo como no vôlei onde o técnico de cada equipe pode pedir o VAR em dois lances capitais por set. Além disso, o próprio juiz do vôlei também tem o direito de pedir o VAR quando ele ficar em dúvida. No vôlei os bonapartes foram abolidos. No futebol também deve ser assim.
Para fechar o texto, vai uma questão polêmica, merecedora de um debate entre todos nós. Em 2015/2016 vimos milhões de amarelinhos nas ruas seguindo as diretrizes dos mais variados golpistas e direitistas impulsionados pela Rede Globo. A pergunta que não me sai da cabeça desde então é por que a esquerda não sai às ruas, nas grandes manifestações, com camisas de cor azul ou verde? Por que deixar para os reacionários as cores do Brasil? Será que os direitistas são brasileiros e nós estrangeiros? Seremos menos marxistas ou menos revolucionários se todos usássemos o verde ou o azul? Será o Brasil uma potência imperialista onde o nacionalismo tem um caráter totalmente reacionário ou será um país com características semicoloniais onde cabe lutar por uma segunda independência nacional como nossos saudosos mestres do PST argentino nos ensinaram? Talvez seja necessário reler e reestudar as Teses Gerais sobre o Oriente do IV Congresso da III Internacional bem como os escritos de Trotsky para a América Latina para começar a se ter uma opinião definitiva sobre esse tema.
São Paulo, 27 de junho de 2018
Enio Bucchioni
Leia mais sobre a Copa do Mundo da Rússia no Lateral Esquerda, especial do Esquerda Online:
Save
Save
Save
Save
Comentários