Já virou rotina as semanas que antecedem a Copa serem tomadas pelo dilema de se o povo está motivado, ou não, para a Copa. O debate geralmente é chato, mas cabe uma reflexão: O que significa a Copa do Mundo no Brasil e por que mudou tanto?
O povo brasileiro e o futebol
Em primeiro lugar, é importante destacar que a relação do povo brasileiro com o futebol vem de meados do século 20, quando o esporte bretão se popularizou no país. Trazido por Charles Miller em 1894, foi um divertimento da elite por muitos anos.
Dessa forma, a segregação social era mantida nos campos, além da proibição de negros disputarem as partidas trazendo as chagas da escravidão recém abolida no país. Com o passar dos anos, o caráter do esporte mudou e o futebol passou a ser o grande símbolo do povo brasileiro.
Texto muito elucidativo sobre o tema escrito por Gilberto Freyre “Foot-ball mulato” é uma exposição de como a prática do futebol simbolizava a miscigenação no Brasil com a visão de um dos pensadores que moldou a forma de enxergar o país naquele momento.
Nelson Rodrigues cunhou a expressão “Pátria de chuteiras” para simbolizar a relação de um povo que se vê representado na sua seleção. Essa sensação cabia perfeitamente na era de Ouro do nosso futebol quando de 1958 até 1970 ganhamos tred Copas do Mundo e vimos uma coleção de craques que desfilavam pelos estádios do nosso país. A sensação foi mudando, menos títulos, menos craques e a maioria deles está lá fora. O futebol brasileiro do dia a dia fica com a carne de terceira e manda o filé pro exterior. O futebol imitando a vida.
Mesmo com tanto desapego, o futebol ainda é a maior paixão nacional e a seleção move uma massa de torcedores por onde passa, pois é ali onde o povo brasileiro pode ser um vencedor, pelo menos ali nós somos melhores do que todo mundo e a fascinação que causa o esporte passa uma mensagem de muita força pra um povo tão sofrido.
Como pintar ruas que não são nossas?
O processo de gentrificação das grandes cidades fez com que as ruas perdessem o seu caráter comunitário. Rua é local de passagem e não de parada. Vizinho deixou de ser alguém próximo. Associado a isso anos de uma ideologia individualista que coloca a coletividade como algo danoso e que toma tempo fez com que os pequenos prazeres em grupo deixem aos poucos de existir.
A Copa do Mundo acontece no Nordeste junto com o São João, deixaram de pintar ruas como abandonaram os “Palhoção”, não tem mais fogueira construída pela vizinhança onde todo mundo vai assar seu milho e trocar as comidas típicas. É uma fase de afastamento da comunidade onde perdem-se os laços e com isso as práticas conjuntas vão se perdendo.
A solidariedade entre o povo mais pobre continua existindo, o povo brasileiro se constituiu e se fortalece nesse sentimento que mantém a maioria do nosso povo de pé, mas as mudanças que o capital impôs nos centros urbanos mudaram as formas de dividir o espaço urbano.
Não dá pra esperar que a população haja como quem não entende o processo de expulsão das cidades e ocupação do espaço urbano. A resistência por moradia é ponto central das grandes cidades. As ruas não são mais das crianças que pedem contribuição dos moradores pra pintar a calçada ela agora pertence as grandes empreiteiras. A batalha nos grandes centros é justamente pra inverter essa lógica mercadológica que segrega as pessoas.
Uma seleção que não é brasileira
Aliado a todos esses fatores ainda existe o grande distanciamento da seleção brasileira com o povo brasileiro. Muitos desses atletas são oriundos de camadas populares, mas assumiram um padrão de vida que os torna completamente alheios ao que se passa no país. A seleção viajou para a Europa no meio de uma crise profunda por conta da greve dos caminhoneiros e nenhuma palavra dos jogadores sobre este assunto. É um mundo paralelo onde as pessoas não se enxergam.
Os atletas brasileiros atuam longe do país, dos 23 convocados por Tite apenas 3 jogam em solo nacional, isso faz com que não exista mais um apego do clube que passa pra seleção, torcer pra o jogador do seu time estar lá. Agora são os clubes europeus e e chineses que disputam pra saber quem tem mais jogadores vestindo a amarelinha.
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), cujo histórico tenebroso é bem extenso e não será abordado nesse texto, cumpre o papel de distanciar o torcedor ainda mais ao não permitir que a seleção de prepare perto da sua gente. O Brasil foi a única seleção sulamericana que não fez amistoso ou jogo-treino no seu país.
Nenhuma mísera apresentação pra que as pessoas pudssem ver de perto os craques que se muito passam férias no país. É um disparate com os torcedores não poderem ver um treino pelo menos. Até isso é deixado para os ingleses que receberam uma seleção que já se sente em casa no solo Britânico.
O Mundial de 2018 será envolta de muitas crises e polêmicas. Quem deixou de amar a seleção faz isso por não ser correspondido e é bastante compreensível. Aqueles que por puro amor platônico (como este que vos escreve) ainda se apegam de 4 em 4 anos a torcer pelo Brasil viverão as contradições com todas as coisas que só uma Copa do Mundo pode apresentar.
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