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MUNDO

Israel e Palestina em 2018: descolonização e não paz

Editoria Internacional

Na Palestina vivem-se dias dramáticos, agravando uma situação desesperadora que já dura 70 anos. O cerco a Gaza que torna a vida quase impossível levou à “marcha pelo retorno” e ao covarde massacre que estamos vendo nestes dias. Somente hoje, são 60 mortos e mais de dois mil feridos, atingidos por soldados armados até os dentes, que utilizaram todas as armas a seu dispor, inclusive bombardeios aéreos para impedir que dezenas de milhares de palestinos sequer se aproximassem da cerca de arame farpado que separa a Faixa de Gaza do território israelense.

Menahem Kahana/AFP

As imagens contrapostas da festa pela instalação da embaixada americana em Jerusalém não poderiam ser mais chocantes.

Do alto de seu poderio, Israel se constitui no único poder real em todo o território da Palestina histórica. E um poder discriminatório, que nega os direitos dos cinco milhões de palestinos sob seu poder e aos milhões de refugiados e seus descendentes, que em alguns casos vivem a poucos quilômetros de distância de suas terras e propriedades roubadas. Aproveita-se cinicamente do apoio total da nova administração americana e do cenário desolador de derrota dos levantes nos países árabes em 2011. Regimes que cada vez mais apoiam a convivência com Israel e suas práticas.

Mahmud Hams/AFP

Mas a magnitude das manifestações coloca de forma acentuada um grande problema: a estratégia da liderança palestina desde 1988 é o estabelecimento de dois estados lado a lado, um judaico e outro palestino. A realidade demonstrou, mais além da teoria, que não é o mais provável que haja dois estados, mesmo um soberano e outro vassalo. A antiga bandeira palestina de uma Palestina laica, democrática e não racista em que convivam todas as nacionalidades é uma pista para modificar essa estratégia. Uma que possa conquistar apoio em um setor importante dos judeus israelenses, baseada na restituição dos direitos dos palestinos e na convivência igualitária. Um ponto de partida para mudanças completas em um território castigado pela opressão, racismo e discriminação há setenta anos.

Publicamos as reflexões estratégicos do principal historiador israelense sobre a catástrofe palestina, Ilan Pappe, que está participando de um movimento por um único estado democrático na Palestina histórica.  O artigo foi publicado no dia 14/05 no site da Al Jazeera.

Setenta anos depois da criação do estado de Israel, não se pode mais falar de um conflito israelense-palestino

Por: Ilan Pappe

Os fundadores do estado de Israel eram em sua maioria pessoas que se instalaram na Palestina no começo do século 20. Provinham especialmente da Europa Oriental, inspirados pelas ideologias nacionais românticas populares em seus países, desapontados pela sua incapacidade de assimilar em seu interior novos movimentos nacionalistas e entusiasmados pelas perspectivas de um colonialismo moderno.

Alguns eram veteranos de movimentos socialistas que tinham a esperança de fundir seu nacionalismo romântico com experiências nas novas colônias. A Palestina não foi sempre sua única opção, mas se tornou a preferida quando ficou claro que ela se adaptava bem às estratégicas do Império Britânico e à visão de mundo dos Sionistas cristãos em ambos os lados do Atlântico.

Desde a Declaração Balfour de 1917 e durante o período do Mandato Britânico entre 1918 e1948, os sionistas europeias começaram a construir a infraestrutura de um futuro estado com a ajuda do Império Britânico. Sabemos também que esses fundadores do moderno estado judaico eram conscientes da presença de uma população nativa com suas próprias aspirações e visão sobre o futuro de sua pátria.

A solução para esse “problema” – do ponto de vista dos fundadores do sionismo – era de-arabizar a Palestina para abrir o caminho para o surgimento do moderno estado Judaico. Fossem socialistas, nacionalistas, religiosos ou laicos, a liderança sionista contemplava o despovoamento da Palestina desde os anos 1930.

Próximo ao final do Mandato Britânico, ficou claro para a liderança sionista que o que eles haviam imaginado como um estado democrático somente poderia existir em base a uma presença judaico absoluta em sem território.

Setenta anos de contínua limpeza étnica


Apesar de oficialmente aceitarem a Resolução 181 da ONU de 29 de novembro de 1947 que aplicava a partilha do país (sabendo que ela seria rejeitada pelos palestinos e pelo mundo árabe), eles a consideravam como desastrosa, pois previa um número quase igual de palestinos e judeus no estado judaico. O fato de que somente 54% da Palestina tinha sido outorgada ao estado judaico nessa resolução foi também considerado insatisfatório.

A resposta sionista a esses desafios foi a de começar uma operação de limpeza étnica que expulsou metade da população da Palestina e demoliu metade de suas aldeias e a maioria de suas cidades. Uma insuficiente e tardia resposta pan-árabe não pode impedir a conquista pelos sionistas de 78 por centro dos territórios palestinos.

No entanto, esse “sucesso” não resolveu o “problema palestino” para o estado de Israel recentemente fundado. À primeira vista, ele parecia administrável: a minoria palestina que permaneceu em Israel foi posta sob um brutal regime militar, ao passo que o mundo não parecia se importar ou questionar a pretensão de Israel de ser a única democracia do Oriente Médio. Além disso, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) somente foi fundada em 1964 e demorou para afetar a realidade na região.

Então, parecia que os líderes do mundo árabe, tais como Gamal Abdel Nasser, iriam vir em socorro dos palestinos. No entanto, esse momento histórico de esperança foi breve. A derrota do exército egípcio na guerra de junho de 1967 e seu sucesso parcial na guerra de outubro de 1973 diminuiu o compromisso oficial egípcio com a Palestina. Desde então, nenhum regime árabe teve um interesse genuíno no destino da Palestina, apesar do fato que ele tenha sido assumido totalmente pelas sociedades árabes.

A guerra de junho de 1967 permitiu que Israel conquistasse toda a Palestina do Mandato, mas isso somente aprofundou o dilema que estava enfrentando como um estado colonial: mais espaço traz mais população nativa.

A guerra também transformou a liderança central do estado judaico: o pragmático partido Laborista foi substituído pelos revisionistas  de direita que se preocupavam menos pela imagem externa de Israel. Ao contrário, eles estavam determinados a manter os territórios ocupados como parte do estado de Israel, ao mesmo tempo que continuavam a limpeza étnica por outros meios: por meio da transferência e do confinamento da população local em enclaves e destituindo-a de quaisquer direitos civis e humanos elementares, ao mesmo tempo em que institucionalizavam um novo marco jurídico para a minoria palestina dentro de Israel que perpetuava seus status de cidadãos de segunda categoria.

A resistência palestina na forma de duas intifadas e protestos cívicos dentro de Israel não impediu o estado judaico de estabelecer no começo deste século um estado de apartheid judaico em toda a Palestina histórica. A resistência palestina – ignorada pelos países árabes e pelo resto do mundo – evocou as brutais e bárbaras ações israelenses que desgastaram o status moral de Israel no mundo.

No entanto, a “guerra ao terror” após os ataques de 11 de Setembro e os frutos amargos da invasão anglo-americana do Iraque e da Primavera Árabe permitiram que Israel mantivesse suas alianças estratégicas com as elites políticas e econômicas no Ocidente e além dele (com a China e a Índia e inclusive com a Arábia Saudita).

Esse ambíguo status internacional ainda não prejudicou a realidade econômica de Israel. É um país de alta tecnologia, com uma economia neoliberal que se deu bem na crise de 2008, mas que possui uma das mais altas desigualdade e polarização entre membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Essa realidade socioeconômica volátil gerou um movimento popular, mas bem ineficaz em 2011. No entanto, o potencial para outra onda de protesto ainda está presente, e pode ser deflagrado se houver outro levante palestino ou uma guerra devido às atuais políticas irresponsáveis do presidente dos EUA, Donald Trump, e do Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Ambos estão fazendo o seu melhor para arrastar Israel a uma guerra com o Irã e o Hezbollah.

Da descolonização à paz


Setenta anos depois do estabelecimento do estado, Israel se destaca com um estado racista, de apartheid, cuja opressão estrutural dos palestinos se mantém como o principal obstáculo para a paz e a reconciliação.

Israel teve muito sucesso ao fundir comunidades judaicas de todo o mundo em uma nova cultura hebraica e estabelecer o mais forte exército na região. No entanto, todas essas conquistas não legitimaram o estado aos olhos de muitos ao redor do mundo.

Paradoxalmente, são somente os palestinos que poderiam dar legitimidade completa para esse estado ou aceitar como legítima a presença de milhões de colonos judeus ao buscar uma solução de um único estado.

O processo de paz imitado e orquestrado pelos EUA desde 1967 ignorou completamente a questão da legitimidade de Israel e perspectiva palestina do conflito. Esse desprezo, junto com os esforços diplomáticos que não questionaram a ideologia sionista que conforma as atitudes da maioria dos judeus israelenses são as principais razões desse fracasso.

Em 2018, não se pode mais falar de conflito árabe-israelense. Os regimes árabes estão dispostos a estabelecer relações estratégicas com Israel, apesar da objeção de seus cidadãos e, apesar de haver ainda um risco de uma guerra de Israel com o Irã, neste exato momento não parece que envolverá qualquer um dos estados árabes.

A partir de nossa posição estratégica é também inútil falar do conflito palestino-israelense. A terminologia correta para descreve o atual estado dos acontecimentos é a contínua colonização israelense da Palestina histórica, ou como os palestinos a denominam – “al-Nakba al-Mustamera” (a Nakba permanente).

Portanto, setenta anos depois, é preciso recorrer a um termo que pode parecer ultrapassado para descrever o que pode genuinamente trazer a paz e a reconciliação para Israel e a Palestina: descolonização. Como isso ocorrerá exatamente ainda está por se ver. Isso irá exigir em primeiro lugar uma posição sobre a estratégia política ou uma visão atualizada do projeto de libertação.

Essa visão será apoiada por israelenses progressistas e pela comunidade internacional, que também terão que desempenhar seu papel. Eles precisam trabalhar para a criação de uma democracia para todos do Rio Jordão até o Mediterrâneo. Baseada na restituição dos direitos negados aos palestinos nos últimos 70 anos, em particular o direito de retorno dos refugiados

Esse não é um plano para o curto prazo e irá exigir uma constante pressão sobre a sociedade israelense para renunciar aos seus privilégios e encarar a verdade de que esta é a única forma de atingir a paz e a reconciliação a um país internamente desgarrado

Sobre o autor
Ilan Pappe
Ilan Pappe is the Director of European Center of Palestine Studies at the University of Exeter.