André Freire, colunista do Esquerda Online
No dia 20 de fevereiro, os senadores da República confirmaram a decisão da Câmara dos Deputados, tomada durante a madrugada, e aprovaram, por ampla maioria de votos, o decreto presidencial de Temer, autorizando a intervenção federal e militar na área de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Com a aprovação do Congresso Nacional, se deu o início efetivo desta intervenção inédita, e só foi possível pelo processo de estreitamento das já parcas liberdades democráticas do regime político brasileiro. Processo esse que deu um salto com o golpe parlamentar do impeachment.
No primeiro mês desta intervenção militar absurda, já podemos sentir os seus efeitos mais perversos. O que não podemos sentir foi uma melhora da Segurança Pública. A maioria da população segue sofrendo com a terrível situação e a sensação de insegurança é geral.
Diante do fracasso rotundo destes primeiros trinta dias, o novo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann (PPS-PE), se apressa a falar na grande imprensa que a solução para o problema da Segurança Pública no Rio de Janeiro será de longo prazo, e que ninguém deve esperar resultados rápidos. Quer esconder “o sol com uma peneira”. Mascarar mais um fracasso do governo corrupto de Pezão e do governo ilegítimo de Temer, ambos do MDB.
A marca deste primeiro mês é deplorável, pois o que vemos é crescimento absurdo de um discurso autoritário da defesa da criminalização da pobreza, um aumento do processo de extermínio da juventude e do povo negro nas comunidades carentes cariocas. Muitas vezes praticado pela própria Polícia Militar (PM).
A ocupação pelas forças armadas da Vila Kennedy, comunidade da Zona Oeste, com requintes de crueldades contra ambulantes, os fichamentos aleatórios de moradores e detenções sem motivações reais demonstram o alvo desta intervenção militar – o povo pobre, de maioria negra, dos bairros e comunidades carentes cariocas.
As operações criminosas do 41º Batalhão da Polícia Militar (PM) contra a comunidade de Acari, com assassinatos e perseguições de inocentes, demonstram piamente que, após a intervenção militar, houve um espaço ainda maior para o recrudescimento da violência policial contra a maioria da população.
Na noite do dia 14 de março, vem à terrível e brutal execução da camarada Marielle Franco, vereadora do PSOL e “Cria”, como ela mesmo se apresentava, do Complexo de Favelas da Maré. Marielle tinha sido assessora do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), por dez anos, tendo atuação destacada no enfrentamento as milícias cariocas; Como Vereadora, acabava de assumir a relatoria da Comissão da Câmara Municipal que irá acompanhar a intervenção militar; e, dias antes de sua execução sumária, denunciou veementemente atrocidades contra a comunidade de Acari, atribuídas a soldados do 41º Batalhão da PM.
Mas, senão bastassem tantos crimes absurdos, desmando e negligência, dois dias depois da execução de Marielle, outra operação da PM acabou com a morte de três inocentes no Complexo do Alemão, comunidade do subúrbio carioca. Entre as vítimas inocentes, estava o menino Benjamin, de apenas dois anos de idade. Um escárnio contra a maioria da população carioca, que já se encontrava consternada pela execução sumária de Marielle, muito provavelmente realizada com envolvimento de setores da própria polícia.
A estes fatos absurdos e revoltantes, se somam outros. E muitos ainda virão, infelizmente. Pois essa intervenção vem demonstrando a cada dia o seu conteúdo racista e anti-povo trabalhador. Querem resolver o problema da segurança pública com mais violência. E, uma violência dirigida contra a maioria da população pobre e negra do RJ.
Porque Marielle?
Quem matou Marielle? Essa pergunta que não quer calar. Como em outros momentos perguntamos: Cadê o Amarildo? “O Estado foi cúmplice, não importa quem puxou o gatilho”, acerta em cheio o jornalista Leonardo Sakamoto.
A execução de Marielle não é um crime comum. É um assassinato dirigido a uma digníssima representante do povo negro das favelas cariocas. Uma execução com toda carga de opressão nociva, contra uma mulher, negra e bissexual. Acerta também quem vê neste processo todo o peso racista do Estado Brasileiro, que tem no seu “DNA” a terrível marca dos praticamente 300 anos de escravização do negro africano.
Mas, este assassinato é também e, sobretudo, um crime político. Contra uma parlamentar do PSOL carioca, representante do pensamento da esquerda socialista em nossa cidade, que estava se posicionando de forma categórica contra a intervenção militar da segurança pública do Rio de Janeiro e, antes dela, se destacava por combater a violência policial contra as comunidades cariocas, o crime organizado e os milicianos.
A morte dela não foi um fato isolado. É absoluta verdade que “vidas negras” são ceifadas diariamente nas comunidades cariocas e de todo o país. Aliás, este era um dos principais motivos da luta incansável de Marielle. Portanto, sua execução está intimamente ligada a sua luta em defesa do seu povo.
Querem calar a voz do povo negro das comunidades e também da esquerda socialista. Não vamos permitir. O assassinato de Marielle, que nos abalou a todos, vai ampliar a nossa resistência ao racismo, ao machismo e a homofobia, a intervenção militar, ao aprofundamento do golpe e o extermínio de nossos direitos, desferido pelo governo ilegítimo de Temer.
Vamos transformar luto em luta! E já estamos transformando. Por isso, que nesse dia 20 de março estaremos novamente nas ruas, não só do Rio de Janeiro, mas também de várias cidades brasileiras, afirmando: Marielle Vive! Só o povo trabalhador e negro, com as mulheres à frente, vai acabar com esse massacre diário. No dia 21 de março, voltaremos às ruas brasileiras, para lembrar o dia de luta contra o racismo.
O momento é de unidade. É necessária e urgente uma campanha que unifique os movimentos sociais combativos, os que lutam contra as opressões, as centrais sindicais e sindicatos, partidos de esquerda, entidades democráticas e dos direitos humanos, o movimento estudantil, entre outros setores, para exigir uma apuração rigorosa e transparente, controlada pela sociedade, sobre a execução sumária da camarada Marielle.
E, conjuntamente, levantarmos bem alto as bandeiras do fim da intervenção militar na segurança pública do RJ, defendendo as liberdades democráticas e os direitos do povo trabalhador.
Três propostas para enfrentar a crise de segurança pública
Diante da gravidade da crise da segurança pública, no Rio de Janeiro e de todo o País, a esquerda socialista precisa encarar o debate sobre as propostas que realmente enfrentem esta situação, que aterroriza diariamente a maioria do nosso povo.
Não será justamente a direita golpista, a extrema-direita, as grandes empresas e veículos de comunicação (como a TV Globo) que apresentarão uma alternativa real para melhorar a situação em que vive a maioria da população. Este é o papel da própria classe trabalhadora, dos negros e negras, das mulheres, dos LGBT´s, da juventude, de suas organizações políticas, enfim, do conjunto dos explorados e oprimidos.
Junto com a reivindicação imediata de dar fim a esta intervenção militar reacionária e absurda, devemos apresentar as nossas propostas de saída. Um programa que enfrente o problema da segurança pública pela raiz, e não com medidas paliativas e farsantes, que só visam promover de forma populista governos que são, no mínimo, cúmplices da grave situação que nos encontramos.
Qualquer saída que apresentarmos deve passar pelos seguintes pontos iniciais:
- Um verdadeiro plano de investimentos sociais, que garanta dobrar imediatamente as verbas públicas para a saúde, a educação, para a construção de moradias populares, transporte e saneamento. Não se combate a violência sem uma política que enfrente a verdadeira crise social que vivemos.
- Fim da PM. Desmilitarização da polícia militar. Por uma polícia civil e única, com controle da sociedade e dos movimentos sociais; Construir um programa de investigação inteligente contra o crime organizado e as milícias, que se apoie na auto-organização das comunidades;
- Fim da chamada guerra às drogas, que tantas mortes já geraram no mundo inteiro. Legalização e descriminalização das drogas. Sua produção e distribuição devem ficar sob o controle do Estado, para acabar com o negócio lucrativo do tráfico de drogas e poder paralelo do crime organizado.
Vamos! Sem Medo de Mudar o Brasil. Sem uma mudança efetiva na ordem social, não se resolverá a crise de segurança pública. Sabemos que estas medidas são estruturais, que inclusive devem passar por decisões no Congresso Nacional. Portanto, só uma ampla mobilização popular poderá conquistá-las. Somente um governo dos trabalhadores e do povo, apoiado nestas mobilizações, poderá garantir medidas efetivas que enfrentem a crise econômica, social e política que vivemos em nosso país.
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