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Colunas

Cinco anos sem Marielle

Gabriel Santos

Garbriel Santos é alagoano, estudante da UFRGS, militante da Resistência-PSOL (RS), vascaíno e filho de Oxóssi.

Todo militante negro lembra onde estava naquele 14 de Março. Era pra ser um dia como outro. Não foi. Era período de recepção dos calouros da Universidade Federal de Alagoas, estava terminando de escrever um panfleto quando recebi a notícia: vereadora do PSoL é assassinada no Rio de Janeiro.

Quando Marielle teve sua vida brutalmente retirada, era uma das vereadoras mais bem votadas do Rio e uma das jovens lideranças mais promissoras de seu partido.

Hoje, Marielle Franco se tornou um símbolo. É impressionante a força que a imagem e que seu nome tomaram. Seu rosto e seu nome, estampam bandeiras, faixas, cartazes, camisas, ruas, muros e são lembrados no mundo todo. Em toda luta. No Brasil, na França, no México, na Rússia. Nas periferias brasileiras, mas universidades, nos assentamentos e ocupações. Todos conhecem Marielle. Seu legado se tornou eterno. Nos gritos das mulheres sem-teto, das camponesas, dos movimentos de juventude e de todos que lutam por justiça e igualdade.

Dos mais diversos setores sociais e culturais. Dos mais diversos movimentos políticos. Das feministas, dos defensores dos direitos humanos, da luta contra o genocídio da juventude negra, da causa LGBT, dos democratas, da esquerda radical. Marielle se tornou um símbolo.

O legado político de Marielle é honrado diariamente pelas sementes que se multiplicaram. Negros e negras, mulheres, pessoas trans, que passam a ocupar lugares institucionais e defendem medidas comuns por meio da Agenda Marielle Franco.

Marielle Franco, a socialista, a feminista, a antirracista, a defensora dos direitos humanos, da causa lgbt, a favelada, a negra, a bissexual, a mãe, a filha, a irmã.

Quando Marielle foi morta, em toda grande cidade do Brasil se organizaram atos de rua em sua homenagem e pedindo Justiça. Foi a cinco anos atrás.Todos nós desabamos. Estávamos desolados.

Em Maceió o ato foi na Praça Deodoro, no centro da cidade, éramos cerca de duzentas pessoas naquele despedir da tarde do dia 15. Lembro dos abraços, colos, lágrimas, dos companheiros, amigos, e do sentimento que tomava conta do ar.

O Brasil mudava. A extrema direita crescia e, dois anos depois do Golpe contra Dilma, já era uma ameaça mais que real. As eleições que se aproximavam não seriam como as outras. O Rio de Janeiro vivia sob intervenção militar. Foi ha cinco anos.

Meia década depois os mandantes do assassinato de Marielle e Anderson permanecem desconhecidos. Meia década é tempo demais.

Em 2020 se confirmou o que todo mundo esperava, a ligação da milícia carioca com o caso. Milícias, que assim como o exército, fizeram parte do governo Bolsonaro durante os últimos quatro anos.

Bolsonaro, que foi vizinho de um dos acusados de puxar o gatilho que assinou Marielle e Anderson, Ronnie Lessa. A relação entre Lessa e Bolsonaro nunca foi investigada. Mas se sabe que Lessa teve ajuda de Bolsonaro para ser atendido em uma instituição na qual o ex-presidente é diretor. Assim como, também se sabe que a filha de Lessa, namorou o filho mais novo de Bolsonaro, Renan. Nesses cinco anos o envolvimento da família Bolsonaro no crime jamais foi levada a sério pela investigação.

A meia década atrás, e meia década é tempo demais para um caso dessa proporção ficar sem solução, o dia 14 de março é marcado pela pergunta: “quem mandou matar Marielle?”.

Essa data sempre me faz refletir. Afinal, não é um dia como os outros, ou não deveria ser. Me estranha ver cartazes que fazem dessa data um evento. Um marco no calendário. Que transformam “Justiça para Marielle”, “Quem mandou matar Marielle”, em somente mais uma agitação. Uma agitação como tantas outras que se exprime nas datas marcadas nos calendários e dias de lutas nacionais.

Meia década é tempo demais para algumas coisas, e o tempo é cruel.

No Rio, soube de um festival em homenagem a Marielle, com apoio da prefeitura e tudo. As vezes não sei bem o que pensar. Por mais que enxergue na arte como instrumento de denuncia e realização de política. E reflita também sobre como devemos mudar nossa relação com o luto e com a morte. Um festival em homenagem a Marielle nesses cinco anos sem resposta não me parece ser, por si só, o ato necessário.

Não era para ser um dia como os outros

O Ministério Público do Rio de Janeiro que enrola para investigar deveria ter sido alvo de protestos pedindo agilidade e federalização do caso. O Estado brasileiro tem o dever de encontrar as peças que faltam para solucionar o caso. “Justiça para Marielle e Anderson” é uma prioridade do novo governo Lula, e assim deve ser.

Federalizar o caso parece ser o caminho, e deve se tornar uma palavra de ordem do movimento negro, feminista, dos parlamentares de esquerda. Aparentemente, há muitas pessoas envolvidas na esfera estadual, por isso Polícia Civil e o MP-RJ trancam as investigações. A Polícia Federal tem maior alcance e acesso a informações sobre armas e munições.

Temos um governo popular, e dele devemos cobrar para que este seja o último ano que as perguntas sobre o assassinato de Marielle e pedidos de Justiça tomam conta de nossas gargantas. Não quero que o próximo 14 de Março seja um dia de dúvidas sem respostas. Não quero e não precisamos esperar até o próximo 14 de março para pedir Justiça. Não podemos deixar o calendário ditar nossa indignação.

Cinco anos é tempo demais, seis anos será tempo maior ainda.

Marielle e Anderson merecem Justiça. Lutar por Marielle é lutar contra a normalização da violência como parte da política, lutar contra o silenciamento que o racismo impõe a mortes de corpos negros. Lutar por Marielle é lutar também por centenas de ativistas de direitos humanos que têm sua vida interrompida pela violência. É lutar pela vida de camponeses que buscam a Reforma Agrária e enfrentam a violência no campo. É lutar por cada jovem negro que tomba diante do genocídio cometido pelo Estado brasileiro. É lutar para reconstruir nosso passado, pelo nosso presente, e para fazermos um futuro melhor.

Acredito que solucionar a pergunta “quem mandou matar Marielle”, responde mais do que um caso travado na justiça. Mas abre as portas para pensarmos o Brasil que queremos construir.

Até lá, diariamente, o legado de Marielle será lembrado. Como uma flor que cresce no asfalto. Apesar de nossos inimigos tentarem impedir que ela floresça, ela surgiu, cresceu e agora perfuma o seu arredor.

Federalização do caso, já!

Sem Justiça, sem Paz!!

Marielle Franco, Presente!

Até a vitória