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BRASIL

Marielle: uma homenagem e 3 questões sobre as investigações

Cresce a esperança da elucidação de um dos maiores crimes políticos da história brasileira. Mas, o momento exige mais uma vez a cobrança: Quem mandou matar Marielle e Anderson?

André Freire, da redação
Guilherme Cunha/Alerj

Marielle Franco, ativista pelos direitos humanos, em enfrentamento permanente contra o crime organizado, guerreira da defesa dos direitos democráticos e sociais do povo trabalhador, da juventude, das mulheres, dos negros e negras e da população LGBTQIA+, parlamentar socialista e uma das lideranças mais destacadas do PSOL, competaria 44 anos nesta quinta-feira, dia 27 de julho.

É impossível lembrar do dia de seu nascimento, sem lembrar de outra data, terrível, dolorosa e revoltante, o dia 14 de março de 2018, quando matadores de aluguel executaram – a sangue frio – Marielle Franco e Anderson Gomes.

O assassinato de Marielle foi o maior ataque às liberdades democráticas, ao conjunto dos explorados e oprimidos, à esquerda e aos movimentos sociais, desde a abertura do período reacionário que se instalou em nosso país, nos últimos anos. Totalmente vinculado ao racismo estrutural, ao machismo e à homofobia, características reacionárias, infelizmente, presentes na formação social do nosso país.

Depois de mais de 5 anos e 4 meses deste brutal assassinato, ainda não sabemos, especialmente, quem mandou matar Marielle e Anderson. Esta situação envergonha e desqualifica nosso país, que se revelou totalmente incapaz de desvendar o maior crime político da sua história recente.

De fato, nunca houve vontade política e empenho do Governo Bolsonaro, e também do Governo do Estado do RJ, em realmente resolver o caso. Inclusive, deve se apontar a total irresponsabilidade deste governos com o bom andamento das investigações.

Mas, a situação mudou, principalmente a partir do resultado das eleições presidenciais do ano passado. Lula, desde a campanha eleitoral do ano passado e já como Presidente da República, por mais de uma vez, afirmou que a elucidação deste crime político é uma prioridade absoluta de seu governo.

Na última segunda-feira, dia 24.7, foram anunciados novos passos da investigação, tendo à frente agora o Ministério da Justiça, principalmente através da Polícia Federal (PF). Fatos novos que podem ser realmente importantes para se resolver, de uma vez por todas, este caso. Ou seja: confirmando de fato todos os envolvidos na execução de Marielle e Anderson e, principalmente, revelando quem foram os mandantes.

O dia de hoje deve ser lembrado sempre como um momento de prestarmos mais uma justa homenagem à companheira Marielle Franco. Mas, também, ele deve ser mais uma oportunidade de renovarmos a esperança e ampliarmos a cobrança de que este caso seja totalmente resolvido, respondendo a pergunta: Quem mandou matar Marielle e Anderson?

Sobre o novo momento das investigações, existem três questões que merecem atenção:

1- O foco central deve ser em desvendar os mandantes:

O principal fato novo desta semana, sem dúvida, foi o fechamento da delação premiada do ex-PM Élcio Queiroz. Ele confirmou que realmente foi o motorista do carro de onde partiram os tiros que mataram Marielle e Anderson; que o atirador foi o também ex-PM, Ronie Lessa; e também revelou que outros dois nomes que foram peças ativas na preparação deste crime bárbaro.

O primeiro nome, é o ex-Bombeiro conhecido como Suel, Maxwell Corrêa, que ajudou no monitoramento de Marielle, na preparação do crime e na dispensa das armas e do carro usados na execução.

E, o segundo nome, é Edmilson da Silva, Sargento reformado da PM, conhecido como Macalé. Ele pode ser o elo entre Ronie Lessa e os mandamentos do assassinato. Entretanto, ele foi executado no ano de 2021, em Bangu, bairro da Zona Oeste carioca, provavelmente numa espécie de queima de arquivo.

A delação premiada de Élcio Queiroz corre em segredo de justiça, e não poderia ser diferente, para o bom andamento das investigações. Mas, é preciso reconhecer, que até o momento, os fatos noticiados e as ações realizadas, ainda não representaram um avanço significativo para se descobrir os mandantes.

Portanto, seja no avanço das investigações e até na possibilidade do fechamento de uma nova deleção premiada, envolvendo agora Ronie Lessa, deve se ter um foco central: revelar os verdadeiros mandantes. Responder a pergunta: Quem mandou matar Marielle e Anderson? Doa a quem doer.

2- Retomar as investigações sobre o depoimento do Porteiro do Vivendas da Barra:

Um dos aspectos mais obscuros desta investigação é a mudança do conteúdo do depoimento do trabalhador da Portaria do Condomínio Vivendas da Barra, onde morava Ronie Lessa e morava também, pelo menos à época do crime, o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Num primeiro momento, o Porteiro (cujo o nome não revelado pela polícia) afirmou que Élcio Queiroz, no dia do assassinato, foi ao condomínio, e pediu para informar sobre a sua chegada a casa número 58. E, seria esta casa, que teria autorizado a sua entrada no condomínio.

O fato é que a casa 58 é de propriedade de Bolsonaro. E, segundo o primeiro depoimento do Porteiro, teria sido o “seu Jair” que tinha autorizado a entrada de Élcio Queiroz. Como é de conhecimento público, depois o Porteiro mudou completamente seu depoimento, isentando Bolsonaro desta responsabilidade.

O que fez o Porteiro mudar seu depoimento? Ele foi coagido? Esta semana, foram publicadas declarações bombásticas do ex-governo Wilson Witzel, que se elegeu como aliado de Bolsonaro, mas depois rompeu com o ex-presidente e também sofreu impeachment do cargo, afirmando nitidamente que o Porteiro foi coagido a mudar seu primeiro depoimento. Apenas com as informações disponíveis e públicas, já se pode chegar a fortes evidências desta possível coação.

Por exemplo, logo depois do primeiro depoimento do Porteiro, o então Ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Sérgio Moro, abriu uma investigação específica sobre este trabalhador. Ou seja, Moro atuou de forma ágil para intimidar o Porteiro, em flagrante coação, com nítido propósito de proteger Bolsonaro.

E, também, a Procuradoria Geral da República (PGR), com Augusto Aras à frente, deu início a um processo de calúnia contra as afirmações do primeiro depoimento do Porteiro. Mais uma vez, com intuito de proteger Bolsonaro.

Depois da mudança do depoimento e posterior silêncio do Porteiro, a central de mídia do condomínio sumiu. Quem tomou posse destas gravações que poderiam ser muito úteis para evidenciar o caso? Deveria ser investigado, mas tanto Moro como Aras estavam mais interessados em proteger Bolsonaro.

(Witzel: Investigação de porteiro de Bolsonaro no caso Marielle foi coação (uol.com.br))

Buscar responder a esta lacuna das investigações, deve ser objeto também de uma firme cobrança de todos os interessados em chegarmos aos verdadeiros mandantes, doa a quem doer.

3- Apurar os erros da Polícia Civil e Governo do RJ:

E, por último, mas não menos importante: sem perder a prioridade de descobrir os verdadeiros mandantes do assassinato, é necessário elucidar também a natureza dos erros da própria investigação da polícia civil do RJ, sob a responsabilidade do Governo Estadual..

A troca, nada mais nada menos, de 5 delegados da Polícia Civil do RJ, que eram responsáveis pelo caso, sem motivos fortes e aparentes, é outro assunto obscuro de todo este processo investigativo anterior. Inclusive, pelo menos duas destas mudanças de delegados foram realizadas mesmo que em oposição frontal da família de Marielle.

É um fato que apenas em seis meses, a PF fez mais avanços nas investigações do que a polícia civil do RJ, em 5 anos. Este fato não pode ser encarado com normalidade, deve ser também objetivo de apuração.

Não é novidade no Brasil, especialmente no RJ, a infiltração do crime organizado no geral, e as milícias em particular, em instituições do Estado. Portanto, não se pode admitir que o crime organizado tenha um braço organizado dentro das instituições para impedir – ou no mínimo atrapalhar – as investigações de seus crimes.

Este fato envergonha o país, e deveria preocupar quem quer de fato combater o crime organizado e defender a democracia. Seja no Governo do Estado, seja no Governo Federal.