Dia da Visibilidade Trans: combater a opressão e lutar por direitos

Editorial 6 de outubro

No Brasil, a cada 48 horas, pelo menos uma pessoa trans é brutalmente assassinada por ser trans. Essa é a conclusão que tiramos do Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais do Brasil, feito pela ANTRA, que registrou 179 assassinatos no ano passado. Mas, essas são apenas as mortes documentadas. Sabemos que, infelizmente, a violência é mais profunda.

Várias formas de violência
Além dos crimes de ódio, que causam a morte de pelo menos uma LGBT+ por dia no Brasil, a própria sobrevivência das LGBT+ é minada de diversas formas. Muitas vezes, a pessoa LGBT+ tem que enfrentar o preconceito em casa, por parte da própria família e a vítima acaba sendo expulsa de casa, ou então foge, devido à violência. Um estudo nos EUA, por exemplo, apontou que 20 mil LGBT+ adolescentes naquele país passarão pela chamada ‘terapia de cura gay’ antes de completar 18 anos. Uma consequência disso é que, no mesmo país, a cada cinco pessoas em situação de rua, uma a duas são LGBT+, segundo estudo da National Gay and Lesbian Task Force Policy Institute.

Embora no Brasil os estudos sejam ainda mais escassos do que nos EUA, sabemos que a situação aqui é ainda pior, dado que os problemas sociais das LGBT+ são agravados pela desigualdade social e pela escassez de políticas públicas contra a LGBTfobia.

O preconceito e a violência na escola, que são parte do bullying, também é intenso. Numa pesquisa da Fundación Huésped com 498 pessoas trans da Argentina, metade destas declarou que, devido à opressão, abandonou os estudos antes dos 18 anos.

A violência na família, na escola e no mercado de trabalho, que é mais intensa para as pessoas trans, leva a que muitas mulheres trans e travestis recorram à prostituição como forma de sobrevivência. Na pesquisa da Fundación Huésped, 61% das mulheres trans e das travestis afirmaram estar na prostituição, enquanto 23% delas não estão, mas já estiveram. Quando estão inseridas no mercado de trabalho, na maioria das vezes estão em trabalhos precarizados e terceirizados, por exemplo como faxineiras ou trabalhadoras do telemarketing.

Como consequência disso tudo, estudos diversos apontam que 30 a 40% das pessoas trans vivas já tentaram cometer suicídio alguma vez. Essa realidade tem que mudar!

E o Brasil, o que faz para mudar isso?

Apesar de o Brasil ter o maior número de mortes registradas de LGBT+ por crimes de ódio anualmente e também o maior número de mortes registradas de pessoas trans, as políticas de combate à LGBTfobia são escassas e muito deficientes. As leis que preveem direitos, como uso do nome social, são muitas vezes desrespeitadas pelas instituições públicas e privadas. Embora, nas prisões, as travestis tenham direito a celas específicas para LGBT+, esse direito muitas vezes é desrespeitado, como ocorreu em 2015 com a Verônica Bolina, que se envolveu numa briga com outros presidiários e foi espancada e torturada por policiais.

Devido à influência da bancada fundamentalista, o PLC 122, que visava criminalizar a LGBTfobia, foi definitivamente arquivado. É um absurdo que, num país onde existe tanta violência LGBTfóbica, não exista uma lei específica para combater esse tipo de preconceito e para agravar os crimes de violência que tenham motivações de ódio.

Já o projeto de lei de identidade de gênero, conhecido como Lei João Nery, está parado desde 2016 e não foi sequer discutido e votado na Comissão de Direitos Humanos. Muitos outros países já aprovaram uma lei de identidade de gênero, prevendo a possibilidade de mudar o nome e o sexo no registro civil por autodeclaração. O Brasil tem que aprovar esse projeto, já.

Nem mesmo no esporte as pessoas trans estão livres de discriminação. É o caso de Tiffany, a primeira e única mulher trans jogadora de vôlei a ser oficialmente reconhecida no Brasil. Ela contempla todas as exigências do COI (Comitê Olímpico Internacional) e  da FIVB (Federação Internacional de Vôlei), que são resultado de muitas pesquisas médicas na questão trans. As alterações no corpo devido à terapia hormonal fazem com que as mulheres trans tenham a mesma performance esperada para as mulheres cis (ou seja, que não são trans).

Apesar disso, muitas pessoas, por medo e preconceito, questionam, ou não aceitam a presença de Tiffany no Vôlei Bauru. É um absurdo que, sem qualquer justificativa razoável, existam pessoas querendo retirar a única jogadora trans de vôlei oficialmente reconhecida, sendo que é extremamente rara a presença de pessoas trans nos times oficiais. Tiffany e todas as pessoas trans têm direito ao esporte.

É necessário, por fim, um projeto de combate ao preconceito dentro das escolas. Infelizmente, a bancada evangélica proibiu essa discussão em um suposto combate à “ideologia de gênero”. O mito da ideologia de gênero tem sido muito utilizado para mascarar a discriminação contra LGBT+, em especial pessoas trans. Não bastasse isso, o kit “Escola Sem Homofobia” foi vetado em 2011 pela então presidenta Dilma, devido a um acordo do PT com a bancada fundamentalista.

É preciso levar a sério o combate à LGBTfobia
A criminalização da LGBTfobia, a aprovação da Lei João Nery e uma política de debate e combate à discriminação nas escolas são um primeiro passo para mudar essa nefasta realidade. Infelizmente, nem Temer, nem o Congresso Nacional estão dispostos a dar esse passo. Pelo contrário, estão atacando os direitos mais básicos das trabalhadoras e trabalhadores, entre os quais estão a vasta maioria das LGBT+.

Em um momento como esse, de vários ataques da direita, é preciso que o povo lute contra todo retrocesso dos direitos que foram duramente conquistados. A luta contra a “reforma” da previdência e pela revogação da “reforma” dos direitos trabalhistas do governo Temer também é das LGBT+. Mas é preciso que todos os trabalhadores e trabalhadores também lutem pelas garantias mais básicas para esse setor tão marginalizado da população.

Elencamos, abaixo, algumas pautas que achamos fundamentais:

– Fora Temer e os fundamentalistas do Congresso
– Criminalização da LGBTfobia, já! e Desmilitarização da PM
– Aprovação da Lei João Nery
– Pessoas trans têm direito ao esporte! Tiffany tem direito de jogar vôlei num time feminino
– Por uma política que assegure às pessoas trans o direito à educação e à inserção no mercado de trabalho. Cotas para pessoas trans nas universidades e nos concursos públicos
– Pelo combate ao bullying escolar. Que sejam feitos debates sobre preconceito contra LGBT+ nas escolas.