Petrobras: quatro conclusões não escritas no balanço do terceiro trimestre

Agência Brasil

Por: Daniel Tomazine Teixeira, cipista da UTE Gov. Leonel Brizola e membro da Oposição Sindical Reage Petroleiro, de Duque de Caxias /RJ*
* Colaborou com o texto Pedro Augusto Nascimento, cipista da RECAP e membro da Oposição A Base Presente, de Mauá, SP

O balanço da Petrobras referente aos primeiros nove meses de 2017 revela quatro coisas importantes:

  1. O Impairment, a atualização do valor dos ativos da Petrobras que há um ano gerou prejuízo contábil de R$15,7 Bi, só foi usado para rebaixar, criando um clima de terra arrasada, justificando demissões e vendas de ativos. Neste momento, onde o valor dos ativos deveria ser reajustado para cima, a direção da Petrobras se omite;
  2. A política de preços dos combustíveis tem gerado perda de receitas, de mercado, logo favorecendo a concorrência;
  3. As áreas de gás e energia têm se mostrado um ótimo negócio, portanto, não há justificativa para a sua privatização;
  4. A amortização de dívida com a venda de ativos não se justifica. A empresa tem gerado caixa suficiente para saldar as dívidas mais caras e até mesmo aumentar o nível de investimento;

Essas conclusões devem ser avaliadas em conjunto, pois uma influencia a outra. Mas, para começo de análise, teremos que olhar uma a uma separadamente, nesse primeiro momento.

1- O teste de Recuperabilidade de Ativos, ou impairment, é regido pela deliberação CVM 639/2010. Em seu artigo 119, trata da reversão dos efeitos do teste de recuperabilidade, sempre que as premissas que o inspiraram sofram alguma reversão. No caso da Petrobras, o principal fator que impulsionou o teste de impairment foi o preço do petróleo na modalidade Brent.

No ano de 2016, no mesmo balanço do terceiro trimestre, a diretoria da empresa lançou mão de um prejuízo bilionário (R$15,7 bilhões em revisão de ativos). Na época, reportou uma queda de 25% no valor do Brent, que saía de U$ 53,39 para U$ 41,77. Já a cotação do Dólar, sofria uma valorização de 12% na média, elevando-se de R$ 3,17 para R$ 3,55. Assim, justificava que o valor das reservas reduzia drasticamente com a queda do barril e que sua dívida aumentava significativamente com a desvalorização do real frente ao dólar.

Neste ano, houve uma reversão das mesmas premissas. O Brent se valorizou em 24% (de U$41,77 para U$51,90). Já o Dólar, desvalorizou 10% (dos R$3,55 para R$3,17). Ora, fica claro, então, que se no balanço do terceiro trimestre de 2016, a justificativa para o prejuízo bilionário tinha sido a variação do Brent e do dólar, então no balanço do terceiro trimestre de 2017, seria esperado que a gestão de Pedro Parente aplicasse os preceitos do teste de impairment e revertesse quase a totalidade do prejuízo.

Brent: 2016 desvalorizou 25% / 2017 valorizou 24%

Dólar: 2016 valorizou 12% / 2017 desvalorizou 10%

Mas, no discurso do diretor financeiro, Ivan Monteiro, a valorização do Brent e a reversão do teste de recuperabilidade não é mencionada, e a desvalorização do dólar provoca um fenômeno oposto. Agora, ele ter caído passou a ser ruim, pois teria diminuído os lucros ganhos com o aumento do preço do barril de petróleo. Ora diretor, o dólar alto ajuda, ou atrapalha a companhia?

2- Na mesma entrevista, o diretor Monteiro afirma ter perdido market share, isto é, a Petrobras ocupa um espaço menor no mercado de derivados de petróleo no Brasil. Isto quer dizer que as outras empresas que atuam no país, inclusive as que só importam petróleo e derivados, estão ganhando espaço. A companhia vendeu 6% a menos no mercado interno em comparação ao mesmo período de 2016.

Por que a empresa está perdendo mercado? Por um acaso ela produz com custos que a impedem de ter preços mais competitivos? Por um acaso suas plataformas e refinarias estão sobrecarregadas, não tendo como expandir a produção no curto prazo? Não. A verdade é outra. A taxa de utilização das refinarias caiu de 83% para 77%. Isso resultou num lucro bruto 48% inferior ao de 2016. Além disso, o custo de refino aumentou, uma vez que o capital imobilizado está sendo subutilizado. O lucro líquido na área de Abastecimento reduziu dos 10% nos nove meses de 2016, para somente 6,39% nos nove meses de 2017.

A conta é simples: se existe demanda interna por derivados e nossas refinarias estão sendo subutilizadas, a elaboração dos preços deve levar em conta que a Petrobras tem tudo para ocupar esse espaço. Bastaria fornecer seus derivados com um preço ligeiramente inferior aos importados. No entanto, a política da empresa tem sido o oposto, de elevar os preços, para se equiparar ao mercado internacional, permitindo que as importações de combustíveis aumentem drasticamente. O resultado foi este, a Petrobras ocupa um espaço cada vez menor no mercado nacional de combustíveis e derivados de petróleo, mesmo tendo condições de produzir quase toda a demanda nacional.

3- Uma das áreas que mais sofreu com o desinvestimento, isto é, privatização, foi a de Gás e Energia. Casos da venda da Gaspetro, da NTS e da TAG. Essas últimas, resultando em um aumento de custo operacional da Transpetro enorme, uma vez que a Petrobras passa a ter que pagar a um terceiro para transportar seu gás natural e óleo, ao invés de pagar para uma companhia sua.

Esse aumento dos custos não é compensado por uma amortização da dívida equivalente e, ou superior. Isto é, a Petrobras não conseguiu provar que irá eliminar juros o suficiente que justifiquem as perdas de receitas.

Para piorar a coisa no lado do discurso pró-privatização, o balanço demonstra que o setor de Gás e Energia atingiu um lucro líquido de 24%, o triplo do maltratado setor de refino. Teve um crescimento de 18% em comparação ao ano anterior, ou seja, um salto de quase 300% no lucro líquido do setor. Um crescimento equivalente à área de Exploração e Produção, que reverteu o prejuízo de quase 2% para um lucro de 16%.

O salto se deve à melhor remuneração da energia elétrica – a Petrobráa é uma das maiores produtoras de energia no Brasil – e à redução na importação de Gás Natural e de GNL, com o aumento da produção nacional.

O País sofre ano a pós ano com chuvas abaixo da média histórica. Só não entramos em um colapso energético porque a economia brasileira retraiu mais de 7% entre 2015 e 2017. A geração termoelétrica tem se tornado vital e irá expandir, assim que a economia brasileira voltar a crescer. A maioria das térmicas queimam Gás Natural. A Petrobras possui as maiores reservas dessa riqueza. Portanto, o setor de Gás e Energia não só é lucrativo e se manterá assim nos próximos anos, como é estratégico para o desenvolvimento econômico e soberania nacional.

Esta situação do Gás e Energia poderia se dar com a área de Abastecimento, de bioderivados, ou de polímeros, por exemplo. Isto porque estão no final da cadeia produtiva dos hidrocarbonetos, ou, no caso das biorefinarias, utilizam-se de outra matéria prima para fornecer mercadorias iguais e, ou similares.

Se a venda das transportadoras de gás e óleo é um equívoco por reduzir as margens de lucro na produção e abastecimento, bem como reduzindo autonomia logística, a venda de áreas como as fábricas de fertilizantes (FAFEN’s), SUAPE, BRASKEM, LIQUIGÁS, BR Distribuidora, entre outras, incorrem num erro ainda maior, pois ocorre na etapa final do processo de valoração do capital investido na produção dos hidrocarbonetos.

Isto é, de forma didática: vender a NTS e a TAG não se justifica porque o valor arrecadado com sua venda não pagará nenhuma dívida que comprometa a sobrevivência da empresa no longo prazo, a ponto de justificar a venda de um ativo estratégico (sem escoamento de óleo e gás, os poços param) e que permitem aumentar as margens ao controlar essa etapa entre produção e refino. A venda de SUAPE, FAFEN, GASPETRO, LIQUIGÁS, BRASKEM, BR, termoelétricas, por exemplo, não encontram justificativa econômica uma vez que agregam valor, atuam em mercados distintos e são menos expostos à variação internacional do comércio de commodities.

Enquanto a exportação de petróleo cru fornece receitas altas, com baixo investimento de capital fixo, este é volátil e depende dos ânimos do mercado em relação a um único produto. Já a atuação no mercado de derivados, quanto mais verticalizada  – famosa frase, “do poço ao posto” -, menos exposta estará às variações de um único nicho de mercado. Assim, as eventuais perdas em um setor de negócios serão compensadas pelos ganhos em outro.

Como se isso não bastasse, mesmo a extração de petróleo tem sido negligenciada pela atual política da Petrobrás de duas formas:

a) redução dos investimentos em novas descobertas, o que tem diminuído ano a ano as reservas provadas da Petrobras desde 2014;

b) participação temerária nos leilões de concessão e de partilha. Para citar somente um exemplo, a Petrobras vendeu, em 2016, a preço irrisório a sua participação no Campo de Carcará, e entregou o Norte de Carcará, campo vizinho ao que ela havia vendido e um dos mais cobiçados do pré-sal, de mãos beijadas para a norueguesa Statoil na 2a Rodada de Partilha.

Ou seja, além da política atual deixar a Petrobras mais exposta às flutuações do preço internacional do petróleo, é imediatista e não se preocupa com o portfólio que a Petrobras terá para produção de petróleo e gás no futuro.

Gás e energia: 24% de lucro líquido sobre receita vs 6,21% (2016)

Abastecimento: 6,39% de lucro líquido sobre receita vs 10,64% (2016)

E&P: 16% de lucro líquido sobre receita vs prejuízo de 1,77% (2016)

Obs.: dados do terceiro trimestre de 2017 comparados ao mesmo período de 2016.

4- O argumento central da gestão temerária de Pedro Parente parte do pressuposto de que a Petrobras se encontra muito endividada e que, para conseguir voltar a investir no pré-sal, terá que vender ativos para reduzir drasticamente o seu nível de alavancagem.

Em primeiro lugar, o endividamento líquido da Petrobras caiu 5,4% entre o 2o e o 3º trimestres, de R$ 295,3 Bilhões para R$ 279,3 Bilhões, sem que houvesse a entrada de nenhum real da venda de ativos. Ou seja, a redução deveu-se exclusivamente às amortizações realizadas com o caixa que já havia, além da depreciação do dólar. 

Por vencimento                                                         


2017

2017 
8.927

2016   
31.796

Diferença (%)
(72)

2018

21.591

36.557

(41)

2019

38.912

68.112

(43)

2020

36.069

53.165

(32)

2021

41.172

61.198

(33)

2022 anos em diante

211.953

134.161

58

Total

358.624

384.989

(7)

Como podemos ver na tabela acima, o grosso da dívida da Petrobras está concentrada no período de 2022 em diante, que aumentou em 58%, ainda que o endividamento total da empresa tenha reduzido em 7%. Pedro Parente, e sua diretoria, está levando à nossa empresa uma dívida muito maior para o futuro. E o faz, reduzindo a capacidade de pagamento, uma vez que vende ativos rentáveis e outros com potencial de rentabilidade enorme, além de aumentar os custos de produção, com a venda de dutos.

Assim, a companhia poderia ter feito a opção por reduzir os seus lucros para pagar as dívidas com maiores custos financeiros, ao invés de se desfazer de patrimônio. Sim, a empresa tem apresentado um fluxo de caixa livre positivo a dez trimestres seguidos. Isto é, 30 meses de caixa positivo. Todos os prejuízos anunciados até aqui foram provenientes de impairment. Ou seja, não houve perda real.

Como já demonstramos no ponto 1, se a empresa tivesse aplicado o dispositivo legal de reversão do teste de impairment, o lucro anunciado neste terceiro trimestre teria sido superior aos R$ 10 bilhões. Logo, parte desse fluxo de caixa poderia ter sido utilizado para quitar as maiores dívidas no presente, permitindo que, num cenário de melhora da economia brasileira e mundial, com os preços do petróleo Brent se elevando, fossem justificados maiores investimentos em Produção de petróleo cru, e sua exportação.

Também já vimos que a baixa utilização das refinarias e a política de preços de derivados tem levado a perda de mercado. Só o lucro líquido do Abastecimento foi de R$ 7 bilhões a menos que no mesmo período de 2016, quando a economia brasileira estava em plena retração, ao contrário deste ano, em que teve um aumento inferior a 1% e com os preços dos combustíveis mais altos.

O fluxo de caixa positivo também demonstra que seria perfeitamente possível que a Petrobras mantivesse um nível de investimento superior ao atual, que caiu 19% em comparação com o mesmo período de 2016. A redução dos investimentos da Petrobrás tem provocado forte impacto na retração da economia do país, gerando aumento do desemprego e diminuição da capacidade da empresa de gerar riqueza no futuro. Isso sem contar que a política de desinvestimento também tem reduzido a qualidade da manutenção dos equipamentos e aumentado a depreciação.

Em nome de uma redução de endividamento num prazo excessivamente curto, a Petrobras mantém paralisadas as obras do segundo trem da RNEST, do COMPERJ, além da FAFEN Três Lagoas e se nega a investir o suficiente para tornar lucrativa a Petroquímica de Suape. Para citar somente um exemplo, a não-conclusão da obra do COMPERJ faz com que a Petrobras desconte todo o trimestre a depreciação e o impairment desse ativo, que está parado com mais de 80% das obras concluídas, enquanto o complexo já poderia estar operando e dando lucro.

Conclusões

A política aplicada na Petrobrás atualmente pelo governo Temer, sob a gestão de Pedro Parente, é calcada em ideias falsas, é lesiva ao futuro da própria Petrobrás, e consequentemente lesiva aos petroleiros e à sociedade em geral. Parece muito mais com uma política de sabotagem, pois privilegia a concorrência e o capital financeiro, na medida em que diminui voluntariamente o próprio mercado, deprecia o próprio patrimônio, diminui a capacidade de gerar riquezas futuras através da venda dessas fontes de riqueza, e antecipa o pagamentos de juros de forma exagerada, sem auditar essa dívida em nenhum momento.

Este cenário se reflete na Petrobrás e em sua relação com os trabalhadores petroleiros, próprios e terceirizados. Já são mais de 200 mil petroleiros terceirizados que perderam os seus empregos nos últimos 3 anos, especialmente desde a paralisação das obras provocada pela Operação Lava Jato e pela política de desinvestimento. Os que ficaram viram-se obrigados a aceitar salários menores e relações de trabalho mais precárias e inseguras, devido às reduções dos valores dos contratos exigidos pela Petrobrás.

Aos petroleiros próprios, a diretoria de Pedro Parente tenta impor um Acordo Coletivo de Trabalho com redução de direitos e remuneração. Nada justifica. Como vimos, a companhia reportou lucro, mesmo cometendo erros estratégicos ao perder mercado no refino e distribuição, e reduzir margens com as vendas de ativos. Vimos também, que se ela fosse rigorosa com a contabilidade, teria aplicado a reversão do teste de impairment, revertendo a maior parte do prejuízo de 15 R$ Bilhões no mesmo período do ano de 2016.

Além disso, seu balanço demonstra que a empresa já reduziu os custos com mão de obra em aproximadamente 27%, só considerando salários, encargos e férias, o que por outro lado tem exposto os petroleiros a condições cada vez mais inseguras de trabalho e o meio ambiente e os equipamentos ao risco de degradação.

Para dar somente um exemplo, recentemente, no dia 1 de novembro, tivemos a parada de emergência da maior refinaria do país, a REPLAN, onde foi enviado para a atmosfera uma mistura tóxica e explosiva de catalisador e hidrocarboneto de petróleo em alta temperatura, o que poderia ter resultado numa tragédia para os trabalhadores e para a comunidade ao redor. Foi a terceira parada dessa mesma planta num intervalo de um mês, o que certamente foi influenciado pelo corte de investimento em manutenção, além da redução do efetivo. Esse mesmo cenário se repete pelas demais unidades da Petrobrás.

É evidente que o objetivo dessa redução de salários e direitos é aumentar ainda mais a quantidade e a velocidade da transferência de capital para o mercado financeiro , além de tornar as unidades da Petrobrás mais atrativas para aqueles que pretendem comprar os ativos.

Salários, férias,
encargos

2017
R$ 5.240 Milhões

2016                          DIFERENÇA
R$ 7.159 Milhões   R$ 1.919 Milhões /26,8%

Tudo isso ocorre com as novas regras trabalhistas já em vigor, após o governo de Michel Temer ter sobrevivido a duas denúncias de corrupção formalizadas pela PGR.

Os holofotes se voltam também para as nossas aposentadorias, com a tentativa da Petrobrás de inviabilizar o Plano Petros 1 (PPSP).

Por isso, é de fundamental importância que a luta dos petroleiros contra o desmonte da Petrobrás e em defesa dos seus direitos ganhe a adesão do conjunto do movimento popular e sindical. A pauta em defesa de uma Petrobrás 100% Estatal, pública e a serviço do desenvolvimento do país e da soberania energética tem tudo a ver com a luta pela revogação da Reforma Trabalhista e da Lei da Terceirização, e contra a Reforma da Previdência.

Todas essas batalhas encontram um inimigo comum: o mercado financeiro e a sua sede de lucros, as multinacionais do petróleo, representadas por Michel Temer, Henrique Meireles e a sua corrupta base de sustentação no Congresso de Rodrigo Maia, e por Pedro Parente na Petrobrás. Tudo isso, sob o olhar complacente do Poder Judiciário, e contando com a desinformação da grande mídia.

Referências:
O índice de alavancagem proposto pela Petrobras é um embuste
Existe alternativa para reduzir a dívida da Petrobras sem vender seus ativos

Dados:
Investidor Petrobras