Por: Diego Correia, do Rio de Janeiro, RJ
Vivemos tempos de ataques históricos aos nossos direitos, incluindo o desmonte de diversos serviços públicos. A educação pública, por exemplo, passa por um dos momentos mais críticos das últimas décadas, afetando milhões de estudantes secundaristas e universitários em todo o Brasil. O movimento estudantil tem um papel muito importante a cumprir na resistência e na luta por direitos a uma educação pública, gratuita e de qualidade. Porém, para isso, precisamos debater qual política mais adequada devemos adotar para enfrentar os ataques que estamos sofrendo. É preciso entender profundamente a realidade em que estamos, saindo da superficialidade política e pensar propostas concretas para uma alternativa. Este texto é um esboço que visa contribuir com essas questões.
Como chegamos até aqui?
Para sabermos a motivação dos grandes ataques sofridos, precisamos conhecer profundamente seus mecanismos e justificativas de sua aplicação. Nesse sentido, um argumento amplamente utilizado pelo governo de Temer e seus aliados é o “desequilíbrio fiscal”. Ou seja, gasta-se muito mais do que se arrecada. Esta “farra fiscal” exigiria um remédio amargo, mas que seria para o bem da nação: o ajuste fiscal. Em outras palavras, um severo aperto de cinto nos gastos públicos. Basicamente todas as grandes contrarreformas que já foram aprovadas nos últimos meses ou que estão para ser votadas, como a contrarreforma da Previdência, tem esta justificativa. Todas representam ataques históricos, um retrocesso de décadas de conquistas de trabalhadoras(es). Neste texto, vou focar em uma em especial, que acredito ser uma das peças chaves para entendermos como chegamos até aqui: a Emenda Constitucional 95/2017 (EC 95/2017), conhecida também como o “Novo Regime Fiscal”.
A primeira coisa a chamar a atenção nesta Emenda é que nenhuma política de austeridade contemporânea mundial foi tão severa como esta adotada no Brasil. Para se ter dimensão, a política de ajuste fiscal realizada nos últimos anos na Grécia, que levou o país a um desastre humanitário, não foi tão agressiva quanto a adotada pelo governo brasileiro.
Mas, afinal, o que é o “Novo Regime Fiscal”?
De forma resumida, a EC 95/2017 proíbe qualquer aumento real no orçamento do Governo Federal destinado a investimentos em políticas e serviços públicos durante 20 anos. O aumento orçamentário seria congelado, só havendo reajuste com base na inflação do ano antecessor. Ou seja, durante duas décadas, o orçamento para saúde, educação, seguridade social e um longo etc, seria o mesmo. Mesmo que a economia cresça durante estas duas décadas, ou pelo menos, em parte deste período, não haverá aumento real no investimento estatal nos serviços e setores públicos mais básicos.
Incrivelmente, o maior gasto público federal ficou de fora deste novo regime: o pagamento da dívida pública, que inclui juros, amortizações e rolagem da mesma. Segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, o Andes-SN, o orçamento da União destinado ao pagamento da dívida pública foi de 43,94%, em 2016. É no mínimo contraditório que o discurso de “responsabilidade fiscal” do Governo Federal exclua do ajuste sua principal despesa. Isso sem falar nos últimos perdões de dívidas bilionários a latifundiários ruralistas e à compra de votos escandalosa para afastar a denúncia de Temer por corrupção.
Mesmo com claros indícios de fraudes, ilegalidades, contratos feitos a taxas de juros flutuantes, entre outras aberrações, não há nenhuma proposta do governo pela realização de uma auditoria pública. Apenas um dos incontáveis exemplos verificados pela CPI da Dívida mostra que, a partir de 1979 (não por acaso, período de ditadura militar), as taxas de juros de empréstimos de Estados Unidos e Inglaterra subiram de 6%, para 20,5% anuais. Caso os juros originais se mantivessem, a dívida não só seria totalmente quitada, mas também o Brasil ainda teria valores a serem ressarcidos. Esse e diversos outros casos citados pela CPI da Dívida e pelo movimento Auditoria Cidadã da Dívida mostram que os mecanismos que geraram a atual dívida brasileira foram feitos para que ela nunca seja completamente paga. Se tornou uma transfusão direta de uma massa gigante de recursos dos cofres públicos para os bolsos de banqueiros e rentistas.
Outra questão completamente ignorada pelo governo Temer é o crescimento vegetativo populacional (ou seja, a diferença entre o número de nascimentos e mortes). Analisando os dados de projeção do IBGE, observamos que nos próximos 10 anos, o crescimento populacional será de 6%, cerca de 12 milhões de pessoas. Isso significa que os investimentos em educação, saúde, entre outros serviços públicos deveriam aumentar proporcionalmente ao crescimento populacional, para no mínimo manter os padrões atuais, caso que não será possível com o “Novo Regime Fiscal”, já que não há aumento real orçamentário. Se levarmos em consideração a projeção, também realizada pelo IBGE, do aumento do número de idosos nos próximos anos, a manutenção do atual regime fiscal acarretará em quedas severas de investimento na Previdência Social, e seu consequente colapso. Ou seja, a EC 95/2017 representa uma redução drástica no orçamento destinado aos mais básicos serviços públicos.
Segundo estudo do ANDES-SN, caso o “Novo Regime Fiscal” entrasse em vigor em 2001, até o ano de 2015 deixariam de ser investidos na educação pública R$268,8 bilhões, uma redução de quase 47% do total que foi investido.
Um debate necessário no movimento estudantil: qual nossa proposta política?
Da breve explicação anterior, não é difícil observar que estamos diante do colapso dos mais básicos serviços oferecidos pelo Estado, incluindo a educação pública e gratuita. Esta é uma questão central para entendermos o que já está acontecendo nos dias de hoje. Diversas universidades federais, das quais já sofreram cortes bilionários nos últimos anos, estão decretando não possuírem recursos mínimos para encerrar o ano letivo. A situação com o regime fiscal em vigência conseguirá aprofundar o estado de calamidade de diversos institutos de ensino superior.
A falência das mais diversas instituições estatais pelos ataques já mencionados já está sendo utilizada por diversos setores (como o MBL por exemplo) para justificar privatizações ou cobranças de mensalidades. Junto a isso, uma série de projetos obscurantistas como o “Escola Sem Partido” ganham peso relativo na população, ainda que minoritário, porém muito preocupante, além de outros que já foram aprovados nacionalmente como a contrarreforma do Ensino Médio.
Em meio a ataques colossais e à possibilidade de um futuro sombrio, o movimento estudantil tem que resgatar sua história de protagonismo nas lutas e resistências. É urgente que seja um propulsor para mobilizações dos outros setores da classe trabalhadora. Para tanto, além de romper com os muros das universidades e escolas, o diálogo terá que ser o mais amplo possível com as diversas categorias de trabalhadoras(es). E mais do que isso, teremos que superar a superficialidade política e a fragmentação atualmente existentes para a mais ampla unidade de ação: precisamos de uma política imediata e concreta para iniciarmos a contraofensiva. E particularmente, estou convencido de que nossa política central deva ser pela imediata revogação do “Novo Regime Fiscal”, uma auditoria da dívida pública, seu não pagamento e a taxação progressiva de renda e bens.
Sem dúvida, para que essa política seja vitoriosa e derrote o governo e suas reformas, precisaremos de uma organização e mobilização históricas da classe trabalhadora. Teremos de ser incansáveis em conversas, panfletagens e outras ações com cada estudante, trabalhadora, trabalhador, em centros acadêmicos, DCEs, bairros, associação de moradores, sindicatos, locais de trabalho, etc sobre o que representa este novo regime fiscal, como isso impactará em nossas vidas e como podemos derrotá-la. Precisamos organizar comitês de base, com a mais ampla democracia que estejam à serviço dessa luta, organizar atividades de propaganda e mobilização pelos mais diversos espaços de atuação. Esta pauta tem um grande potencial unificador, pois o conjunto da classe trabalhadora será frontalmente afetada. É necessário urgência na organização e nacionalização desta luta e o movimento estudantil terá um papel decisivo.
*O texto reflete a opinião do autor e, não necessariamente, a linha editorial do Esquerda Online
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