Por: Marcio Musse, de Londres, Inglaterra, para o Esquerda Online
No último sábado, Londres viu mais uma grande manifestação, com dezenas de milhares nas ruas e a Praça do Parlamento, Parliament Square, completamente lotada. “Basta de austeridade!”, também “Nem mais um dia para May” e a “Jeremy Corbyn Primeiro Ministro” eram as palavras de ordem que sintetizavam o sentimento de todos presentes.
O ato saiu da sede da BBC e foi ganhando volume, até chegar na Parliament Square. A composição era bastante variada: muitos jovens, trabalhadores de várias categorias e seus sindicatos e membros de comunidades e minorias. As palavras de ordem expressas nos cartazes e nas gargantas eram bastante politizadas: fim dos cortes, denúncia de May e seu acordo com o DUP, os pontos presentes no manifesto e o chamado a um governo Jeremy Corbyn. Tudo isso apresentado de forma bastante divertida e bem-humorada, com direito até a “bloco carnavalesco” concentrado em frente à Downing Street, residência oficial da Primeira Ministra.
Ao final, intervenções de sindicatos e organizações políticas, como a do PCS, sindicato ligado ao Serviço público, chamavam uma greve geral no serviço público em todo o país. O ato encerrou com uma intervenção de Corbyn, que foi ovacionado pelos participantes com o slogan que ficou amplamente conhecido após o Festival de Glanstonbury, uma semana antes: “Oh, Jeremy Corbyn”.
Resultado eleitoral aprofundou a crise política
O ato, convocado por organizações de esquerda, sindicatos e outros movimentos sociais, terminou com um discurso de Jeremy Corbyn e colocou mais lenha na fogueira da crise política em que hoje vive a Grã Bretanha.
Cabe lembrar que o sistema político no Reino Unido é parlamentarista. Logo, a antecipação de eleições e deposição de governos politicamente fracos não significa necessariamente qualquer ruptura institucional. A constatação de que May não tem legitimidade, governa sob uma maioria artificial e, mesmo assim, insiste em aplicar seu projeto, exige novas eleições.
Theresa May e seu Partido Conservador sofreram uma duríssima derrota nas Eleições Gerais do início de junho. Contrariando suas expectativas de aumentar consideravelmente sua maioria parlamentar, os Tories (Conservadores) perderam vários assentos – muitos deles para o Partido Trabalhista (Labour Party) – e não conseguiram sequer chegar à maioria absoluta de cadeiras. Tal resultado os obrigou a uma coligação com o ultra-reacionário DUP, oriundo de grupos para-militares da Irlanda do Norte. Como parte do “acordo”, tiveram de destinar cerca de 1.5 bilhão de libras a projetos daquele partido. Isso se choca com o discurso de “austeridade” pós eleitoral de Theresa May, ampliando ainda mais seu desgaste.
Corbyn, por sua vez, vem de uma dinâmica totalmente oposta. Sua chegada à liderança do LP se deu contra toda a estrutura tradicional do partido, adaptada ao modelo político e aplicando políticas de austeridade, não muito diferentes dos Tories. Sua recente campanha empolgou cada vez mais trabalhadores, jovens e comunidades.
Seu manifesto, o programa de campanha, trazia pontos bastante progressivos. Mesmo não chegando a ser um programa socialista, coloca em xeque elementos centrais dos planos de austeridade e do atual modelo econômico britânico.
Hoje, semanas após as eleições, várias pesquisas indicam que sua popularidade continua crescendo e já contaria com a maioria absoluta das intenções de votos no país. Além disso, vale ressaltar, existe uma total unidade da esquerda socialista e movimentos sociais na campanha.
A saída Corbyn
Corbyn não é um líder carismático, ou um grande orador. Não é sua personalidade que aglutina tantas pessoas e movimentos sociais, mas sim seu perfil e programa. A figura de Corbyn representa para os trabalhadores a negação de alternativas de “esquerda” adaptadas, baseadas na conciliação e aplicando os mesmos projetos de “austeridade” que cortam dos trabalhadores e dos mais pobres para engordar os bancos e os mais ricos. Representa, enfim, uma saída pela esquerda, o enfrentamento com os governos neoliberais e a denúncia do populismo de extrema-direita que tenta ocupar esse espaço “anti-establishment”. Exatamente por isso ele conquistou esse espaço, que ainda cresce a cada dia num dos centros do capitalismo mundial.
Hoje, sem dúvida, defender um governo dos trabalhadores na Grã Bretanha, passa pela campanha de Corbyn para Primeiro Ministro. Um governo sem alianças com os Conservadores e seus agentes, e sem os tradicionais Blairistas, a direita do Labour Party. Enfim, um governo que seja capaz de implementar os pontos contidos no Manifesto, apoiado na mesma base que impulsiona sua campanha: os trabalhadores, a juventude e os movimentos sociais. Claro, somente com a pressão das ruas, greves e lutas sociais será possível levar essa situação até a vitória completa.
Fator Trump
O presidente dos EUA, Donald Trump, tinha visita oficial a Londres prevista para este período do ano. Desde sua posse e do deslocamento político de Theresa May em sua direção, o bloco Trump-May era uma promessa de uma reedição ainda mais reacionária da dobradinha Reagan-Thatcher. Porém, o enfraquecimento deste campo em eleições como a da França, as dificuldades de Trump e, obviamente, a crise de May, inviabilizaram esse projeto.
A visita prevista até agora não se confirmou. A Rainha, em uma divulgação oficial de visitas de chefes de estado, não o citou. Afinal, tudo que nenhum deles precisa neste momento é de outra mega manifestação de repúdio que repercutirá no mundo inteiro.
Porém, corre o boato que Trump poderia fazer uma “visita relâmpago”, de surpresa, durante sua participação na reunião do G20 na Alemanha. Seria uma manobra ridícula para tentar se esconder de protestos, como a fala “surpresa” de Temer na cerimônia de encerramento das Olimpíadas no Rio. Mas, os movimentos sociais e organizações de esquerda estão atentos e, caso o presidente racista e xenófobo resolva aparecer, sua visita não passará despercebida.
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