Por: Rodrigo Bocão, de São Paulo, SP
O 6º congresso do PT aconteceu nos dias 1, 2 e 3 de junho, em Brasília. Foi o primeiro congresso do Partido dos Trabalhadores depois da derrota do golpe parlamentar que afastou Dilma Roussef (PT) da Presidência da República, após a derrota na campanha eleitoral de 2016 e dos escândalos de corrupção que decapitaram a maior parte dos quadros históricos do PT.
Não foram poucos os rumores sobre uma eventual ruptura do partido. As principais expectativas nos debates e resoluções eram o balanço das administrações Lula e Dilma, a política do PT para a conjuntura atual de crise e a possibilidade de derrubada do governo Temer.
O crescimento de Lula nas pesquisas e a diminuição das tensões internas
O impeachment de Dilma Roussef e a derrota eleitoral nas eleições municipais de 2016 abriram forte tensão interna no PT. A pressão da possibilidade de perda dos aparatos parlamentares, a diminuição do número de filiados e de diretórios municipais e a desmoralização causada pelo golpe abriram possibilidades de deserções internas. O início do congresso do partido, ainda em 2016, foi marcado por essa tensão.
A interrupção da experiência em curso da vanguarda dos trabalhadores e da juventude com o lulismo, uma das contradições do golpe parlamentar, somada aos efeitos do governo Temer e ao projeto da burguesia de acelerar os ataques a direitos históricos da classe trabalhadora e da juventude, geraram, contraditoriamente, em setores da vanguarda, um fortalecimento do lulismo e dos seus satélites políticos.
Esse processo começou a se irradiar para um setor de massas, na medida em que a experiência com Temer avançou e a memória dos anos de crescimento econômico no governo Lula ainda é muito presente. Isso explica a liderança de Lula nas pesquisas e a disputa que estamos enfrentando com o lulismo pelo melhor do ativismo que surge nas lutas.
Somado a isso, a conjuntura de resistência da classe trabalhadora e da juventude com a greve geral de 28 de abril abre um novo cenário no movimento de massas. Fato inédito para toda uma geração de ativistas. Depois de 13 anos de domesticação do movimento social petista aos governos de Lula e Dilma, a burocracia cutista passou para o lugar de oposição no governo Temer. Não foi o PT quem rompeu com a burguesia, foi a burguesia quem rompeu com o PT. O ataque desferido contra a classe trabalhadora, contra as burocracias sindicais e contra a cúpula petista foi tão grande, que mudou completamente o papel das centrais sindicais no Brasil, até mesmo as mais ligadas à direita tradicional, como a Força Sindical. A CUT relocalizou-se e cumpriu um papel nas mobilizações dos dias 15 de março, 31 de março e na greve geral do dia 28 de abril, como não fazia desde a passeata dos cem mil, em 1999, contra o governo FHC.
A postura em Brasília e principalmente a hesitação em marcar um novo dia de greve geral não deixam dúvidas sobre os limites deste giro da burocracia cutista. Mas os limites da reorganização brasileira também pesam sobre a percepção da vanguarda e especialmente das massas em relação aos vacilos das direções tradicionais.
Assim, esse cenário político fortaleceu as tendências centrípetas em torno à figura de Lula e exerceu uma pressão sobre a ala esquerda do partido. Apesar da expressiva votação do candidato de oposição, Lindbergh Farias (38%), todas as resoluções políticas, de balanço e de estratégia foram votadas por unanimidade. Ocorreram ainda situações inusitadas, ou não, como a corrente O Trabalho ter apoiado a chapa da CNB, antiga articulação, com defesa conjunta de tese.
O 6º Congresso do PT aumentou a dependência do futuro do PT do destino político de sua principal liderança, Lula. A unidade interna expressa no congresso está alicerçada na sua figura, nos balanços dos governos do PT, que são defendidos por todas as correntes.
Sobre uma aparência de força está ai a grande fraqueza do congresso. O PT está refém, mais do que nunca, de Lula. O grande problema é que a hipótese mais provável é que Lula seja condenado por Moro entre os meses de junho e julho. A sentença de condenação do TRF da quarta região, em segunda instância, segue sendo a hipótese mais provável. Isso impediria a candidatura de Lula. Além disso, o Lula de 2018 não será o mesmo de 2002. Embora tenha recuperado índices de popularidade, é também o candidato com maior rejeição em todos os cenários políticos.
A aparência de estabilidade não muda o cenário potencial de crise do PT. O mais provável é que tenha ocorrido o adiamento de um processo de crise inevitável.
A falta do balanço dos erros dos governos de Lula e Dilma
O grande tema ausente nos debates foi um sério balanço dos governos de Lula e Dilma Roussef. Embora as teses das correntes da esquerda petista tivessem críticas a colaboração de classes nos governos do PT, não foi esse o tema que polarizou o congresso. Na verdade essa discussão foi totalmente marginal.
O grande elemento de coesão interna é justamente a defesa dos mandatos de Lula e Dilma. Esse discurso transformou-se no lema do PT, direção e oposição afirmam que nunca os trabalhadores tiveram tantos benefícios. A figura de Lula é quase mitificada como grande messias, como inquestionável. Rui Falcão perguntou na hora da votação simbólica da candidatura Lula: “Quero ver. Alguém vai votar contra Lula?” A pergunta foi respondida de imediato pelos cerca de 600 delegados. Votação unânime no ex-presidente.
Para eles, foi preciso construir uma leitura de que o PT, pelo que fez para o povo, foi punido por uma burguesia egoísta, mal agradecida, que pensa apenas no seu próprio interesse. O máximo de crítica a que se chegou tem como símbolo uma frase do Senador Lindbergh Farias: “O PT subestimou demais essa burguesia vendida”, ou ainda “ é preciso balançar essa burocracia partidária”.
Uma análise crítica da carta aos brasileiros de 2003; da chapa com José Alencar; da coalizão com o PMDB presente desde o primeiro mandato de Lula e reforçada com o cargo de vice de Michel Temer no governo de Dilma Roussef; da relação com o capital financeiro internacional feita através de Henrique Meireles nomeado pelo PT ao Banco Central, dos pactos com o agronegócio, do rigoroso pagamento da dívida, da aliança privilegiada com um setor da burguesia nacional representada pelas construtoras e indústrias de alimentos; as relações promíscuas com esses empresários e, por consequência, as relações de trocas com o financiamento das campanhas. Tudo isso ficou longe dos debates.
Ficou esquecido que essas alianças e concessões foram uma escolha feita em detrimento da classe trabalhadora e dos grandes projetos de mudança estrutural. A reforma agrária ficou nos discursos, a auditoria da dívida não foi sequer cogitada, não houve reforma urbana, o direito à moradia virou negócio, foram aplicadas contra reformas e as medidas mais populares foram os programas sociais compensatórios.
Não assistimos a qualquer fala dura sobre o tema. A qualquer resolução que proíba coligações com os partidos burgueses, como o PSDB, PP e PMDB. Não houve uma visão crítica sequer do passado. A história é contada pelos dirigentes do PT como se estivéssemos nas eleições de 2014 e nada tivesse acontecido. Segue a política da defesa acrítica ao que passou.
A armação política do PT para a candidatura Lula 2018 lembra a frase de Karl Marx: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.
A Esquerda Socialista frente ao PT na oposição
O congresso do PT votou uma resolução política. Entre as suas principais medidas definiu a luta pelo Fora Temer, a defesa das ‘diretas, já’, com a proibição do partido e de seus parlamentares participarem de um eventual colégio eleitoral para uma eleição indireta, apoio à greve geral e à luta contra as reformas, à candidatura presidencial de Lula e a defesa de uma constituinte soberana para mudar as contrarreformas aprovadas por Temer.
A resolução política do PT aponta um reposicionamento político da direção do partido a partir da oposição ao governo Temer. É uma situação diferente do que presenciamos nos últimos 13 anos, quando o PT esteve dirigindo o governo.
Esse reposicionamento do PT traz novos desafios. Existe uma pressão de ordem ultraesquerdista que ignora o fato do PT e de Lula serem majoritários na classe trabalhadora e propõe ao PT e à sua base social a mesma política da época em que este partido esteve no governo, ignorando que o golpe parlamentar interrompeu a experiência de um setor das massas e da vanguarda sobre a direção lulista e seu programa de colaboração de classes.
Seria equivocado ignorar, também, o perigo de ordem oportunista que não leva em consideração os 13 anos do PT à frente do Governo Federal, seu programa de colaboração de classes, o desgaste da figura de Lula e do PT em distintos setores sociais e sugere uma unidade política. Ambas posturas beneficiam a direção petista de maneira diferente.
Por um lado, precisamos reconhecer que o PT, Lula e seus aliados estão na oposição. Que não são mais governo. Que mudaram a política. O giro da direção petista pelo Fora Temer, por ‘diretas, já’, em apoio à greve geral e contra as reformas é uma mudança em relação ao que vivemos na luta de classes nos últimos 13 anos. Mesmo que saibamos da enorme distância entre os discursos e a prática e dos objetivos da direção pestista de reeditar o projeto da frente popular no Brasil, salvar Lula da Lava Jato e não ir até as últimas consequências para derrubar Temer, nos exige, em primeiro lugar, reconhecer a importância da frente única e das táticas de exigência e denúncia em relação à direção lulista, frente à ofensiva da burguesia.
Não podemos enfrentar o peso da direção petista nos organismos de massas da classe trabalhadora, negando a frente única e hierarquizando a atuação dos revolucionários apenas pelas denúncias. É preciso chamar essas direções para as lutas e, ao mesmo tempo, hierarquizar pelas exigências e diferenças programáticas.
Esse não é um debate simples. O principal culpado é o PT. Os 13 anos do PT à frente do Governo Federal e sua política reformista e oportunista de capitulação à burguesia geram como efeito imediato o sectarismo e ultraesquerdismo de uma parcela da esquerda socialista.
Por outro lado, não podemos ignorar os 13 anos do PT à frente do Governo Federal. Devemos impulsionar a reorganização e um projeto alternativo ao lulismo. Neste sentido, a necessidade da frente única e da unidade de ação não se confundem com um projeto político comum. Devemos impulsionar pela esquerda uma alternativa política com os setores sociais que representam a possibilidade de um projeto de esquerda anticapitalista e socialista.
A apresentação, por parte do PSOL, de uma candidatura própria à Presidência da República é um ponto de apoio necessário para o fortalecimento de um projeto alternativo ao lulismo. O prestígio alcançado pelo MTST na luta contra o golpe parlamentar e nas ocupações urbanas de São Paulo é outro ponto de apoio fundamental.
“Não existe nenhuma lei que determine um matrimônio indissolúvel das massas com seu líder”
Por hora, a figura de Lula mantém a unidade do partido dos trabalhadores. Essa é a grande fragilidade do PT. Como já afirmamos, o mais provável é que Lula não possa ser candidato em 2018. E sem esse projeto é uma incógnita o futuro do PT.
O Partido dos Trabalhadores de hoje é diferente daquele que surgiu do processo objetivo de greves e lutas da classe trabalhadora, no final dos anos 70 e anos 80. Um partido que defendia a independência da classe trabalhadora frente à burguesia com programa e estratégia bem concebidos e que apaixonava milhões. Isso dava a sustentação política e ideológica ao partido. Hoje, o que sustenta o PT é a figura de Lula.
É certo que Lula mantem um prestígio superior inclusive ao mantido pelo PT. No entanto, é algo diferente do que a esperança de mudança que embalava a figura de Lula e do PT nos 80 e 90. Não existe matrimônio indissolúvel da classe trabalhadora com suas lideranças. A aposta do Lulismo é pelas evidências e decisões do 6º congresso reeditar os governos de colaboração de classes.
Cabe à esquerda socialista indicar um novo caminho. Existe uma base social que rompeu com o PT pela esquerda. Que foi contra o golpe, mas que não concorda com o programa de conciliação de classes. Falamos aqui de milhares, ou, o mais provável, de milhões de pessoas.
O PSOL e o MTST devem ter coragem para, desde já, apresentarem uma proposta de frente de esquerda alternativa ao lulismo. Essa é a estrada que evitará a desmoralização de uma geração que despertou para as lutas sociais depois de junho de 2013. Uma geração que não tem o peso das derrotas do passado e que pode embalar novamente esperança para o povo brasileiro, com um novo projeto programático para a esquerda.
Foto: 03/06/2017- Brasília- DF, Brasil- Encerramento do 6º Congresso Nacional do PT Maria Letícia Lula da Silva 2017 | Ricardo Stuckert
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