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EDITORIAL

Shinzo Abe segue golpeando a chamada Constituição Pacifista japonesa

Por: Mário Aguena, de São Paulo, SP

Artigo 9. Aspirando sinceramente a paz mundial baseada na justiça e ordem, o povo japonês renuncia para sempre o uso da guerra como direito soberano da nação ou a ameaça e uso da força como meio de se resolver disputas internacionais. Com a finalidade de cumprir o objetivo do parágrafo anterior, as forças do exército, marinha e aeronáutica, como qualquer outra força potencial de guerra, jamais será mantida. O direito a beligerância do Estado não será reconhecido. (Constituição do Japão, Capítulo II. Renúncia a Guerra, Artigo 9, 1947)

A atual Constituição do Japão foi escrita sob supervisão das tropas americanas que ocupavam o país após a derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial. A chamada cláusula pacifista visava evitar a reconstrução do poderio militar japonês e tinha amplo respaldo em uma população que tinha sofrido os horrores da guerra, dos bombardeios americanos e das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki.

Nas décadas seguintes, o país recuperou seu papel como grande potência imperialista, especialmente a partir da guerra da Coreia, em 1951, quando serviu como retaguarda para as tropas americanas e teve seu crescimento estimulado pelo esforço de guerra dos EUA. Colocou-se sob a proteção de dezenas de milhares de soldados americanos e do chamado “guarda-chuva” nuclear que garantiam a sua defesa. Há anos, a direita mais nacionalista procura remover essa cláusula e há um forte processo de rearmamento do país. O Japão participou de forma indireta nas invasões americanas ao Iraque e Afeganistão, com dinheiro e missões humanitárias, mas sem tropas de combate.

No dia 29 de março de 2016, apesar da forte oposição popular, com o apoio do primeiro-ministro Shinzo Abe, a maioria da Câmara e do Senado japoneses aprovou uma reforma militar que permite o envio de tropas do país para combater no exterior.

Essa medida acabou com 69 anos de legislação pacifista que, expressa no artigo 9, impedia o Japão de iniciar uma guerra e de enviar tropas para combater no exterior, e derrubou o que era uma marca da política externa japonesa.

Recentemente foi noticiado que o Japão faz os preparativos finais para uma excursão de três meses pelo Mar do Sul da China prevista para maio deste ano com o navio porta-helicópteros Izumo, em uso há dois anos. A excursão fará paradas na Indonésia, Cingapura, Filipinas e Sri Lanka. Em julho, o Izumo irá participar do exercício naval conjunto Malabar com embarcações dos EUA e da Índia. A embarcação retornará ao Japão em agosto.

O Izumo é um navio grande da classe de destroieres porta-helicópteros, que existe apenas no Japão. Em outras partes do mundo ele seria um porta-helicópteros ou porta-aviões leve. É o maior navio de guerra do Japão desde a Segunda Guerra. É um navio especializado em operações anti-submarinas e pode operar com até 14 helicópteros. O Izumo mede 249 metros e pode acomodar 970 pessoas, incluindo a tripulação do navio e tropas.

Esta embarcação é uma das poucas unidades navais japonesas capazes de projetar poder militar fora do contexto de defesa das fronteiras do Japão. Embora o Izumo seja designado como destroier, a Constituição Pacifista do pós-Segunda Guerra proíbe a aquisição de armas ofensivas pelo país. Ou seja, tecnicamente o Izumo é um porta-helicópteros, pois a cláusula pacifista não permite o Japão de possuir porta-aviões.

Para o especialista militar russo Vasily Kashin, “Este passo pode ser considerado como a maior ampliação da zona de atuação da Marinha japonesa desde a Segunda Guerra Mundial”.

Segundo especialistas militares, com ajustes, o Izumo pode potencialmente ser usado para lançar jatos de caça ou de outras aeronaves de asa fixa.

Os conflitos do Mar do Sul da China

O Mar do Sul da China possui uma centralidade geográfica. Mais da metade da tonelagem das marinhas mercantes do mundo, e um terço de todo o comércio marítimo mundial, circulam através dos estreitos de Malaca, Sunda, Lombok e Makassar. Aproximadamente dois terços dos suprimentos de energia da Coréia do Sul, cerca de 70% dos suprimentos de energia do Japão e de Taiwan e 80% das importações chinesas de petróleo vêm através do Mar do Sul da China. Enquanto no Golfo Pérsico somente se transporta energia, no Mar do Sul da China tem-se energia, bens acabados e bens semiacabados.

Pelo Mar do Sul da China cerca de US$ 4 trilhões em mercadorias circulam todos os anos com destinos em todo o mundo.

Além da centralidade geográfica, o Mar do Sul da China possui ricas áreas de pesca, gás e petróleo. Há reservas provadas de sete bilhões de barris de petróleo, e uma estimativa de novecentos trilhões de metros cúbicos de gás natural. Tais reservas petrolíferas colocam o Mar do Sul da China apenas atrás da Arábia Saudita.

A China reivindica quase todas as águas disputadas no Mar do Sul da China. Países como Taiwan, Malásia, Vietnã, Filipinas e Brunei também reivindicam partes do mar.

O Japão não tem qualquer reivindicação nessas águas, mas tem outra disputa marítima com a China referente ao Mar da China Oriental (as Ilhas Senkaku, que a China designa por Ilhas Diaoyu).

A crescente presença militar da China no Mar do Sul da China tem alimentado preocupações do Japão e dos EUA que patrulham constantemente a região. As vias de comunicação significam muito para o Japão, já que depende completamente das importações de matérias-primas.

A operação militar japonesa com o Izumo ocorre num momento em que o governo Trump parece adotar uma postura mais agressiva diante de Pequim. Washington critica a construção de ilhas artificiais e uma escalada de instalações militares que teme serem usadas para restringir a liberdade de circulação.

O Japão no tabuleiro militar oriental

O movimento do Izumo provocará uma reação da China. A China já tem um porta-aviões e está construindo outros dois capazes de cumprir diversas tarefas. A marinha japonesa é uma pequena parte da força naval conjunta com os EUA na parte ocidental do Pacífico, e os norte-americanos têm mais capacidades de aplicar meios aeronavais do que a China. Mas, graças ao Izumo, os EUA não precisarão de usar seus navios grandes para monitorar as vias de comunicação.

Para o especialista militar russo Vasily Kashin, o que moveu o Japão a construir um navio da classe do Izumo foi o temor do desenvolvimento rápido da frota submarina chinesa, bem como aumentar o prestígio da frota japonesa, contribuir para a ampliação dos contatos com outras marinhas e fazer do Japão um parceiro mais desejável para os EUA.

Com a vitória de Trump e a saída dos EUA do Acordo Trans-Pacífico, o Japão busca se relocalizar no Extremo Oriente sobre bases mais ativas e agressivas. E ao que tudo indica buscará manter firmes as alianças com os EUA.

Com os movimentos do Izumo vemos outro passo importante na ampliação dos limites da Constituição Pacifista promovido pelo governo Abe. Porém, temos que ver como irá comportar o povo japonês diante da política belicista do governo Abe.