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EDITORIAL

2016 termina com aumento das tensões diplomáticas no Pacífico

Por Mário Aguena, de São Paulo, SP

 

Para reafirmar a força da aliança entre EUA-Japão, os governos desses países prestaram homenagens mútuas. No dia 27 de dezembro de 2016, o primeiro-ministro do Japão Shinzo Abe retribuiu a visita que o presidente dos EUA Barack Obama realizou em maio a Hiroshima. Para isso Abe organizou uma visita conjunta com Obama até Pearl Harbor, Havaí, onde está o Memorial USS Arizona. Nas formalidades não ocorreram pedidos de perdão, mas homenagens aos mortos, palavras de reconciliação, amizade e paz.

Como era de se esperar essas iniciativas soaram como provocação na região do Pacífico e geraram atritos diplomáticos com a China. Lu Kang, porta-voz da chancelaria chinesa, declarou que Abe também deveria visitar o Memorial de Nanjing (1985) e pedir perdão pelo que consideram crimes de guerra. Em 13 de dezembro de 1937, as tropas imperiais japonesas, após tomarem a então capital Nanjing, iniciaram uma prática desumanizadora. O Massacre ou Estupro de Nanjing foi um episódio de assassinatos e violações em massa até fevereiro de 1938. Estimativas falam entre 200 a 300 mil mortos. Para fins de propaganda, japoneses nacionalistas até afirmam que o massacre foi exagerado. A negativa em reconhecer o massacre cria obstáculos nas relações sino-japonesas, e nas relações do Japão com outras nações da Ásia-Pacífico.

 

         Yasukuni: símbolo nacionalista

 

Como se essas iniciativas diplomáticas entre o Japão e os EUA não bastassem, no dia 28 de dezembro de 2016, dia seguinte a visita ao Memorial no Havaí, a ministra da Defesa japonesa Tomomi Inada, também presente na comitiva à Pearl Harbor, visitou o santuário Yasukuni em Tóquio.

Esta decisão contrasta com a mensagem pacifista enviada às vésperas da viagem ao Havaí. O santuário Yasukuni foi construído pelo imperador Meiji em 1869. Ele guarda o Livro das Almas que lista os nomes de soldados japoneses e coloniais (coreanos e taiwaneses) mortos em batalhas. Tornou-se um santuário xintoísta controverso, na medida em que glorifica criminosos de guerra. Dentre esses criminosos estão, por exemplo, os 14 japoneses executados por crimes de guerra cometidos na Segunda Guerra Mundial – dentre eles, o ex-primeiro-ministro e general Hideki Tojo –, e soldados japoneses mortos nas Guerras Sino-Japonesas (1894-95; 1937-45).

Junto do santuário há um museu de guerra com canhões e mísseis tirados de campos de batalhas. Em cada poste de luz, uma bandeira nacional. Após a II Guerra, as autoridades da ocupação impuseram uma escolha ao santuário. Yasukuni deveria escolher: ou converter-se numa instituição não-religiosa dependente do Estado, ou manter o seu caráter religioso desvinculado do Estado. Desde então, o seu financiamento é privado.

A visita de Inada a Yasukuni soou como uma nova provocação gerando até mesmo protestos de rua na Coréia do Sul. Em Busan, protestos com a estátua Mulher de Conforto lembram a escravidão sexual na Segunda Guerra. Na ocasião, mulheres de países asiáticos dominados pelo império japonês foram levadas à escravidão sexual e prostituição nos bordéis militares japoneses. A maioria das mulheres provinha da Coréia e China. Estimam-se entre 50 e 200 mil mulheres foram usadas nos chamados postos de conforto sob a justificativa de controlar crimes de estupro e a transmissão de doenças venéreas.

Em 1993, o Japão reconheceu os crimes contra as mulheres coreanas e pediu desculpas formalmente. Em dezembro de 2015, Abe indenizou em 1 bilhão de ienes (U$ 8,3 milhões) as mulheres coreanas vítimas da guerra, o que foi contestado pelas sobreviventes e pelos grupos de direitos humanos em ambos países. Essencialmente, a contestação foi porque o acordo não se refere que essas mulheres foram utilizadas como escravas sexuais, pelo montante das indenizações e por não ter sido discutido com as vítimas. E a visita a Yasukuni reviveu os ressentimentos. Invertendo os papéis entre colonizador e colonizado, Abe chamou seu embaixador em Seul para consultas e exige que as estátuas sejam retiradas da frente das representações diplomáticas do Japão em Seul e Busan. Tudo isso no marco do levante popular que derrubou a presidente coreana.

A China, por sua vez, também cobra do Japão medidas concretas para enfrentar crimes militares passados.

Abe é um politico conservador que possui laços com grupos nacionalistas. Na verdade, como relata o New York Times, o jornal Sankei, de extrema direita, pediu que Abe primeiro visitasse Yasukuni. De toda forma, Sankei descreveu a visita ao Havaí como uma ocasião para reafirmar os laços entre EUA-Japão.

Neste momento o público japonês está apreensivo com a vitória de Donald Trump. Durante a campanha eleitoral ele censurou o Japão por não pagar o suficiente para manter forças norte-americanas em suas terras, e anunciou que os EUA deixariam o Acordo Transpacífico (TPP), um acordo de livre-comércio liderado pelos EUA que agrupa 12 países assinado em 05/10/2015, considerado um contrapeso à influência econômica da China no Pacífico. Ou seja, pareceria que Trump pretendia enfraquecer a aliança EUA-Japão, o que traria sérias consequências para a geopolítica da Ásia-Pacífico.

No dia 17 de novembro de 2016, Trump e Abe reuniram-se informalmente na Trump Tower em Nova Iorque. Abe falou à imprensa, mas não revelou o teor da conversa porque o encontro não foi oficial, mas afirmou a certeza de poder construir uma relação de confiança com Trump. Abe trabalhava de perto com Obama para conter a crescente força da China na região.

 

 

Taiwan

 

No dia 24 de dezembro de 2016, a agência oficial de notícias chinesa Xinhua noticiou exercícios em mar aberto no Oceano Pacífico. Uma formação naval que incluía o primeiro porta-aviões da China, Liaoning, rumou ao Pacífico ocidental.

A imprensa asiática diz que os exercícios foram mensagens da China a Trump. Trata-se de uma resposta a Trump por ter aceitado o telefonema de congratulações da presidente Tsai Ing-wen de Taiwan à sua vitória eleitoral. Com esse gesto, na verdade, Trump rompeu a prática diplomática dos últimos quarenta anos não reconhecendo Taiwan como parte da China, mas como uma nação independente.

Para completar o quadro, o governo japonês se pôs em ação e monitora os movimentos de navios chineses em águas ao redor do Japão.

Há que ver qual o rumo que tomará esse cenário de instabilidade crescente que parece se abrir na Ásia-Pacífico a partir da posse de Trump em 20 de janeiro. Esperar para ver.

jap-porta

Fonte: Agência de Notícias Xinhua da China. O porta-aviões da China Liaoning ancorado em um porto da China.