Pular para o conteúdo
EDITORIAL

Grécia: A esquerda radical depois do Syriza

Entrevista com Antoni Ntavanellos, da DEA (Esquerda Internacionalista dos Trabalhadores) realizada por Liz Walsh do Socialist Alternative, 1-2-2017

Tradução para o português de Suely Corvacho, feita a partir da versão em espanhol publicada por Viento Sur em 18/02/2017

 

O sofrimento no qual mergulhou a grande maioria da população grega pode ser ilustrado com os seguintes números: 49,2% das famílias só dispõem da aposentadoria de um de seus membros como sua única fonte de renda; 37,1% das famílias afirmam viver com menos de 10.000 euros por ano. Oficialmente, 73,3% das pessoas declaradas desempregadas estão classificadas como desempregadas de longo prazo. Neste contexto, é evidente que 73,5% das famílias entrevistadas durante o período que se estende de 14 a 26 de novembro de 2016 “prognosticam” que sua situação financeira irá se deteriorar no futuro. Estes dados revelam o colapso dos serviços públicos, em primeiro lugar, da saúde e da educação.

O salário mínimo para a maioria das pessoas assalariadas com mais de 25 anos era a seguinte: 01 de janeiro de 2010: 739,56 euros; 01 de julho de 2011: 751,39 euros; 14 de fevereiro de 2012: 580,08 euros. Os dados divulgados pelo Eurostat indicam que, entre os países da União Europeia, a Grécia é o único em que o salário mínimo em 2016 foi claramente inferior ao de 2008. Deve-se notar também que é um salário mínimo por um emprego de tempo integral. No entanto, apenas 42,6% dos e das assalariadas trabalham em tempo integral. De quatro pessoas assalariadas que obtiveram um emprego em 2016, duas têm um salário inferior a 600 euros. E os postos de trabalho de duas ou de quatro horas por semana são comuns, como prevê a “flexibilidade do trabalho”, que deve garantir a “competitividade” da economia grega e, acima de tudo, uma estatística que sugira diminuição do desemprego. O salário por hora em numerosos setores é de até 3 euros e o Ministro do Trabalho teve de reconhecer que 125.000 pessoas assalariadas ganham menos de 100 euros por mês, o que prenuncia sua futura “seguridade social” e sua aposentadoria.

A distribuição de cupons de alimentos por certos empregadores é algo cada vez mais comum. Uma pessoa empregada em uma empresa pode, por exemplo, receber um salário de 800 euros e 160 euros em bônus de compra para obter bens. A empresa tem obrigação de pagar o salário mínimo, mas pode propor bônus de compra para a parte superior ao salário mínimo. A imprensa indica que este sistema atinge o setor bancário, comercial e da construção.

O sociólogo Christos Papatheodorou da Universidade Panteion de Atenas conta ao jornalista do Le Monde (14/02/2017): “As últimas medidas tomadas pelo governo de Alexis Tsipras empobrecerão ainda mais a população grega e aumentarão as desigualdades. O aumento dos impostos ataca mais uma vez às classes médias e não às pessoas mais ricas, que há muito tempo abriram contas no exterior e encontraram maneiras de escapar do fisco. Em 2009, 18% dos cidadãos gregos corriam o risco da pobreza ou exclusão social. Em 2013, de acordo com os números mais recentes, foi para 49%. Esse empobrecimento é algo jamais visto.” Desde 2013, a situação só tem se agravado. Despejos por impossibilidade de pagamento dos empréstimos dispararam. Um movimento análogo ao que ocorreu em regiões do Estado espanhol contra esses despejos está começando, por exemplo, em Salónica, na Tessalônica. Quanto às dezenas de milhares de refugiados, eles são presos e sofrem uma tortura cotidiana.

Há 15 dias uma ampla mobilização de agricultores está bloqueando estradas de acesso aos aeroportos, etc. Estão estrangulados pelos novos impostos, pela eliminação dos subsídios ao diesel, pela revisão drástica das aposentadorias, etc. A convergência da mobilização sobre Atenas está em debate.

Há várias lutas setoriais entre os estudantes, os aposentados, os bombeiros, os trabalhadores do setor da saúde … No entanto, o conjunto de credores não está disposto a ceder. Mergulham a maior parte da população grega no que, no passado, foi chamado de “reformatório” afirmando as exigências de uma “nova ordem” usando a máscara de “negociações em uma Europa democrática” e uma “aprovação por uma maioria parlamentar” que sustenta um governo “eleito democraticamente”. A contra-revolução do ordoliberalismo enraiza-se na Grécia, com a decrepitude do sistema político que dela deriva. Publicamos a seguir uma entrevista com Antonis Ntavanellos, que analisa a evolução política desde 2010. No futuro próximo analisaremos a conjuntura política (Redação de A l’encontre, 14-2-2017).

Liz Walsh: Na medida em que Syriza se revelou incapaz de acabar com a austeridade, valeu a pena construir um partido amplo que abarcasse diferentes correntes da esquerda radical, revolucionárias e reformistas? A luta por um governo de esquerda era o caminho adequado?

Antonis Ntavanellos: O Syriza foi fundado no início de 2004, a partir da experiência acumulada anteriormente no Fórum Social Grego (FSG). O FSG era uma frente unificada dentro dos movimentos sociais. Reunia na ação forças cujas tradições e origens ideológicas eram diferentes (para dizer de forma resumida: reformista, centrista e marxistas revolucionários).

O período estava caracterizado por intensos ataques capitalistas, uma crise da esquerda tradicional, assim como um declínio dos sindicatos e das organizações sociais. Neste contexto, o FSG conseguiu organizar uma onda de grandes mobilizações contra o neoliberalismo e contra a guerra. O FSG foi a principal forma assumida pelo movimento internacional contra a globalização capitalista neoliberal na Grécia.

Ao mesmo tempo, o FSG foi uma afirmação do valor de uma Frente Única, trazendo uma renovação nos debates dentro da esquerda grega, na qual as tradições stalinistas ainda tinham força.

Após os acontecimentos de Gênova, em 2001 [mobilizações de massa contra a cúpula do G7 em Gênova, momento forte do “movimento antiglobalização”], toda a esquerda europeia estava atravessada pelo debate que consistia em saber se e como poderíamos expressar em lutas políticas a unidade de ação que havíamos estabelecido nas ruas. Estava claro que isso significava a perspectiva de uma participação conjunta nas eleições. Em 2004, aceitamos este desafio, participando da criação do Syriza.

Syriza era a forma grega adotada em resposta ao debate geral sobre os “partidos amplos” da esquerda radical. Ao mesmo tempo em que aceitava o desafio participando do Syriza, a Esquerda Internacionalista dos Trabalhadores (DEA) tinha uma orientação sobre os partidos amplos que era diferente da que dominava então, tal como estava expressa por certas seções da IV Internacional, por exemplo.

Nós não consideramos, em primeiro lugar, os partidos amplos como a “resposta final” para a questão do partido. Considerávamos que se tratava de um processo transitório em uma situação muito específica, com o pano de fundo de uma crise dos movimentos de resistência e da esquerda.

Em segundo lugar, por esta razão, não prometemos em hipótese alguma aceitar a dissolução da nossa organização. Não relegamos a segundo plano nossos próprios “instrumentos” independentes de construção e de “comunicação” política com as pessoas interessadas: jornal, revista, reuniões e atividades públicas próprias.

Além disso, defendemos publicamente, desde o início, a necessidade de uma corrente de esquerda organizada dentro do Syriza. Embora nossa organização, a DEA, gozasse de respeito e reconhecimento de grande parte dos membros do Syriza, não se uniu à maioria dirigente, nem mesmo na fase mais “radical” de Alexis Tsipras.

Esta abordagem revelou-se de grande importância no momento da crise. Isso explica –parcialmente – a rapidez da reação da esquerda do Syriza em 2015, em comparação com o que ocorreu, por exemplo, no Brasil [quando o primeiro governo Lula de janeiro de 2003] ou na Itália [crise do Partido da Refundação Comunista].

Os onze anos da experiência Syriza contribuíram para a formação de uma ampla camada de militantes políticos na Grécia. Esta camada é mais forte numericamente (em termos relativos) do que em muitos outros países europeus. É também mais forte politicamente: foi forjada na luta e superou a “doença infantil” da dispersão de forças em um “movimentismo social.”

É a razão pela qual nós, que combatemos com rigor as políticas do governo Syriza-Gregos Independentes desde fevereiro de 2015, defendemos a experiência do primeiro período de ação radical do Syriza.

Estamos convencidos de que esta camada de ativistas políticos, homens e mulheres, não formulou a última palavra. Estamos convencidos de que essas pessoas protagonizarão lutas contra o governo Tsipras e desempenharão um papel muito importante na configuração da nova situação, dando forma à época “pós-Syriza”.

Após ter assinado [em julho de 2015] o terceiro memorando com os credores, o governo de Tsipras adota políticas neoliberais típicas: diminuição dos salários, das aposentadorias e dos benefícios sociais; privatizações e criação de um sistema de relações de trabalho mais “flexíveis”; aumento dos impostos aos setores populares, etc. Com estas políticas econômicas reacionárias, o governo Tsipras permanece incapaz de realizar reformas democráticas, nem mesmo as mais elementares, nem sequer as que não têm “custo financeiro”. Para governar, necessita se apoiar no aparato repressivo do Estado.

Para os marxistas revolucionários, a questão de um “governo de esquerda” sempre foi espinhosa. A primeira vez que foi proposta como uma estratégia dentro do Syriza, em 2008, rejeitamos considerando-a uma estratégia parlamentar-reformista. Não foi aceita. Tudo mudou em consequência da eclosão da crise e, sobretudo, em consequência das lutas sociais massivas de 2010-2011. Naquela época, amplos setores da população se mobilizaram massivamente – e com tenacidade – para derrubar os memorandos [impostas pela Troika e aceitos pelos governos gregos]. Compreenderam que, para alcançar esse objetivo, deveriam derrubar o governo.

Apesar da importância das lutas e da determinação das massas, a situação não era revolucionária na Grécia: o confronto não havia alcançado o nível de uma “luta até a morte”, o confronto não tinha tomado a forma clara da “luta de uma classe contra outra”. E a classe trabalhadora não dispunha de suas próprias organizações sociais independentes, capazes de reivindicar um poder real. Estes limites fizeram com que a vontade de derrubar fosse “desviada” para a reivindicação de um governo de esquerda, mesmo na sequência de uma vitória eleitoral.
Devíamos aceitar este contexto e buscar a linha política mais radical nestes parâmetros. Reintroduzimos, no debate público grego, as discussões sobre o governo de esquerda, que foram desenvolvidas no IV Congresso da Internacional Comunista[1923]. Esse Congresso considerava a questão como uma política transitória em direção à emancipação socialista.

Temos lutado neste sentido, e todas nossas iniciativas táticas são determinadas por essa diretriz. Isto nos permitiu permanecer firmes em nossa orientação de classe e conseguir respeito para com a nossa organização, tanto de numerosos membros da base do Syriza como de militantes exteriores.

Atualmente, nosso balanço crítico do slogan de um governo de esquerda gira principalmente sobre dois pontos:

. O primeiro diz respeito aos fatores objetivos. Demonstrou-se que uma política transitória que integre um governo da esquerda pressupõe um grau mais elevado de intervenção política das massas através de suas próprias organizações sociais do que aquele que havíamos criado na Grécia em 2015.

. O segundo tem a ver com fatores subjetivos: o equilíbrio das forças entre reformistas e revolucionários dentro da coalizão e do movimento social. O projeto de um “governo de esquerda” pressupõe uma determinação política bem mais forte para um confronto do que significou a resolução do Syriza em seu conjunto em 2015.

É importante destacar que a DEA nunca disse que o Syriza conseguiria levar a cabo, de forma autêntica, o projeto de “governo da esquerda”. Em nossa opinião, era uma fórmula que mais servia de marco ideológico para as nossas ações – ações que compreendiam o confronto dentro do Syriza contra o grupo dirigente em torno de Tsipras – do que uma apreciação do que viria a acontecer.

No centro dos acontecimentos fundamentais, as ideias são sempre importantes, ainda que permaneçam na superfície. No momento da prova de fogo, a maioria dirigente do Syriza pôs suas origens eurocomunistas em primeiro plano e se voltou para essa configuração política.

O governo de Tsipras capitulou tão rapidamente porque recusou enfrentar a classe dominante local durante os seis primeiros meses de 2015, que foram cruciais, e porque tinha a ilusão de que era possível chegar a uma solução de consenso através das negociações com a UE (União Europeia), revendo as posições anteriores do Syriza e modificando-as para “permanecer a qualquer preço na Zona do Euro”. O resultado destes dois grandes retrocessos levou à assinatura do terceiro memorando por Alexis Tsipras em julho de 2015.

Quando do primeiro governo Tsipras, a DEA desempenhou um papel central reforçando a determinação da esquerda dentro do Syriza, a Corrente de Esquerda, para se opor à capitulação. No desastre do Syriza, surgiu um novo partido-movimento político, a Unidade Popular (LAE), a fim de manter a esperança na existência de um caminho diferente do que foi tomado pelo Syriza.

Qual é o clima dentro da classe trabalhadora e qual é a orientação da LAE tanto para promover a resistência à austeridade como para construir forças de esquerda? Qual é a posição da LAE sobre a permanência na UE, uma vez que o slogan da DEA dentro do Syriza era “nenhum sacrifício pelo euro, nenhuma ilusão no dracma”? Isso mudou depois da experiência no Syriza?

Em 2013, a DEA fundou a Plataforma de Esquerdas (PIG) dentro do Syriza, com a Corrente de Esquerda (a tendência de esquerda do partido Synaspismos, cujo porta-voz mais conhecido é Panayiotis Lafazanis). A PIG era o centro de resistência contra Tsipras, e em torno dela houve uma ruptura rápida e de massa durante o verão de 2015, quando cerca de 50% dos membros e dos quadros do partido se uniram a nós fora do Syriza.

A PIG cofundou a Unidade Popular (LAE por suas iniciais gregas) com duas organizações que romperam com a Antarsya, a coligação da esquerda anticapitalista. Nas eleições de setembro de 2015, a LAE não conseguiu ter seu próprio grupo parlamentar já que reunimos 2,9% dos votos, ou seja, menos dos 3%, que é o limite que permite entrar no parlamento. Este fracasso pode ser atribuído ao prazo extremamente curto que tivemos (menos de três semanas para organizar um “novo partido” e realizar a campanha eleitoral) e, especialmente, às calúnias unânimes dos meios de comunicação contra a “ala esquerda do Syriza”, definindo-nos como “perigosos aventureiros”.

Alguns meses mais tarde, cerca de 5.000 ativistas organizados participaram da conferência fundadora da LAE. É evidente que a LAE reune a maior parte da esquerda organizada contrária ao memorando fora do Partido Comunista (KKE) na Grécia.

Vale a pena dizer alguma coisa sobre a evolução do KKE. Sua direção parece estar pondo em prática um giro à esquerda no terreno das ideias: fala de socialismo, rejeita a estratégia de “etapas” intermediárias, renova a história do partido sobre uma base crítica, reabrindo o debate sobre sua estratégia durante a resistência entre 1940 e 1944, bem como durante a guerra civil que se seguiu. Este processo tem por objetivo principal descartar qualquer colaboração com outras forças de esquerda, qualquer ação comum, nem sequer a menor. Isto se parece mais com a a política stalinista do terceiro período (1927-1928 a 1935) do que um retorno para uma política revolucionária efetiva.

Dentro da LAE, a DEA representa uma forma de organização democrática que permite que outras forças juntem-se à LAE, incluindo Antarsya e outras forças, que abandonaram o Syriza. Tentamos novamente construir uma corrente comum da esquerda radical contrária ao memorando.

No entanto, fazemos isso em uma situação política diferente.

. A rapidez da capitulação do Syriza – e o giro abrupto do “Não” expresso no referendo de 05 de julho de 2015 passando ao “Sim” no terceiro memorando de Tsipras de 12-13 de julho na reunião do Eurogrupo – e o cinismo da política governamental engendra a desmoralização em grande parte das pessoas. O colapso da confiança no Syriza tem sido rápido, mas a grande maioria da população permanece silenciosa neste momento. Não se expressou diretamente em lutas setoriais (e defensivas, deve ser enfatizado), girou para a luta individual para sobreviver em meio à crise.

. A permanência de mobilizações, embora muito pequenas, precisa de um esforço organizado, muito mais importante, da esquerda política. A contribuição da LAE a este respeito é clara. Através de nossas ações passadas, herdamos um programa comum em termos de objetivos contra a austeridade: a defesa dos salários e das aposentadorias; a luta contra a flexibilidade, a oposição às privatizações; a batalha contra os despejos, etc.

A LAE continua defendendo também, de forma unânime, a nacionalização-socialização dos bancos assim como a suspensão dos pagamentos da dívida, com o objetivo de sua anulação. Trata-se de “pontos” indispensáveis para um programa transitório necessário para derrotar a austeridade e seguir em direção ao socialismo.

. No entanto, novas questões emergem permanentemente. Você perguntou sobre o que aconteceu com as nossas velhas palavras de ordem: “nenhum sacrifício pelo euro – nenhuma ilusão no dracma.” Era um slogan “algébrico” no momento de ascensão do Syriza. Quando fomos confrontados com posições rígidas dos credores e dos dirigentes da UE, que exigiam muitos outros sacrifícios, tivemos de radicalizar o slogan e defender aberta e claramente a saída da zona do euro como precondição necessária para derrotar a austeridade e cancelar os memorandos. Há também unanimidade na LAE em torno disso.

Se a saída da zona do euro é de fato uma precondição necessária, isso não significa, no entanto, que seja suficiente em termos de um programa das esquerdas da classe trabalhadora. Afirmamos que uma saída da zona do euro e um confronto com os dirigentes da UE só terá um conteúdo emancipador se estiver combinado a um programa mais amplo de medidas anticapitalistasque que abra uma perspectiva socialista. Outros companheiros e companheiras, dentro da LAE, pensam que uma saída da zona do euro é, objetivamente, uma solução progressista na medida em que prepararia o caminho para um crescimento da economia grega,o que criaria objetivamente mais ocasiões para a ação das classes trabalhadoras e populares.

.De certa forma, trata-se de uma repetição da controvérsia entre os partidários de uma estratégia socialista revolucionária e os que são favoráveis a uma estratégia de “independência nacional”, ou seja, uma estratégia das “etapas intermediárias”. Um debate que atravessou a esquerda durante os anos 1960 e 1970. Agora, mesmo, dentro da LAE há uma discussão deste tipo.

Este debate tornou-se ainda mais importante após a votação favorável do Brexit, a ascensão de Marine Le Pen na França, de Geert Wilders nos Países Baixos (Partido da Liberdade) ou mesmo após o referendo sobre a reforma constitucional de Matteo Renzi em Itália (dezembro de 2016). Algumas frações das classes dominantes europeias parecem perder a confiança na zona do euro e voltar-se para o protecionismo e para as políticas de “preferência nacional”. Esta tendência está claramente fortalecida pela vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos.

Na Grécia, não há uma fração séria da classe capitalista que contemple melhores perspectivas fora da zona do euro ou que defenda um retorno ao dracma. Isso pode mudar, porque a crise do capitalismo grego é extremamente profunda, porque todos sabem que o terceiro memorando leva a um beco sem saída e porque muitos capitalistas temem que no fim do caminho das “desvalorizações interna” dentro da zona do euro não há nenhum tipo de recompensa por parte dos credores, mas a bancarrota e a expulsão da zona do euro. Já começam a aparecer na imprensa as primeiras vozes provenientes do coro do establishment sobre a necessidade de se preparar para todas essas eventualidades.

Syriza participa também das tentativas da União Europeia de criar uma fortaleza na Europa aprisionando os refugiados em campos e devolvendo alguns à Turquia. Você pode descrever a situação dos refugiados na Grécia e, em particular, nas ilhas? Temos assistido em toda a Europa o ascenso de partidos de extrema direita. A Aurora Dourada foi capaz de capitalizar a decepção representada pelo Syriza assim como a chamada crise dos refugiados?

O destino dos refugiados foi determinado pelo acordo reacionário e racista celebrado entre a UE, a Turquia e a Grécia. É importante salientar que, a fim de “controlar” a implementação do acordo, uma frota de guerra da OTAN entrou no Mar Egeu (principalmente devido à insistência do governo Tsipras) e vigia a situação na Síria assim como os navios de guerra russos estacionados no Mediterrâneo oriental.

Nos dias mais difíceis deste inverno, a situação nos campos se tornou totalmente insustentável. Houve revoltas contra essas condições execráveis e contra os ataques racistas organizados pela extrema direita.

Em um país que recebe, a cada verão, 21 milhões de turistas, o governo afirma que é difícil oferecer hospitalidade decente para 60.000 pessoas! Apesar de tudo, o que é positivo é que uma grande parte da população grega manifesta uma forte solidariedade.

As principais tarefas que o movimento organizado anti-racista enfrentam são as seguintes: em primeiro lugar, mudar a situação nos campos impondo um controle social e democrático das condições que prevalecem neles, bem como pressionar para a transferência dos refugiados para espaços de acolhida abertos e decentes nas cidades. Em segundo lugar, exigir que os e as filhas de refugiados sejam aceitos com plenos direitos nas escolas públicas [os cursos são organizados por vezes oficialmente, mas fora do horário das aulas das crianças “gregas”], assim como acesso completo aos cuidados de saúde nos hospitais públicos. Em suma, uma oposição aos esforços da Aurora Dourada e da extrema direita que tentam organizar uma resposta racista.

A direção da Aurora Dourada e um grande número de seus militantes estão sendo julgados, acusados de serem membros de uma organização criminosa. Devido a isso, eles têm se manifestado com cautela: as suas “tropas de assalto” foram retiradas das ruas e houve um acentuado declínio no número de “incidentes” ligados à violência racista.

A desilusão massiva que o Syriza representa traz, contudo, novas oportunidades à Aurora Dourada. Esta organização está situada constantemente na terceira colocação nas sondagens, com uma estimativa de 8% das intenções de voto. A direção tenta explorar esta oportunidade através de um giro parlamentar: apresentando um perfil mais “respeitável”, expresso principalmente como “nacionalistas” e não como neonazistas; tentam assim introduzir, no espírito de seus partidários, a ideia de que podem desempenhar um papel no futuro governo. No entanto, esse giro engendra também tensões dentro da Aurora Dourada.

Ao mesmo tempo, outros políticos de extrema direita lançam iniciativas a fim de criar um amplo partido nacionalista, que seria capaz de cooperar com a Nova Democracia no caso de a “gestão” da crise na Grécia necessitar de um governo da “direita dura”.

Nossa tarefa não é permanecer passivos e fazer previsões sobre a evolução dos neonazistas e da extrema direita. Temos de continuar nos mobilizando a fim de destruir a Aurora Dourada, uma organização que é uma séria ameaça para a esquerda e o movimento das e dos trabalhadores. A melhor forma de fazê-lo é ligar a luta anti-fascista à luta para derrotar a austeridade e cancelar os memorandos.

Marcado como:
balanço / grécia / syriza