Pular para o conteúdo
TEORIA

Aprendendo a nadar: revolucionários, partidos amplos e eleições

Por Paul Murphy, do portal International Socialism. Tradução de W. Mermelstein, do Eol.

Vinte anos atrás, em meio à sombra aparentemente decrescente do stalinismo, às mudanças qualitativas à direita dos partidos social-democratas e ao surgimento de novos partidos de esquerda, houve um estimulante debate sobre essas novas formações e como os revolucionários deveriam se relacionar com elas1. A história não tem sido gentil com aqueles que se envolveram na promoção exagerada das possibilidades oferecidas por esses partidos, minimizando os perigos do reformismo dentro deles2.

“Revolucionários e eleições”, de Joseph Choonara, publicado em International Socialism 179, é uma importante contribuição para um balanço europeu da experiência dos revolucionários que participaram de partidos mais amplos e trabalhos eleitorais nas últimas duas décadas3. Ele aponta corretamente para a pressão oportunista gerada pelo engajamento no trabalho eleitoral, bem como pela persistência da consciência reformista, listando exemplos dos muitos fracassos dos partidos mais amplos que já foram apontados como modelos para a esquerda europeia e internacional.

No entanto, a avaliação de Choonara é quase totalmente negativa. As lições que ele tira para os dias de hoje são absolutas, por exemplo, minimizando qualquer sugestão de que os revolucionários participassem de uma hipotética ruptura liderada por Jeremy Corbyn com o Partido Trabalhista britânico. Em vez disso, ele enfatiza a importância de simplesmente construir um partido revolucionário independente.

Essa abordagem parece equivalente a alguém listar todas as pessoas que se afogaram e concluir que é melhor evitar entrar na água. Uma resposta simples seria listar todos os grupos revolucionários que não participaram seriamente do trabalho eleitoral ou de partidos mais amplos nas últimas duas décadas. Muitos deles também não prosperaram exatamente.

Em vez de seguir esse caminho fácil, quero reequilibrar a avaliação de Choonara e argumentar contra a saída dos partidos amplos e do trabalho eleitoral. Há uma alternativa: aprender a nadar. Os socialistas revolucionários devem participar das eleições e das formações mais amplas com os olhos bem abertos para as armadilhas e perigos existentes, ao mesmo tempo em que procuram aproveitar as oportunidades que elas também contêm.

Meu argumento se baseia em uma visão de que os marxistas têm uma dupla tarefa hoje, porque estamos diante de uma tripla crise da consciência, organização e liderança da classe trabalhadora4. Devemos procurar ajudar a desenvolver novamente uma camada avançada da classe trabalhadora em termos de consciência e organização e, ao mesmo tempo, devemos construir uma força socialista revolucionária organizada. São tarefas interligadas.

Se nos lançarmos na construção do movimento mais amplo sem reunir e educar suficientemente as forças marxistas, fracassaremos em construir instrumentos suficientemente agudos para enfrentar e derrotar a classe capitalista. Por outro lado, se nos concentrarmos apenas em nossas próprias organizações revolucionárias, no recrutamento e na educação de nossos membros – sem também lutar para redesenvolver organizações mais amplas da classe trabalhadora, como sindicatos e partidos de massa – então ficaremos reduzidos a pequenas seitas isoladas.

Ao responder a Choonara, quero separar duas questões que estão entrelaçadas em seu argumento: revolucionários que atuam em partidos mais amplos e revolucionários que participam de eleições. Participar de eleições parece ser a razão predominante pela qual Choonara acredita que os revolucionários devem considerar a participação em formações mais amplas. No entanto, há muitas razões não eleitorais para participar de tais partidos. A participação em um partido mais amplo pode ser a melhor estratégia para ajudar a reconstituir o movimento operário mais amplo e, simultaneamente, construir uma organização marxista.

Ao avaliar a participação em partidos amplos, uma medida puramente quantitativa (a pergunta “os marxistas aumentaram ou diminuíram seu número de militantes através essa experiência?”) é insuficiente. É claro que aumentar nossa militância é essencial – serão necessários partidos revolucionários de massas para derrubar o capitalismo. No entanto, isso não é suficiente. Membros que atuaram na política para as massas, que podem falar para amplas camadas da população e têm prática em desafiar as ideias reformistas são vitais para a construção de quadros que sejam capazes de apresentar uma análise marxista não apenas em pequenos espaços, mas também em reuniões de massa, greves e protestos.

Eleições como uma arena crucial

Para muitos na esquerda socialista, a prática, e mesmo a teoria, da militância marxista não vai além da descrição de Lênin da atividade parlamentar como a “forma mais inicial de luta”5. Essa formulação é boa como diretriz geral – uma afirmação sobre a maior ênfase que os socialistas devem dar à autoatividade da classe trabalhadora, seja por meio dos sindicatos, movimentos sociais ou campanhas nos bairros. Esse sentimento é ainda melhor como uma ajuda para curar as feridas após um mau resultado eleitoral. No entanto, não é muito útil além disso. Na verdade, não é sequer um resumo preciso das opiniões de Lênin. A frase em si vem de um artigo em que Lênin argumenta não para rebaixar as eleições, mas sim para colocar um foco maior nelas.

Um trabalho importante foi feito recentemente por August Nimtz, um cientista político marxista nos Estados Unidos, ao descobrir a extensa escala dos escritos de Lênin sobre eleições6. “Lênin, Eleições e hegemonia socialista”, de Sean Mitchell, é ao mesmo tempo uma popularização e um desenvolvimento dessa obra. Mitchell vai além da ênfase tradicional dos socialistas revolucionários nas eleições e nas bancadas parlamentares como uma “plataforma” para difundir as ideias socialistas, propondo uma compreensão das eleições como uma “arena crucial para a formação da ‘vontade geral’: para o desenvolvimento de uma política de classe independente e a construção de uma contra-hegemonia socialista irreconciliavelmente revolucionária”7.

As eleições são importantes. Não são importantes porque as eleições parlamentares sejam a forma como o socialismo vencerá, mas sim porque estão no centro de como a maioria dos trabalhadores atualmente pensa que a mudança possa acontecer.

As eleições são importantes. Não são importantes porque as eleições parlamentares sejam a forma como o socialismo vencerá, mas sim porque estão no centro de como a maioria dos trabalhadores atualmente pensa que a mudança possa acontecer. Talvez desejássemos que não fosse esse o caso. Preferiríamos ter uma situação de lutas de massas e greves gerais, dentro da qual seria evidente que o poder dos trabalhadores poderia garantir mudanças fundamentais fora do Parlamento e das eleições. No momento, no entanto, há um nível geralmente baixo de consciência e de luta. Nessas circunstâncias, é claro que as eleições estão no centro de como a política é percebida pela maioria da classe trabalhadora.

Gostaria, no entanto, de ir ainda mais longe. Argumento que é provável que, em países com tradições parlamentares estabelecidas, as eleições continuem sendo muito importantes, mesmo em meio a um aumento significativo da luta e da consciência. Tomemos o exemplo da Grécia, que viu 33 greves gerais entre 2010 e 2015. Os movimentos sociais de massas surgiram em torno de uma ampla variedade de questões – desde campanhas contra o pedágio até o movimento das praças. Apesar de tudo isso, as eleições ainda eram muito cruciais para que as pessoas entendessem como uma mudança radical poderia ocorrer.

A defesa aberta do partido de esquerda radical Syriza de um governo de esquerda unida foi uma parte crucial de sua ascensão de menos de 5% para 27% dos votos em apenas três anos8. O fracasso do Syriza em concretizar a mudança que prometeu expressa fala de um fracasso do reformismo em geral e da política do europeísmo de esquerda em particular9.No entanto, não contradiz nem diminuiu a importância fundamental das eleições.

Se queremos dialogar com uma grande massa de pessoas, participar de eleições é uma maneira importante de fazê-lo. Melhor ainda é ganhar eleições, o que resulta em ter representantes locais e parlamentares revolucionários que podem usar seus mandatos como plataformas para ajudar a organizar a luta e popularizar as ideias socialistas.

Fazer eleições traz sérios perigos? Certamente. Choonara não está errado ao apontar que as eleições são um terreno difícil para os revolucionários. Nas próximas eleições gerais, o partido ecossocialista da Irlanda, People Before Profit – que represento no Dáil, o parlamento irlandês – enfrenta um desafio significativo de, por um lado, o ímpeto do Sinn Féin e, por outro lado, a relativa passividade da classe trabalhadora nos últimos anos.

As eleições absorvem energia. Elas exercem um impulso diretamente oportunista, porque dizer o que é de princípios pode resultar na perda de votos. Elas também exercem uma pressão organizacional para rebaixar o trabalho vital de educação marxista e da discussão em favor da conquista de votos. Choonara dá um bom exemplo disso quando escreve sobre o fato de as reuniões do Partido Socialista dos Trabalhadores na Grã-Bretanha serem interrompidas para “liberar” seus membros para o trabalho eleitoral durante o período, por volta da virada do milênio, quando atuava na Aliança Socialista10.

Ainda assim, qualquer trabalho sério de massas envolve perigos e pressões para o oportunismo. Isso vale para o trabalho sindical e de movimentos sociais, além de eleições. Assim ao se ter uma posição de autoridade, sofrem-se pressões oportunistas. Estas vêm tanto diretamente da classe capitalista, através de instituições como o parlamento e a grande mídia, quanto indiretamente, através de membros da classe trabalhadora que ainda não romperam com o “senso comum” da ideologia capitalista e tudo o que a acompanha.

No entanto, evitar esse trabalho não é resposta. Em vez disso, a resposta deve ser construir organizações revolucionárias capazes de resistir a essas pressões, auxiliadas por lideranças coletivas e membros com pensamento independente que possam controlar aqueles indivíduos que estão sob a pressão mais intensa para sucumbir ao oportunismo.

Partidos amplos são inevitáveis – devemos participar?

Um ponto forte do artigo de Choonara é sua ênfase na persistência da consciência reformista. A ideia de que a crise enfrentada pelos partidos social-democratas marcou o fim das ideias reformistas resultou em desorientação e erros estratégicos. É correto dizer, por exemplo, que o principal problema para o Novo Partido Anticapitalista (NPA; Nouveau Parti Anticapitaliste) na França foi o surgimento dos projetos reformistas de Jean-Luc Mélenchon e o fracasso do NPA em se relacionar adequadamente com esse novo fenômeno.
No entanto, se Choonara está certo sobre a persistência do reformismo, que pode continuar mesmo quando o sistema capitalista enfrenta uma crise profunda, então certamente vários tipos de ideias reformistas provavelmente serão um primeiro passo para muitas pessoas que sofrem radicalização. Partidos dentro dos quais ideias reformistas e centristas são influentes, ou mesmo dominantes, provavelmente emergirão de tais processos.

Para Choonara, as traições de promessas do Syriza e do Podemos parecem ser a prova de que os revolucionários erraram ao tentar fazer trabalho dentro dessas formações. No entanto, os marxistas podem entender que a traição é inerente ao reformismo e apreciar o poderoso efeito do que Leon Trotsky chamou de “ilusão criativa” (neste caso, a ilusão de que mudar a sociedade pode ser tão fácil quanto um partido reformista de massa ganhar uma maioria parlamentar) em trazer as pessoas para a atividade política11. A questão é se os marxistas podem se engajar de forma principista nesses partidos e crescer, qualitativa e quantitativamente, a partir de sua experiência dentro deles.

A experiência dos Anticapitalistas, grupo ligado à IV Internacional no Estado espanhol, aponta para as possibilidades. Sua decisão de ajudar a fundar a formação de esquerda radical Podemos foi ousada. No entanto, os anticapitalistas saíram corretamente do Podemos quando o partido entrou em um governo capitalista com a organização social-democrata tradicional do Estado espanhol, o Partido Socialista Obrero Español; PSOE). Como o próprio Anticapitalistas admite, cometeram erros ao longo do caminho – centralmente, o erro de subestimar o potencial para a rápida “bonapartização” do Podemos sob o líder Pablo Iglesias através da mídia12. No entanto, os anticapitalistas cresceram numericamente, em perfil público, em seu trabalho juvenil e em quadros experientes ao longo do processo.

De certa forma, o corbynismo foi um fenômeno exclusivamente britânico e a busca de uma alternativa de esquerda por novas camadas de socialistas ocorreu por meio do Labour, um partido social-democrata tradicional. No entanto, era uma expressão nacional ainda particular de um processo generalizado – uma tentativa de formar instrumentos políticos para servir aos interesses da classe trabalhadora. Trata-se de um processo que assume diferentes formas em diferentes países, refletindo, muitas vezes, as peculiaridades de seus sistemas eleitorais e tradições políticas nacionais.

As diferentes novas formações de esquerda, semi-massivas, dos Socialistas Democráticos da América nos EUA ao Die Linke (“A Esquerda”) na Alemanha, e da Aliança Verde Vermelha na Dinamarca ao Partido para o Socialismo e a Liberdade (conhecido como PSOL; Partido Socialismo e Liberdade) no Brasil – têm pontos fortes e fracos diferentes. Nenhum deles é um partido revolucionário. No entanto, em geral, são partidos dentro dos quais os revolucionários devem participar e, ao mesmo tempo, tentar construir organizações marxistas – tanto de forma independente quanto por meio desse trabalho em uma formação maior.

Aliás, múltiplas tendências operam dentro de todos esses partidos. Choonara, aparentemente refletindo a oposição tradicional do Partido Socialista dos Trabalhadores a “facções permanentes” (aparentemente significando facções que duram mais do que os três meses antes da conferência anual do partido) parece considerar isso como negativo. No entanto, é absolutamente inevitável que haja diferentes tendências de opinião dentro de partidos genuinamente amplos. Se essas diferentes tendências não forem facilitadas por meio da expressão política organizada – redes, reuniões ou plataformas – elas se expressarão de maneiras muito menos saudáveis: camarilhas e grupos de dirigentes.

A independência dos revolucionários

Perpassando o artigo de Choonara está a sugestão implícita de que, para construir uma organização revolucionária, é (quase sempre) necessário organizar-se externamente a qualquer partido não revolucionário amplo. Mas por que isso deveria ser assim?

É claramente necessário que os revolucionários sejam politicamente independentes das formações não revolucionárias. É necessário ter nossas próprias estruturas, dentro das quais os revolucionários possam discutir entre si com base em uma concepção marxista comum do mundo e com abordagens estratégicas amplas compartilhadas. É preciso ter uma dinâmica própria de formação política e buscar formar quadros marxistas. Também é necessário ter a capacidade de intervir de forma enérgica e independente quando a situação o exigir.

No entanto, os revolucionários podem fazer todas essas coisas ao mesmo tempo em que são membros de partidos mais amplos.

Exatamente como isso se dará depende das circunstâncias. Nos Socialistas Democráticos da América, é na forma de uma bancada como Reforma e Revolução13. People Before Profit ( Pessoas Antes do Lucro) é na forma de redes como a RISE e a Rede de Trabalhadores Socialistas. Dentro do Partido Trabalhista britânico, durante a década de 1980, foi a Tendência Militante, que declarou publicamente que era apenas um jornal, embora todos os seus membros e opositores soubessem que era uma organização revolucionária.

Não se trata de passar por cima da questão – de dizer que podemos ter tudo. Há complicações. Há tensões. Há pressões que se refletem em um milhão de questões organizativas e táticas diferentes.

Claramente, todos esses cenários também envolvem práticas diferentes. Ser um membro de um partido social-democrata burocrático é fundamentalmente diferente do que fazer parte de uma rede dentro de um partido ecossocialista democrático como o Pessoas Antes do Lucro. O primeiro envolve operar em território claramente hostil, o segundo significa operar em terreno amigável, com muito terreno compartilhado nas redes, discussão aberta da política e a construção conjunta do projeto.

Em qualquer caso, você pode obter o benefício de nadar em uma piscina maior – aprendendo com o ato de reconstruir politicamente o movimento operário e recebendo treinamento como revolucionários. Anteriormente, Alex Callinicos defendeu precisamente essa abordagem, afirmando: “É correto construir a esquerda radical em uma base ampla e aberta, mas dentro das formações resultantes os socialistas revolucionários devem se organizar e lutar por suas próprias políticas”14.

Precisamos de partidos revolucionários de massas. No entanto, não há uma linha reta de pequenos grupos de revolucionários comprometidos em direção a partidos de massa. No processo de um novo desenvolvimento de uma camada de vanguarda substancial dentro da classe trabalhadora é provável que novos partidos de esquerda importantes sejam construídos. Dentro dessas organizações, as ideias reformistas provavelmente terão uma presença considerável ou mesmo uma forte preponderância.

Em muitos países, a luta dentro desses partidos mais amplos, juntamente com a participação nos sindicatos e movimentos sociais mais amplos, será uma parte importante da construção de partidos revolucionários significativos.

Em muitos países, a luta dentro desses partidos mais amplos, juntamente com a participação nos sindicatos e movimentos sociais mais amplos, será uma parte importante da construção de partidos revolucionários significativos. Dado o estado de crise do capitalismo, em contraste com seu período de boom após a Segunda Guerra Mundial, esses partidos não serão formações estáveis como a social-democracia foi no passado. Rupturas sérias desses partidos podem fornecer forças importantes para a construção de partidos revolucionários de massa.

Pessoas Antes do Lucro

Onde está a formação da qual faço parte, Pessoas Antes do Lucro, em tudo isso? Um artigo de 2022 de John Molyneux, no qual Choonara se baseia, é uma descrição precisa do caráter atual de Pessoas Antes do Lucro – uma organização que é liderada por revolucionários e tem implantação modesta, mas real, na classe trabalhadora irlandesa15. Também é justo dizer que a conclusão de Molyneux – de que Pessoas Antes do Lucro é uma “organização de transição” – deixa talvez tantas perguntas quanto respostas.
Seria um erro para os revolucionários dentro de Pessoas Antes do Lucro assumir que estamos a salvo da pressão do reformismo porque a liderança está nas mãos de “revolucionários declarados”. A história do movimento socialista está repleta da experiência de revolucionários declarados agindo como tudo menos revolucionários.

Não há dúvida de que o Pessoas Antes do Lucro experimenta a pressão oportunista sobre a qual Choonara alerta. Debates agudos dentro do grupo parlamentar e na liderança ocorreram em torno da resposta à pandemia de Covid-19 e durante a fase inicial da invasão russa da Ucrânia. O slogan “Lutando pelos Trabalhadores e pelo Ecossocialismo” foi adotado após um animado debate na assembleia geral anual de 2022. Envolver-se de forma popular, mas baseada em princípios, com o clima de um governo alternativo liderado pelo Sinn Féin é o desafio central que enfrentamos hoje.

No entanto, em comparação com a maioria das formações amplas mencionadas acima, o Pessoas Antes do Lucro tem tomado posições consistentemente de princípio, baseadas no marxismo, sobre as questões-chave que emergiram – incluindo, mais recentemente, a investida israelense contra Gaza.

Da forma como está constituído, o Povo Antes do Lucro não é uma formação revolucionária. Como organização, ela não educa conscientemente as pessoas para serem marxistas – é mais amplo do que isso. Sua vida interna não é a de um partido revolucionário; tem uma ênfase no ativismo sobre a educação, embora esse desequilíbrio seja parcialmente compensado pela presença das três redes revolucionárias dentro do partido (a Rede Socialista de Trabalhadores, a RISE e a Rede Vermelha).

O caráter futuro de Pessoas Antes do Lucro é indeterminado e pode ser moldado por fatores objetivos em grande parte além do nosso controle. Atualmente, o espaço para um grande partido ecossocialista é restrito pela presença do Sinn Féin, que é uma força parlamentar dominante e é visto como líder da oposição da esquerda ao governo irlandês.

Se o Sinn Féin entrar no governo e depois inevitavelmente trair sua base de apoiadores simplesmente gerenciando o capitalismo mais espaço pode se abrir. Poderíamos ser confrontados com a possibilidade de um Povo Antes do Lucro mais amplo e muito maior, provavelmente com um polo reformista organizado e coerente, ou de uma iniciativa inteiramente nova com uma ala reformista significativa.

O Pessoas Antes do Lucro não é um modelo que pode simplesmente ser exportado internacionalmente. Há características particulares do panorama político irlandês e da esquerda irlandesa que eram condições necessárias para que a organização surgisse e se desenvolvesse no que é actualmente. Estes incluem o sistema eleitoral irlandês, que é baseado na representação proporcional, bem como a fraqueza histórica do stalinismo e do Partido Trabalhista como uma corrente política na Irlanda, e a presença relativamente substancial do trotskismo.

No entanto, há algumas lições que podem ser úteis internacionalmente. Uma delas é a noção de revolucionários engajados no trabalho de massas de maneira principista. A escolha não precisa ser entre a pureza revolucionária isolada e o trabalho reformista de massas. Os revolucionários podem se engajar no trabalho de massas, entrando em contato com a vida e as lutas de centenas de milhares ou milhões de pessoas.

Os marxistas, tanto do Comitê para uma Internacional dos Trabalhadores quanto das tradições da Tendência Socialista Internacional, lideraram repetidamente lutas de massas na Irlanda. Alguns destaques incluem: a luta bem-sucedida contra as taxas de água na década de 1990, que levou à eleição em 1997 de Joe Higgins como membro do Partido Socialista no Dáil, demonstrando ao resto da esquerda revolucionária que o sucesso eleitoral era possível; o Movimento Anti-Guerra Irlandês, liderado principalmente pelo Partido Socialista dos Trabalhadores (a organização antecessora da Rede Socialista dos Trabalhadores), que colocou mais de 100.000 pessoas nas ruas em 15 de fevereiro de 2003; e o bem-sucedido movimento de massas, iniciado em 2014, contra uma nova tentativa de impor tarifas de água, com repetidas mobilizações de 100.000 pessoas e um índice de pessoas que não pagavam de 73%.
Cada uma dessas campanhas de massas contribuiu para avanços eleitorais para a esquerda socialista. Por sua vez, as posições parlamentares foram utilizadas de forma extremamente eficaz para ajudar a organizar esses movimentos. Na prática, a luta extraparlamentar de massas liderada pela esquerda revolucionária tinha uma relação simbiótica com nossas campanhas eleitorais, e não que as duas se opusessem.

É claro que essas campanhas, e o trabalho eleitoral que as acompanhou, criaram pressões reais. Durante os debates dentro do Partido Socialista que resultaram na formação do RISE, a direção do Partido Socialista argumentou que muito trabalho de massas resultou em uma perda de foco na construção de um partido revolucionário. Embora essa avaliação contivesse um elemento de verdade, ela subestimava as consequências positivas do trabalho de massas, que tanto ajudou na reorganização de nossa classe quanto na formação de revolucionários em como colocar nossas ideias em prática.

Após a luta pelas tarifas de água, o Partido Socialista recuou no trabalho de massas. Acabou efetivamente com o Solidariedade, uma formação mais ampla, liderada pelo Partido Socialista, que tinha alguns paralelos com o Povo Antes do Lucro. Em contrapartida, a Rede Socialista de Trabalhadores decidiu continuar a colocar a tónica na construção de Pessoas Antes do Lucro. Consequentemente, apesar de o Solidariedade (chamado de Aliança Anti-Austeridade até 2017) ter uma maior visibilidade do que o Pessoas Antes do Lucro durante o movimento anti-tarifas de água, o Pessoas Antes do Lucro é agora claramente a força dominante na esquerda radical irlandesa.

Rosa Luxemburgo argumentou:

O proletariado requer um alto grau de educação política, consciência de classe e organização. Todas essas condições não podem ser preenchidas por panfletos e panfletos, mas apenas pela escola política viva, pela luta e na luta, no curso contínuo da revolução16.

O mesmo se aplica aos marxistas. O trabalho de massas baseado em princípios é parte indispensável do desenvolvimento de quadros revolucionários. Deve estar casado com a educação marxista e a discussão interna democrática.

Revolucionários precisam agir como revolucionários

Outra lição é que os revolucionários precisam agir como revolucionários. É claro que a pressão para não fazê-lo é grande. Consigo imaginar a pressão para apresentar uma política reformista que pesa sobre os membros do Die Linke no parlamento alemão. No entanto, não é apenas em partidos mais amplos e sobre parlamentares que essas pressões são exercidas sobre as pessoas. Qualquer trabalho sério de massas fora dos momentos revolucionários traz pressões significativas em direção ao oportunismo. O marxista mais ousado nas reuniões de núcleo de sua organização revolucionária pode parecer como um reformista padrão ao presidir ou discursar em um grande evento da frente única.

É claro que, como ativistas, muitas vezes temos papéis diferentes. Podemos ser delegados de base e r ativistas sindicais, organizadores de campanhas locais ou representantes políticos de um partido mais amplo. Precisamente a forma como apresentamos os nossos argumentos pode mudar. Fundamentalmente, porém, como revolucionários devemos agir e falar como revolucionários. Não podemos autocensurar-nos e limitar-nos ao reformismo em nenhum desses papéis. Em vez disso, em todos eles, deveríamos estar procurando elevar os horizontes das pessoas em direção a um reconhecimento da necessidade de uma mudança socialista.

Não o fazer não é apenas politicamente desonesto – é corrosivo. Em última análise, o ser social determina a consciência; se sua vida ativista envolve apresentar argumentos keynesianos, reformistas ou pacifistas, é provável que você se torne um reformista, apesar de pertencer a um partido revolucionário. Mais importante ainda, os membros do partido que o ouvem não serão treinados para apresentar argumentos socialistas de princípio em público.

O artigo de Choonara argumenta que os revolucionários devem ser abertos sobre sua política socialista, mas também sugere que eles devem se candidatar a eleições com um “‘programa mínimo’, propondo a luta de massas dos trabalhadores para alcançar reformas de longo alcance que comecem a pressionar contra a lógica do sistema capitalista”17.

Talvez isso seja apenas uma diferença semântica, mas eu diria que os revolucionários devem se posicionar a partir de um programa socialista. Isso incluiria tanto elementos de um “programa mínimo” – um salário-mínimo mais alto, impostos mais altos sobre as corporações, revogação de leis antissindicais e assim por diante – bem como demandas transitórias que não simplesmente empurram contra a lógica do sistema capitalista, mas vão além dela e envolvem a defesa aberta e a popularização da mudança socialista. Elas podem incluir a propriedade pública democrática dos principais sectores da economia e a retirada de alianças imperialistas como a OTAN.

Revolucionários e Corbynismo

Por fim, farei alguns comentários sobre o corbynismo, embora estes sejam feitos com um reconhecimento do meu distanciamento do assunto. O corbynismo foi, sem dúvida, um fenômeno entusiasmante. Literalmente, centenas de milhares de pessoas predominantemente jovens de esquerda se uniram ao Partido Trabalhista para apoiar Corbyn, e uma minoria deles se tornou ativista18. Dezenas de milhares compareceram aos comícios em apoio às campanhas eleitorais de Corbyn, e as seções locais laboristas estavam repletas.

Se alguém pensou que isso era principalmente um show secundário dos movimentos sociais e de lutas operárias que ocorriam fora do Partido Trabalhista, é justo dizer que o establishment político e econômico da Grã-Bretanha pensava sobre isso de forma muito diferente. Esse establishment travou uma guerra total para minar e, finalmente, derrubar Corbyn. A fraqueza da política reformista de Corbyn, e a política reformista daqueles que o cercavam, contribuíram significativamente para sua própria queda.

Se fosse possível aos socialistas revolucionários entrarem no Partido Trabalhista na altura do aumento da filiação por causa de Corbyn, não deveriam ter aproveitado essa oportunidade? Eles poderiam ter defendido Corbyn da direita do partido, apontando para as limitações de sua política – tanto seu reformismo quanto seu fracasso relacionado em desafiar decisivamente a ala direita do Partido Trabalhista. Poderiam ter direcionado os novos membros do Partido Trabalhista para a participação na luta fora do partido, bem como na luta dentro dele.

Choonara aponta corretamente que não houve “nenhuma ruptura organizada substantiva com o laborismo após o corbynismo”19. No entanto, as centenas de milhares de pessoas que se filiaram ao Partido Trabalhista para apoiar a visão radical de Corbyn ficaram profundamente desencantadas com a contrarrevolução liderada pelo atual líder do partido, Keir Starmer. De fato, um grande número aparentemente já abandonou o Partido Trabalhista20.

No entanto, Choonara trata a perspectiva de Corbyn romper com o Partido Trabalhista como um assunto sem significado considerável. Seu conselho é que os revolucionários devem “oferecer apoio e fazer campanha para candidatos de esquerda confiáveis como um destacamento independente dos socialistas revolucionários, não com o objetivo principal de formar uma organização comum com os reformistas voltada principalmente para o trabalho eleitoral”21.

Ele alerta para o perigo de um trabalho eleitoral sério se tornar um substituto de “outras formas importantes de atuação, particularmente desenvolvendo iniciativas embrionárias de base no movimento grevista e combatendo a ameaça do racismo e da extrema direita”22. Não se trata de uma falsa contraposição?

Se uma ruptura liderada por Corbyn com os trabalhistas se tornasse eleitoralmente bem-sucedida, isso provavelmente daria um impulso aos movimentos sindicais e sociais, com um aumento da confiança estimulando-os. Crucialmente, para os marxistas, permitiria a ação direta e o trabalho conjunto em um partido comum com milhares, se não dezenas de milhares de ativistas de esquerda. Seria uma oportunidade para mostrar na prática a superioridade das ideias revolucionárias sobre o reformismo.

Claro, teria sido muito melhor se Corbyn tivesse dado esse passo em muitos pontos diferentes nos últimos quatro anos. No entanto, se Corbyn estiver disposto a lançar um partido independente e a fazer campanha com outros antes da próxima eleição, essa seria uma perspectiva genuinamente empolgante. Seria mais do que um mero projeto eleitoral; talvez também pudesse ser um espaço para dezenas de milhares de pessoas que foram politizadas pelo fenômeno Corbyn, permitindo-lhes reagrupar-se, manter-se ativas e aprender.

Se os revolucionários têm a oportunidade de estar na base, com o direito de manter a sua organização e publicações e de defender a sua política, não faria sentido fazê-lo? É difícil evitar pensar que, tendo sido queimada pela experiência de trabalhar com George Galloway no malfadado partido Respect, a liderança do Partido Socialista dos Trabalhadores corre o risco de perder uma oportunidade.
No entanto, Corbyn, apesar de todos os seus defeitos, não é Galloway. Sua política reformista de esquerda é consistente, e ele tem um longo histórico de oposição à opressão. Isso não quer dizer que não haveria tensões e conflitos com Corbyn em um partido conjunto. Tais fissuras estariam enraizadas na diferença entre as estratégias de reforma e revolução e na natureza em crise do capitalismo, que declina para a barbárie.

Tal projeto conteria perigos para quaisquer forças revolucionárias envolvidas. Seria, sem dúvida, mais simples continuar a construir um partido revolucionário independente. No entanto, se quisermos conseguir reunir as forças marxistas treinadas necessárias para derrubar o capitalismo, precisaremos ser capazes de navegar nessas águas traiçoeiras. Temos de reunir organizações capazes de se empenhar em partidos amplos e num trabalho eleitoral sério, ao mesmo tempo que resistem às pressões oportunistas que elas trazem.

Paul Murphy TD é membro do parlamento irlandês da Pessoas Antes do Lucro e parte da rede RISE.
Notas
1 Alguns dos principais trabalhos desse debate incluem: Rees, 2002; SILVA, 2003; SILVA, 2004; Calinicos, 2004; e Sabado, 2004.
2 Durante esse debate, Murray Smith, um membro-chave do Partido Socialista Escocês, consistentemente minimizou a importância da distinção entre revolucionários e reformistas. Ele argumentou, por exemplo, contra a ideia de uma “polarização inevitável entre revolucionários e reformistas” dentro de partidos amplos. Ver Smith, 2004.
3 Choonara, 2023.
4 Para uma leitura mais aprofundada sobre o conceito de “dupla tarefa”, ver Ní Cheallaigh e Murphy, 2020; MAIS: Marxistas Organizando para o Ecossocialismo Revolucionário, 2023.
5 Lênin, 1974.
6 Nimtz, 2019.
7 Mitchell, 2021, p. 75.
8 O Syriza recebeu 4,6 por cento nas eleições legislativas de Outubro de 2009. Este número subiu para 16,8% em maio de 2012 e 36,3% nas eleições de janeiro de 2015, após as quais o Syriza formou governo.
9 Murphy, 2016.
10 Choonara, 2023, p. 61.
11 Para um engajamento esclarecedor com a noção de “ilusão criativa”, particularmente em relação ao apoio do Partido Socialista dos Trabalhadores dos EUA à chamada Emenda Ludlow (que tornaria qualquer declaração de guerra do Congresso dependente de um referendo nacional), ver Breitman, 1975.
12 Garí, 2020.
13 Ver https://reformandrevolution.org
14 Calínicos, 2008.
15 Molyneux, 2022.
16 Luxemburgo, 1925.
17 Choonara, 2023.
16 Whiteley, Poletti e outros, 2019.
19 Choonara, 2023, p. 49.
20 Em agosto de 2023, The Independent informou que o Partido Trabalhista perdeu 125.000 membros desde as últimas eleições gerais – veja Stone, 2023.
21 Choonara, 2023, p. 77.
22 Choonara, 2023, p. 77.
Referências
Breitman, George, 1975, The Liberating Influence of the Transitional Program: Three Talks, SWP Discussion Bulletin, volume 33, number 5 (June)
Callinicos, Alex, 2004, “The European Radical Left Tested Electorally?”, International Socialist Tendency, Discussion Bulletin, number 5 (July),
Callinicos, Alex, 2008, “Where is the Radical Left Going?”, International Socialism 120 (autumn)
Choonara, Joseph, 2023, “Revolutionaries and Elections”, International Socialism 179 (summer),
Garí, Manuel, 2020, “Radiance and Sunset of Podemos—Reasons for a Farewell”, International Viewpoint (16 September),
Lenin, Vladimir Ilych, 1974 [1909], “The Faction of Supporters of Otzovism and God-building”, in Collected Works (Progress), volume 16
Luxemburg, Rosa, 1925 [1906], The Mass Strike, the Political Party and the Trade Unions (Marxist Educational Society of Detroit)
Mitchell, Seán, 2021, Lenin, Elections and Socialist Hegemony (Rebel)
Molyneux, John, 2022, “What is People Before Profit?”, Irish Marxist Review, volume 11, issue 32,
MORE: Marxists Organising for Revolutionary Ecosocialism, 2023, “A Triple Crisis and a Dual Task”
Murphy, Paul, 2016, “New Movements, Old Dilemma—Reform or Revolution Today”, Socialist Party (Ireland) (13 January)
Ní Cheallaigh, Jessy, and Paul Murphy, 2020, “By the Fight and in the Fight: The Tasks Facing Revolutionary Socialists Today”, Rupture 1
Nimtz, August, 2019, The Ballot, the Streets—or Both: From Marx and Engels to Lenin, and the October Revolution (Haymarket).
Rees, John, 2002, “The Broad Party, the Revolutionary Party and the United Front”, International Socialism 97 (winter)
Sabado, François, 2009, “Building the New Anti-capitalist Party”, International Socialism 121 (winter)
Smith, Murray, 2003, “The Broad Party, the Revolutionary Party and the United Front: A Reply to John Rees”, International Socialism 100 (autumn)
Smith, Murray, 2004, “The European Elections and the Anti-capitalist Left”, International Viewpoint (9 December)
Stone, Jon, 2023, “Labour Membership Down 125,000 Since Last General Election, Accounts Show”, Independent (24 August)
Whiteley, Paul, Monica Poletti, Paul Webb and Tim Bale, 2019, “Oh Jeremy Corbyn! Why Did Labour Party Membership Soar After the 2015 General Election?”, British Journal of Politics and International Relations, volume 21, issue 1

Original em https://isj.org.uk/learning-to-swim/