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EDITORIAL

Eleições nos EUA: Entre o pessimismo da razão e o otimismo da vontade

Por: Gabriel Santos, de Penedo, AL

Trump venceu. Repetir estas palavras ainda causam um desconfortante eco. É só dizer, ou ouvir um “Trump venceu”, que o estômago logo embrulha e uma angústia toma conta do corpo. Não sou só eu quem tem esta sensação. A maioria dos negros, mulheres, LGBTs, latinos, árabes, imigrantes deve estar sentindo o mesmo. Não é por menos.

Os Republicanos voltam à Casa Branca. Donald Trump é o 45° presidente do Estados Unidos. Sim, aquilo que considerávamos improvável aconteceu. Trump venceu. Mas, e agora? Acho que esta é a pergunta que após acalmado os ânimos todos se fazem. Afinal, o que fazer? O que representa a vitória de Trump?

Primeiro, devemos falar o óbvio. A onda da luta de classes não está a nosso favor. Admitir este fato que está na nossa frente, não vai te fazer, ou deixar sua organização mais fraca. Mas, é um passo importante para uma política mais acertada. Só conseguiremos atuar de forma correta, se fizermos uma análise próxima daquilo que é a realidade.

A vitória de Trump, o avanço da direita em toda a América Latina, a derrota da Primavera Árabe, o crescimento espantoso da direita xenófoba e conservadora na Europa, o golpe parlamentar aqui no Brasil, o abandono de um projeto estratégico de superação da atual sociedade evidenciam que não estamos às portas de uma Revolução. Aquilo que bate diariamente nas portas da classe trabalhadora é a retirada de direitos. Nos encontramos na defensiva.

Fazer política nesta etapa mais defensiva da luta de classes não é uma noite eterna que nunca vai passar. É como entrar em um quarto escuro. Assim que entramos em um ambiente escuro não conseguimos enxergar bem, mas, após um tempo, nossos olhos se adaptam ao ambiente. Podemos dizer que assim é fazer política no atual momento. Não adianta ficarmos nervosos, ou espernearmos. Temos que ter calma e tentar nos adaptar ao que pede a conjuntura.

O próximo passo é retirar dos olhos o véu do pessimismo, ou do otimismo. Podemos estar tristes, cabisbaixos, ou alguns em êxtase por achar que agora veremos uma revolta no coração do Império. Análises políticas baseadas em sentimentos nunca são boas, costumam deixar as coisas turvas. A vitória de Trump não é o fim do mundo, ainda não precisamos comprar as passagens para Marte.

Os ventos que sopram do Leste Europeu após a queda dos Estados Operários deformados são frios, mas ainda não estamos em uma era glacial. O pessimismo tomou conta da imensa maioria dos que lutam para transformar esta sociedade. Estes que me perdoem, mas não dá para fazer política com base no pessimismo. Enquanto o otimismo desenfreado nos cega pelo olho direito, pois impede de vermos o avanço da burguesia, o pessimismo em excesso nos cega pelo esquerdo, pois não deixa ver as contradições e os espaços positivos deixados na realidade.

O que significa a vitória de Trump?
O novo presidente norte-americano é um xenófobo, machista, LGBTfóbico, racista. Sua política econômica baseada em um isolacionismo do país e sua política externa de militarização e aproximação da Rússia vão abalar os mercados financeiros e a geopolítica mundial.

A vitória de Trump no campo da política é, em si, extraordinário. Ele não era o candidato favorito do sistema financeiro, dos meios de comunicação e das grandes corporações. Como este magnata conseguiu vencer as eleições do país mais poderoso do mundo?

Fazer uma análise de que Trump venceu por seu discurso de ódio é algo impreciso. Não temos como saber o peso do conservadorismo nos votos destinados a Trump, mas este não foi o fator principal. O central foi que ele conseguiu canalizar as frustrações e incertezas dos norte-americanos no atual cenário de crise.

Trump se colocou como um candidato contrário ao atual modo de fazer política. Sua adversária Hillary representa a família mais tradicional da política norte-americana, os Clinton.

Tump venceu porque seu discurso populista pela direita conseguiu convencer. Seus discursos contrários à desindustrialização, contra o desemprego, contra a globalização, contra o fechamento de fábricas conseguiram tocar no essencial da vida do cidadão americano. Cidades industriais como Detroit, Buffalo ou Saint Louis viraram verdadeiras cidades fantasmas e cemitérios de fábricas. Trump venceu nos quatro estados do cinturão industrial, Michigan, Ohio, Pennsylvania e Winsconsin, que, em 2012, depositaram os votos na candidatura do Partido Democrata.

A vitória de Trump é uma expressão da crise política e econômica pela qual passa os Estados Unidos. Foi uma resposta do desgaste do regime político americano, uma negativa do modo tradicional de fazer política. Ao aparecer como um candidato antipolítica e responder aos medos do trabalhador e do cidadão médio americano sobre desemprego e questões econômicas, conseguiu criar as bases para seu triunfo. Trump canalizou e respondeu aos problemas norte-americanos pela direita, com uma visão populista conservadora.

Uma alternativa à esquerda faz falta
É sempre bom repetir a velha máxima de que na política não existe espaço vazio. O fato de Trump ter conseguido capitanear pela direita um sentimento existente de mudança, mostra que faltou uma alternativa contra hegemônica, uma alternativa de esquerda para combater o discurso conservador do candidato Republicano.

Com o acirramento da crise econômica e política existe um acirramento das disputas entre os projetos, entre as classes. A tendência é um crescente radicalismo tanto pela direita, quanto pela esquerda. Será vencedor aquele bloco que conseguir melhor se posicionar, se articular, trazer para seu lado aliados e convencer os trabalhadores. A esquerda deve abandonar a ideia de que, com o acirramento da luta de classes, os trabalhadores virão para seu lado por geração espontânea. Temos que combater a ideologia dominante, o avanço da direita, o atraso em nossa organização e conseguir apresentar um projeto anticapitalista que atraia a classe para que se coloque em luta pela sua missão histórica.

Hillary era uma alternativa?
Trump representou essa radicalização à direita. Sua adversaria, Hillary, é digna de um parágrafo. Sua candidatura não representou nada de progressivo. Ela representou a política externa americana. Representa o genocídio Imperialista que deixou mares de sangues nas ruas da Líbia, Síria, Iraque. Conseguiu atrair o medo de setores oprimidos, como da maioria do movimento feminista. Ainda assim, Hillary não apresentou nenhuma proposta para melhorar a vida das mulheres, negros e LGBTs norte-americanos, tão atacados pelo neoliberalismo. É importante colocar que a mera defesa das pautas democráticas, sem estarem aliadas a um projeto de poder para os trabalhadores, são insuficientes, não vão passar de letras em papéis e leis.

Uma candidatura mais à esquerda foi apresentada nas prévias do Partido Democrata por Bernie Sanders. Sanders não passa de um socialdemocrata. Porém, sua candidatura sacudiu durante meses não só o Partido Democrata, mas toda Wall Street e os Estados Unidos. Uma candidatura construída de forma independente, nas ruas e na militância. No seio do imperialismo, um candidato que se reivindica socialista conseguiu impulsionar nas urnas a luta dos movimentos sociais. Porém, no fim, Sanders recuou. Acabou apoiando a candidatura de Hillary, jogando fora a expectativa de milhares de jovens e de trabalhadores que apoiaram sua campanha.

Mobilizações contra Trump já começaram
A vitória de Trump não vai pôr fim à crise de representatividade do sistema político norte-americano. E não acena que vai amenizar a crise econômica. Trump foi o candidato mais odiado da história das eleições americanas. Esta rejeição à sua figura veio expressivamente entre os jovens. Mais da metade dos jovens que foram às urnas anunciaram que “nem Hillary, nem Trump os representam”. De acordo com pesquisa da Universidade de Harvard, 62% dos jovens anunciam que existem formas melhores de mudar a realidade do que através do voto. Um claro exemplo do desgaste da democracia dos ricos.

A geração que impulsionou o Occupy Wall Street e o Black Lives Matter não vai aceitar um presidente como Trump. Desde que foi anunciada sua vitória, as ruas de diversas cidades americanas foram tomadas aos gritos de “Foda-se Tump”, “Não é o nosso Presidente”, “Trump é um palhaço, derrubem esse filho da puta”, “Queremos algo melhor“.

A juventude vai às ruas exigir respostas. Não vai existir estabilidade no Império por um bom tempo. Logo, é preciso que a esquerda saiba dar respostas. A tarefa imediata parece ser organizar um partido anticapitalista que aglutine o desejo de mudança de toda uma geração. Que dispute o discurso de como superar a crise numa perspectiva de esquerda. A tarefa, tanto nos Estados Unidos, quanto aqui no Brasil e em diversos locais do globo, é se reorganizar. Organizar um partido para representar e impulsionar a luta dos 99%.

Diante de Trump e do cenário da luta de classes mundial, o pessimismo parece tomar conta. Apesar da vontade que temos de resistir e de irmos incansavelmente às ruas, da vontade que também expressam trabalhadores e demais setores atacados pelo neoliberalismo, encontramos barreiras como o atraso da consciência de classe, o discurso de fim da história, de que não existe outra alternativa. Disputamos para, cada vez mais, não desistirmos de colocar em campo nosso projeto histórico da construção de uma sociedade socialista.

É tempo de repetir o dito por Gramsci “É preciso atrair violentamente a atenção para o presente do modo como ele é, se se quer transformá-lo. Pessimismo da razão, otimismo da vontade”.