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BRASIL

28 anos da Constituição Federal: parabéns para quem?

Brasília – DF, 05/10/2016. Presidente Michel Temer durante visita protocolar ao Supremo Tribunal Federal pela data de Aniversário da Constituição Federal. Foto: Beto Barata/PR

Por: Lorena Scaldaferri, de Salvador, BA e Luana Groppo, de Juiz de Fora, MG

No ultimo dia 5 de outubro, a nossa Constituição Federal completou 28 anos de existência, e como presente de aniversário, o seu guardião, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou validade à garantia individual da presunção de inocência e da segurança jurídica, ao permitir a execução antecipada da pena.

Em outras palavras, quer dizer que o indivíduo pode ser declarado culpado, e preso, sem que todos os meios de defesa possam por ele ser utilizados, significando um total retrocesso dos direitos básicos adquiridos com a Constituição Federal de 1988.

A nossa Carta Magna foi elaborada e votada logo após tempos sombrios de Ditadura Militar, tempos esses em que não se eram reconhecidos e nem respeitados os direitos individuais e dos trabalhadores. Tendo a Constituição exatamente o propósito de garantir direitos até então não reconhecidos e, apesar de sua elaboração não ter tido a participação dos trabalhadores e de ser ainda uma lei da burguesia, era a nossa maior vitória no campo jurídico de defesa de direitos sociais.

O que temos hoje na atual conjuntura é exatamente o retorno dos tempos sombrios vividos na ditadura. Massacres como o do Carandiru impunes, abrindo espaço para a não responsabilização de Policiais Militares sob o argumento da legítima defesa, uma lei antiterrorismo que compara atividade legítima de manifestação contra o governo a ato terrorista e, mais uma vez permite que a polícia use de sua força de maneira desproporcional sob o argumento de estar se protegendo.

Nesse sentido, é nítido o caráter racista da PM, com sua ação genocida e a conivência dos governos ditos progressistas que preferem se calar diante da violência racista.

Tendo todo esse panorama constitucional e social, no dia de seu aniversário, aquele que deveria resguardar para que os princípios constitucionais fossem respeitados e estivessem acima da tirania do Estado, decide de forma extremamente apertada pelo fim da presunção de inocência, princípio basilar da atividade Penal e coercitiva do Estado.

Tal decisão nos leva a dois problemas muito pouco enfrentados e muito graves. O primeiro deles é referente à seletividade do nosso sistema jurídico-penal, sabemos que mais de 50% da população carcerária hoje no Brasil é de negros, jovens e de baixa renda, que não possuem nenhum tipo de acesso à assistência judiciária gratuita, o que acaba inviabilizando sua defesa. Outro grande problema é o do volume gigantesco de presos definitivos que temos hoje e das condições de encarceramento. Vale dizer que o Brasil é um dos países com a maior população carcerária do mundo.

O argumento do STF em tal decisão foi para acelerar a prisão em processos como o da Lava Jato, no entanto é notório que tais personagens nesse processo estão sendo defendidos por corpo jurídico de expressão, tendo total condição de não cumprirem.

A referida decisão irá sim atingir milhares de pobres e negros, clientes preferenciais do sistema. Estes sim serão os mais prejudicados, e não os que cometem crimes de “colarinho branco”, como argumenta o STF.Acreditar nisso é hipocrisia.

Tão grave quanto, é argumentar que as decisões de segunda instância são definitivas no que se refere à aplicação da pena, já que dados do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIN) mostram que a redução da pena e a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito ocorre sim nos julgamentos feitos pela terceira instância, e isso não pode ser ignorado.

Por fim, pode-se dizer que essa decisão faz parte de um pacote de ataques aos direitos dos trabalhadores, como por exemplo, a PL4330 (terceirização), a PEC da educação e a Reforma da Previdência, sendo uma total afronta a toda classe trabalhadora, que tanto lutou e vem lutando para ter seus direitos reconhecidos.

*Lorena e Luana são advogadas

Foto: Beto Barata/PR