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Quociente eleitoral: como Amanda Gurgel não foi eleita?

Por: Bruno Figueiredo, de São Paulo, SP

O fato de Amanda Gurgel ter sido a segunda mais votada de Natal e não ser eleita, reabre o debate sobre o quociente eleitoral. Este debate é complexo, pois passam os diversos sistemas eleitorais, a temática da reforma política e as táticas dos revolucionários diante das eleições. Não seria possível abordar todos os temas num só fôlego. Portanto, vamos primeiro entender como é o sistema eleitoral brasileiro e como funciona em outros países.

Inicialmente, cabe observar que a ‘Justiça’ eleitoral é uma criação da ditadura Vargas. Já o código eleitoral foi criado em 1965, para legitimar a ditadura.

No Brasil existe um sistema eleitoral que supostamente seria baseado na proporcionalidade. Entretanto, existe uma barreira na proporcionalidade, que é o quociente eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro é único. Em outros países o sistema se divide em voto em lista e o voto no candidato.

Nos países onde há o voto no candidato em geral há a divisão do país em distritos, havendo uma eleição majoritária por distritos. Como é o modelo anglo-saxão.

Nos países onde há voto proporcional, o eleitor vota numa lista de candidatos do partido. Podendo, em alguns casos, como na Bélgica, mudar a ordem estabelecida na lista, sendo chamada a lista flexível.

Antes de analisar os demais modelos, cabe explicar mais afundo o modelo brasileiro. No Brasil, o eleitor supostamente votaria primeiro no partido, os dois primeiros dígitos referem-se ao partido, e depois indicaria o candidato. Na prática, o eleitor vota na pessoa. O cálculo do quociente eleitoral se dá da seguinte forma: soma-se o total de votos válidos em uma eleição, divide-se pelo número de cadeiras parlamentares em disputa, e o resultado é o quociente eleitoral.

Tomemos por base os números de Natal em 2016. O total de votos válidos foi de 364.954. Estavam em disputa 29 vagas. Deste modo, o quociente eleitoral seria de 12.585 votos.

As vagas numa primeira distribuição são divididas entres os partidos, somando-se os votos de todos os seus candidatos e o voto na legenda partidária. Com base nessa primeira rodada, só concorrem os partidos que atingirem o quociente eleitoral. Numa segunda rodada de distribuição de vagas são distribuídas as ‘sobras’. Aqui reside um problema de uma barreira antidemocrática. Pois estas sobras não levam em conta os partidos que não atingiram o quociente.

Isso por si só aponta para o fato de que não se trata de proporcionalidade direta. Ou seja, se levarmos em conta que cada vaga que se está em disputa, o vereador para ser eleito bastaria ser o escolhido pela maioria dos eleitores de uma vaga. De modo que na prática, o quociente eleitoral, numa proporcionalidade direta, seria da metade do número de votos.

Por outro lado, da forma como se dá a eleição, o eleitor nem sabe na chapa em que está votando. São inúmeros os casos em que um eleitor vota no primo e seu voto serve para eleger alguém que ele nem sabe quem é.

Cabe então, aqui, o debate sobre o voto nominal. De um lado, o voto nominal gera uma despolitização. Pois passa a se votar em pessoas e não em ideias. Nos países onde há o voto distrital, o parlamento não representa a pluralidade política. Passando apenas a representar os blocos majoritários. Por exemplo, uma candidatura que tenha como bandeira o combate ao racismo, ou tenha foco na LGBTfobia, teria votos espalhados em vários distritos. Mas, talvez não pudesse sozinha se concentrar em um único distrito. Isso restringe a democracia, pois restringe a pluralidade política.

Já a lista fixa também tem problemas. Pois concentra nas máquinas partidárias o poder de escolher a ordem da lista. Portanto, parece mais apropriado que existam mecanismos de uma lista flexível. Onde o eleitor vota no Partido, e pode separadamente mudar a ordem da lista apresentada pelo partido.

Diante do caso específico de Natal neste ano bastaria garantir a proporcionalidade direta. Ou seja, Amanda obteve 8 mil votos, portanto mais da metade do quociente, de modo que por si já teria que ocupar uma vaga no parlamento. Pois a maioria dos eleitores de uma das vagas a escolheu como a sua vereadora.

Existem outros temas relevantes que pretende-se abordar mais adiante. Tais como o projeto de reforma política da burguesia e a forma como a tradição marxista encara as variantes táticas e a legislação eleitoral burguesa. Mas ficam para outra ocasião.

*Bruno Figueiredo é advogado atuante na área de Direito Eleitoral e Trabalhista.

Foto: Reprodução Facebook