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MUNDO

Portugal: a poucos dias das eleições, derrotar as direitas e abrir caminhos à esquerda

Rebeca Moore e Manuel Afonso, de Portugal

A 10 de Março de 2024 ocorrem, em Portugal, eleições legislativas que irão eleger os 230 deputados e deputadas para a Assembleia da República. Estas eleições acontecem, regra geral, de quatro em quatro anos. Contudo, dois anos após as eleições que deram ao Partido Socialista (PS) a maioria absoluta (2022), Portugal enfrenta um novo ciclo eleitoral. É a segunda vez consecutiva que as eleições são antecipadas por decisão do Presidente da República. Em 2022 a antecipação foi fruto do chumbo do Orçamento de Estado, agora resulta da demissão do primeiro ministro português, António Costa, após uma operação do Ministério Público (operação Influencer), que associou o primeiro ministro a supostos casos de corrupção relacionados à suposta transição energética (exploração de lítio, produção de energia através de hidrogénio) e com um projeto de construção de um centro de dados. Ainda que o Primeiro-Ministro não tenha sido constituído arguido e vários dos fundamentos da operação se tenham rapidamente revelado frágeis, esta culminou na demissão de uma Governo já há muito acossado por um cerco mediático e com cada vez menos sustentação popular devido às suas políticas subservientes ao grande capital. Este caso marca o protagonismo político do poder judicial, que se expande em Portugal como em vários outros países (Brasil, por exemplo, com a perseguição ao PT), e que contribui para uma polarização à direita e para um reforço das instâncias menos escrutináveis do Estado na vida política nacional  – o que não augura nada de bom para a esquerda e para a nossa classe.

Inaugura-se um novo momento político

O ciclo político em Portugal mudou. Após um período de alguma estabilidade e recuperação dos cortes do governo de direita (para o qual a esquerda foi decisiva), vindos do período da troika, o PS viveu de crise política em crise política. Esta instabilidade política combinou-se com um aprofundamento da crise económica – à qual o PS optou por não responder a favor dos interesses de quem trabalha –, um cenário de guerra e o fortalecimento da extrema-direita, erodindo cada vez mais a base social do Governo. No início de 2023 escrevíamos que esta conjunção de fatores poderia resultar numa crise política inesperada a qualquer momento. De facto, tal verificou-se.

A direita tradicional (Partido Social Democrada e CDS-PP) foi duramente castigada pelo período da troika, mas ganhou nova dinâmica no cenário de crise atual, colocando-se agora possibilidade de ultrapassar o PS. Para mais facilmente contonrar a má-memória dos seus governos, vai a votos mascarada com a sigla AD – “Aliança Democrática”. Desesperada para ocupar novamente o governo, segue a tendência de direitização da política, com a proliferação de negacionismos, do aumento do ódio racista e do discurso antiesquerda e antissocialista, ao mesmo tempo que procura, ao centro, capitalizar o descontentamento com o PS.

Por isso, há um grande perigo de nos defrontamos novamente com um governo de direita em Portugal, mas desta vez com uma particularidade muito grave. Desde 2019, que assistimos ao crescimento e à consolidação de um partido neofascista, o Chega através da figura de André Ventura que, vindo do PSD e lançando-se a solo com uma campanha racista contra a comunidade cigana, foi eleito para o Parlamento em 2019 e, em 2022, compôs uma bancada parlamentar com 12 elementos (7,18% dos votos). O seu crescimento acelerado fica visível nesta campanha eleitoral e prevê-se que possa dobrar o resultado de 2022 ou até mais. Sabemos que o neofascismo é encabeçado pelo Chega, mas não fica por aqui. Abrange setores da comunicação social, da classe empresarial e possui uma influência organizada nos sistemas judicial e policial, refletida na cooptação dos sindicatos policiais, além de englobar uma rede de grupos e personalidades de diversas orientações, que ganham cada vez mais destaque, visibilidade e apoio público. As polícias, por exemplo, não se têm inibido de realizar manifestações e greves ilegais durante a campanha, chegando até a insinuar, através dos seus dirigentes “sindicais” a possibilidade de boicote às eleições. O Chega está assim na ofensiva, ambicionando conquistar posições num futuro governo. Propõe suprimir direitos e promete ataques às liberdades e aos direitos sociais, uma vez no poder. Esta agregação representa a força mais ativa e perigosa dentro do contexto nacional. A direita tradicional, nomeadamente a AD, tem uma política errática face ao Chega. Após um longo período de ambiguidade e da confirmação de uma aliança regional nos Açores, o líder da AD, Luís Montenegro, veio assegurar que não fará alianças com o partido neofascita. Esta opção é mais tática – para se apresentar como única alternativa ao PS e tentar captar o voto útil à direita e – do que de princípio, já que não hesitam em abraçar os temas e o discurso do Chega, ao mesmo tempo que várias lideranças da AD defendem alianças com a extrema-direita.

A possibilidade de virar o jogo ainda existe 

Embora a direita cresça e o neofascismo se consolide, sabemos que muitos e muitas ainda têm reservas sobre o projeto da direita (e do neofascismo) para o país. Aliás, em 2022 o voto útil contra a direita, que acabou por dar maioria absoluta ao PS, foi prova disso. Contudo, o cenário para a esquerda está complicado. As sondagens indicam um recuo das nossas forças e é essencial reconhecer que há um risco real de que o desencanto com o PS por parte daqueles que nele votaram perante a (suposta) ameaça da direita não seja automaticamente capitalizado pela esquerda, mas antes leve ao desalento ao mesmo tempo que se mantém alguma tendência ao voto útil. Porém, nada está ainda definido. Tudo indica haver uma grande fatia de indecisos que podem ser mobilizados à esquerda, sobretudo mulheres, e os últimos dias de campanha serão decisivos.

A campanha do Bloco contra a direita e o capital 

O Bloco de Esquerda definiu dois grandes objetivos para estas eleições: contribuir para derrotar a direita e reforçar a sua votação para impor ao PS políticas em defesa dos trabalhadores num âmbito de uma maioria parlamentar de esquerda. Assim, lançou-se numa campanha pela “vida boa”, ideia que busca unificar a luta por direitos sociais com o combate ao neofascismo e à ideologia racista e xenófoba que esta veicula. A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, defendeu, ao longo desta campanha, que é necessário virar a página da maioria absoluta do PS para resolver as crises, demonstrando que a direita só tem retrocessos para oferecer e que o voto no Bloco é essencial para uma maioria de esquerda que salve o SNS, garanta habitação digna, combata o racismo e assegure liberdade de escolha para as mulheres. Assim, o voto no Bloco de Esquerda fortalece a construção de “uma maioria para mudar o país e virar a página da maioria absoluta”. Esta definição tem permitido ao Bloco e à sua porta-voz protagonizarem o combate à direita e ao neofascismo – conseguindo até colocar no centro da campanha a questão do financiamento empresarial da extrema-direita, colocando pela primeira vez o Chega na defensiva. Mas, ao mesmo tempo, não tem feito vista grossa ao balanço negativo da governação do PS, nomeadamente atacando os grandes interesses capitalistas na habitação e na saúde privada, assim como a compressão dos salários e direitos laborais, que o Governo fomentou. Uma orientação correta que, independentemente do resultado eleitoral, permite ao Bloco encarar o próximo ciclo político como força destacada da esquerda e principal oponente das direitas.

As eleições e as lutas: a esquerda em todos os terrenos

A campanha eleitoral tem sido enriquecida pelas lutas sociais e laborais, que demonstram uma disposição para nos defender frente ao crescimento do neofascismo e o perigo de um governo de direita – respondendo também às insuficiências da governação do PS. Vimos desde mobilizações contra o neofascismo, pelo fim do genocídio em Gaza, a manifestações antirracistas em várias cidades de Portugal e a construção de um Dia Internacional das Mulheres intersecional, à luta histórica dos trabalhadores de call-center da Teleperformance por aumentos salariais e condições de trabalho. Muitas das vezes com militantes do Bloco na organização, ou menos na liderança, estas mobilizações mostram que o caminho da contestação social acompanha a luta pelo voto na esquerda anticapitalista. Lutamos por radicalizar e expandir as mobilizações, combinando as lutas parlamentares com as lutas das ruas para nos fortalecer. Nas ruas e na disputa política de larga escala, estamos a dar passos para construir uma Frente Única contra as direitas e por direitos – desafio que se prolongará, até com mais força, após as eleições, independentemente do resultado. 

Pois, precisamos, nestas eleições e para o futuro, de travar a direita e construir um amplo campo à esquerda, comprometida com a mobilização de amplas maiorias sociais e unindo, na sua diversidade, os setores mais explorados e oprimidos. Articulamos propostas que abordam as principais lutas sociais – antirracismo, educação, saúde, habitação, feminismo e solidariedade com a Palestina – com reivindicações capazes de criar uma polarização contra o conservadorismo e o neofascismo. É essa a nossa aposta.

E, nos dias que faltam até 10 de março, investimos toda a nossa capacidade militante para derrotar a direita, reforçar o Bloco e impor uma correlação de forças no parlamento que abra caminho às lutas e às conquistas das classes populares, retirando ao máximo o espaço para uma ofensiva da direita e do neofasicmo. Essa é a luta das e dos revolucionários hoje em Portugal.