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BRASIL

Mau negócio: por que estados perdem com novo acordo de renegociação de dívidas?

Por: Zeca Oliveira, de Aracaju, SE

Quem não viveu, pelo menos conhece alguém que passou por essa situação. O dinheiro no fim do mês só deu para pagar o mínimo da fatura do cartão de crédito. O mesmo no mês seguinte, e no seguinte. Pronto. Começou a rolar uma linda bola de neve impagável. É uma situação muito ruim. Mas, com as dívidas públicas dos estados com o Governo Federal, a coisa é muito pior.

Entre os 26 estados e o Distrito Federal, sete devem mais do que arrecadam no ano, 15 devem mais da metade do orçamento. A pior situação é a do Rio Grande do Sul, cuja dívida é mais do que o dobro da receita. Num momento de crise econômica, com medo de levar um calote generalizado, o Governo Federal propôs uma renegociação, mas com aquele jeitão de agiota barra pesada.

A proposta, que começou a ser negociada ainda no governo Dilma, foi aprovada na Câmara dos Deputados no último 10 de agosto e tramita agora no Senado em regime de urgência. O Projeto de Lei Complementar 257/16 (PLP 257/16), prevê a suspensão do pagamento das parcelas das dívidas dos estados com a União até dezembro de 2016. A partir de janeiro de 2017, os pagamentos retornariam com um desconto inicial de 94,45%, que seria reduzido progressivamente até junho de 2018, quando as prestações voltariam a ser pagas por inteiro. O Governo Federal prevê que deixará de arrecadar cerca de R$ 50 bilhões com essas medidas até junho de 2018. Parece bom negócio para os estados? Vejamos mais de perto.

O acordo não diminui a bola de neve. Sergipe, por exemplo, fez um acordo com a União em 1997. Na época, assumiu uma dívida de R$ 398 milhões parcelada para 360 meses. Quase vinte anos e mais de 200 prestações depois, o débito nominal aumentou para aproximadamente R$ 850 milhões, segundo a Secretaria da Fazenda sergipana. E o PLP 257/16 não muda em nada esse mecanismo que deixa as dívidas impagáveis.

Além disso, o Governo Federal exige dos estados aplicação de um limite no aumento das despesas correntes durante dois anos restrito ao índice de inflação do ano anterior. Isso significa arrocho salarial para os servidores públicos e uma defasagem ainda maior nos orçamentos da Educação, Saúde, entre outros.

Histórico
Durante a ditadura civil militar a bola de neve da dívida começou a se formar. Na década de 1970, o Governo Federal autorizou estados e municípios a tomarem empréstimos de entidades estrangeiras para financiar grandes obras. Mas, foi no governo de Fernando Henrique Cardoso que o endividamento dos estados chegou ao auge. A dívida dos estados triplicou entre 1989 e 1998. Para cobrir a falta de repasses do Governo Federal, estados e municípios foram incentivados a pegar mais dinheiro emprestado, inclusive de bancos estaduais. Não deu outra, os bancos quebraram. Dos 27, só restaram cinco, o Banese (Sergipe), Banestes (Espírito Santo), Banrisul (Rio Grande do Sul), BRB (Brasília) e Banpará (Pará).

Em 1997, quando o Tesouro comprou a dívida dos estados, 55% correspondia ao prejuízo dos bancos de desenvolvimento locais. Essa negociação incluiu a privatização de importantes empresas estatais, como a Energipe, distribuidora de energia elétrica sergipana leiloada com dinheiro do BNDES como garantia da operação de crédito.

Mecanismo
A lei 9.496/97, que instituiu o Programa de Ajuste Fiscal (PAF), permitiu a renegociação de dívidas para 360 meses, com taxas de juros entre 6 e 7,5% ao ano e parcelas de encargos limitadas a 15% da Receita Líquida Real. O valor da parcela que excedia esse limite passou a ser atualizado a juros compostos pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas.

Em 1997, o IGP-DI era mais baixo que o índice oficial de inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Porém, com a mudança da dinâmica da economia internacional e a nova política cambial brasileira, o IPG-DI passou a superar inclusive a taxa Selic (taxa básica de juros definida pelo Banco Central, uma das mais altas do mundo). E assim se formou o mecanismo que transformou a dívida dos estados numa bola de neve daquelas.

Não ao PLP 257/16
O Governo Federal não abre mão da dívida dos estados para não comprometer seus próprios compromissos com bancos e organismos internacionais. Por isso, precisamos lutar para barrar o PLP 257/16 e exigir auditoria e suspensão imediata do pagamento da dívida pública brasileira para poder resolver o problema das dívidas estaduais e do povo trabalhador brasileiro.

*Zeca Oliveira é bancário e estudante de Economia

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Ajuste Fiscal / temer