Quem teve a oportunidade de ler a obra de ficção científica de autoria do grande cientista brasileiro Miguel Nicolelis, cujo título é Nada Mais Será Como Antes, pode notar a impressionante semelhança com os acontecimentos da realidade contemporânea. Não vamos dar spoilers. Recomendamos a leitura do livro, pois o anuncio de Zuckerberg sobre a política global da META e suas redes sociais, dias antes da posse de Trump na presidência dos EUA, é quase um spoiler da vida real que consta nessa obra do cientista brasileiro. Trata-se de um grande alerta sobre os perigos dos planos de poder imperialistas que ameaçam a humanidade.
Existem motivos de grande envergadura política e econômica que estão realinhando grande parte das BigTechs norte americanas com a extrema direita trumpista. Alguns por puro pragmatismo econômico, já outros evoluíram para aproximações ideológicas. No caso da META, nem sempre a capitulação foi tão explícita e quase absoluta como foi anunciado pelo seu dono nessa terça feira, 07 de janeiro, chocando até quem estava distraído sobre o tema.
Trump, o cara que ameaçou prender o dono da META, venceu com folga a eleição tanto no voto popular como em relação ao número de delegados. Os republicanos têm ainda o controle do senado e da câmara de deputados, além de uma forte influencia na suprema corte norte americana.
Em setembro de 2024, em meio a sua campanha presidencial, Trump lançou um livro com o título Salve América. Entre fotos e comentários sobre sua ultima administração na Casa Branca, havia um recado hostil para Mark Zukerberg, uma ameaça de levá-lo a cadeia caso as suas redes sociais atuassem para prejudicar a sua campanha. Na avaliação de Trump, tanto o Facebook como o Instagram ajudaram Biden a vencê-lo na disputa eleitoral de 2020. Na ocasião da invasão do capitólio, em 2021, as redes da META chegaram a excluir os perfis de Trump. Houve também uma tentativa de aproximação pragmática e oportunista com a administração de Biden, visando evitar conflitos que pudessem atrapalhar seus negócios, já que algumas empresas, incluindo a META , estão enfrentando processos na justiça que envolvem ações anti-truste.
Acontece que Trump, o cara que ameaçou prender o dono da META, venceu com folga a eleição tanto no voto popular como em relação ao número de delegados. Os republicanos têm ainda o controle do senado e da câmara de deputados, além de uma forte influência na suprema corte norte americana. Convenhamos, é um combo de poder tão violento, que cria uma força de gravidade capaz de atrair toda sorte de canalhas gananciosos que comandam o mercado das BigTechs, que enfrentam ações na justiça em vários países, como também uma pesada disputa com as forças tecnológicas chinesas e russas na disputa por mercados.
Diante desse cenário, em novembro, logo após o resultado da disputa presidencial, Mark Zuckerberg começou uma série de acenos visando aproximar-se de Trump. Primeiramente se encontrou com o republicano num jantar reservado na Flórida. Semanas após esse encontro, a META doou US$ 1 milhão para a posse de Trump. Em janeiro desse ano, a META trocou seu diretor de assuntos globais, Nick Clegg, substituindo-o por Joel Kaplan, um republicano que já teve cargos de alto escalão na administração Bush. No dia 06/01, foi anunciado o trumpista Dana White (foto), chefão do UFC, como o mais novo membro do conselho da META. Na terça feira, dia 07/01, o próprio Mark Zuckerberg, vai a publico anunciar o fim do sistema de checagem de fatos feita por agências, apresentando um falso argumento, típico da extrema-direita, que envolve o tema da “liberdade de expressão” e, o mais bombástico, lança a unidade com o governo Trump contra outros governos pelo mundo:
“Vamos trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos ao redor do mundo, que vão contra empresas dos Estados Unidos, e que queiram censurar mais (…). A Europa tem um crescente número de leis que institucionalizam a censura, tornando difícil criar qualquer coisas inovadora por lá. Países da América Latina têm cortes secretas, que exigem que companhias removam conteúdos na surdina. A China censura nossos apps de funcionarem lá. A única força de resistir a essa tendência global é com o apoio do governo dos EUA” ( Mark Zuckerberg)
A unidade estratégica com as bigtechs fortalece Trump na disputa da hegemonia global
O anuncio histórico do dono das maiores redes sociais do mundo foi uma declaração de guerra na disputa pela hegemonia global, bem como uma demonstração de uma vitória inicial e bastante qualitativa de Trump, em conseguir a unidade de setores importantes das BigTechs com base a um projeto estratégico, antes mesmo da sua posse. Não custa recordar, que Elon Musk o dono do X/Twitter já é um aliado de primeira linha, integrado ao futuro governo e, descaradamente, vem intervindo em disputas políticas internas de outros países. Foi assim no Brasil, na queda de braço com o STF, e anos atrás chegou a declarar que daria golpes “onde quisesse”, no caso da tentativa de golpe de estado que ocorreu na Bolívia. Agora, Muske vem metendo-se sem nenhum pudor na eleição para primeiro ministro na Alemanha, declarando apoio a AFD, partido herdeiro de Hitler, e publicando ofensas pesadas contra Olaf Scholz.
Várias doações financeiras foram feitas para a campanha e/ou para a posse de Trump, que saíram dos cofres da Uber, Amazon, OpenAI e de várias gigantes digitais do ramo de criptomoedas como a Kraken, OndoFinance, Ripple, Coinbase e Jump Crypton.
Outros chefes de grandes empresas tecnológicas vêm ultimamente manifestando, direta ou indiretamente, atitudes que revelam adesão ao novo governo Trump. Várias doações financeiras foram feitas para a campanha e/ou para a posse de Trump, que saíram dos cofres da Uber, Amazon, OpenAI e de várias gigantes digitais do ramo de criptomoedas como a Kraken, OndoFinance, Ripple, Coinbase e Jump Crypton. Recentemente um fato bem curioso que revela a hipocrisia do discurso relacionado ao tema da liberdade de expressão abateu o jornal The Washington Post, cujo o dono é Jeff Bezos, o mesmo chefão da Amazon. A ilustradora Ann Telnaes, que já ganhou um premio Pulitzer, anunciou sua demissão do jornal de Bezos, após acusar o jornal de censurar um cartum que mostra um desenho dos magnatas Mark Zuckerberg, dono do Facebook, Sam Altman, CEO da OpenAI, e o fundador da Amazon e dono do Washington Post, Jeff Bezos, oferecendo sacolas de dinheiro aos pés de Donald Trump.
Por todos os ângulos que se pode analisar, essa unidade estratégica das BigTechs com o governo de Donald Trump é uma ameaça que coloca a humanidade em risco em vários aspectos. Em primeiro lugar ameaça a soberania de vários países. Somente nas últimas duas semanas Donald Trump deu declarações hostis em relação a guerra comercial com a China, anunciou possíveis medidas intervencionistas com uso de recursos militares sobre o Canal do Panamá, sobre a Groelândia, anunciou a proposta de anexar o Canadá e ainda prometeu transformar a região do Oriente Médio num inferno (como se já não existissse um inferno instalado em Gaza) se os reféns de Israel não forem libertados até a sua posse. Também está colocada em risco a democracia, os direitos trabalhistas e o equilíbrio ambiental de vários países. Isso porque entre as gigantes tecnológicas existem aquelas com imenso poder de manipular a opinião publica via redes sociais. Há também aquelas que precarizam o mundo do trabalho via aplicativos digitais e, em relação às plataformas de criptomoedas, a sua existência depende da mineração via blockchain que consome imensa quantidade de energia, água e minérios.
Outra consequência grave da ofensiva da unidade estratégica de Trump com as BigTechs é o aumento das tensões militares, especialmente com a China. Na mensagem de ano novo, o presidente da China, Xi Jinping, fez um discurso de balanço do seu governo pela emissora estatal CCTV, no qual fez questão em destacar que “ninguém pode interromper a reunificação da China com Taiwan”. Essa declaração se dá num momento em que Pequim vem intensificando a pressão militar próxima de Taiwan, mobilizando navios de guerra e aviões em torno da ilha. Acontece que 90% da produção de chips de alta tecnologia que são determinantes para abastecer os projetos das empresas de tecnologias norte americanas são fabricados em Taiwan. É uma parte mais que significativa do PIB dos EUA que está em jogo, motivo suficiente para a eclosão de um conflito militar sem precedentes entre duas grandes potencias.
O Brasil segue na mira do golpismo high-tech
Mal tivemos paz para comemorar a premiação, merecidamente conquistada, da nossa querida Fernanda Torres no Globo de Ouro, por interpretar Eunice Paiva no filme “Ainda Estou Aqui”. Não há duvidas que a declaração de Zukerberg teve um recado explícito contra as decisões do STF que vêm tentando controlar exageros que envolvem publicações criminosas e que afetam a soberania do país, sobre as quais as plataformas digitais não querem responsabilizarem-se. A extrema direita no Brasil e os bolsonaristas em geral comemoraram o anuncio da META que vai de encontro aos planos de Trump, o que consequentemente fortalece os projetos reacionários e conservadores no Brasil. As tentativas de regulamentação das redes sociais e das plataformas de aplicativos fracassaram via Congresso Nacional, assim, o terreno está livre para a atuação das BigTechs no país. Os efeitos já demonstram o alcance das ideias neoliberais e de extrema direita no imaginário social da classe trabalhadora inclusive.
A resistência institucional tem ficado até agora nas mãos de algumas ações dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o que apresenta limites e pouca margem de manobra para impedir abusos. Além de deixar setores sociais desprotegidos e vulneráveis ao discurso de ódio e à desinformação, cada vez mais impossibilitados de impedir a disseminação de ideias absurdas como a de tratar pessoas trans e homoafetivas em geral como portadores de “doenças mentais”, o aumento da violência misógina, as ideias racistas, a xenofobia, o bullying, a pedófilia e a ação de grupos criminosos que usam as redes sociais para ampliar seus objetivos. Todo o trabalho de mobilização de ativistas golpistas que participaram, inclusive das ações de violência contra a democracia no 8 de janeiro, contou livremente com as redes sociais como um espaço de articulação determinante para o fluxo de mensagens, orientações e organização de um golpe de estado. Não seria um exagero imaginar que novamente as redes sociais irão cumprir um papel reacionário na disputa política do país com consequências dramáticas em relação à prisão de Bolsonaro e dos generais golpistas, bem como no resultado da eleição em 2026. A eleição municipal de 2024 já lançou sinais. O desafio de combater essa ofensiva das forças do imperialismo ocidental contra os povos do mundo será ainda mais complexa e difícil após o dia 20 de janeiro com a posse na presidência dos EUA do maior líder dessa espécie de “Internacional Reacionária High-Tech”.
Contra a ameaça, sem precedentes, de uma rede de conspiradores poderosos e dispostos a tudo, faça parte da resistência! Não tenha medo, é a humanidade e o planeta que estão em jogo.
*Gibran Jordão é historiador e colaborador da editoria Mundo, do esquerda online
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