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Importância de reivindicar Nahuel Moreno, após três décadas de sua morte

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

Por: André Freire, colunista do Esquerda Online

“Para avançar pelo caminho que nos propomos, temos um grande obstáculo: nosso sectarismo. Nosso partido nem sempre foi sectário. Fomos no começo, quando éramos um grupo minúsculo, porém, tendo ido para a classe operária aprendemos e superamos o sectarismo. A partir de então, até a construção do PRT (La Verdad), tivemos outros desvios. Por exemplo, éramos obreiristas e não dávamos importância ao trabalho sobre o estudantado, limitando muitíssimo nossas possibilidades de ganhar intelectuais revolucionários para multiplicar a formação de quadros.

O sectarismo começa quando o partido torna-se grande, como o PST, que se nutre fundamentalmente da vanguarda estudantil que lutou contra Ongania e, depois, já com centenas e até milhares, com o que surge depois do Cordobazo e com as eleições de 1973. A partir de 1973 ou 1974 descobrimos uma lei infernal: quanto mais crescíamos mais sectários nos tornávamos.

(…)
Porém, isso também se expressa em nossas relações com os fenômenos e correntes políticas que ocorrem na sociedade. Por culpa desta tendência sectária não pudemos fazer um trabalho forte, intenso, sobre os milhares de novos dirigentes operários e estudantis, honestos e extraordinariamente combativos que se nucleavam na JTP, os Montoneros e o classismo na etapa anterior. Para nós, tudo o que não fosse do partido ou não nos desse razão de cara era um pequeno burguês, contra-revolucionário, nosso inimigo e da classe operária. São muito poucos os companheiros que podemos ganhar para nosso partido desses milhares de lutadores de vanguarda. Mais ainda, este balanço não deve ocultar-nos a razão decisiva do nosso fracasso: a arrasadora força do peronismo.
Esta tendência sectária volta a se manifestar agora, à medida que crescemos. Tem sido muito difícil fazer com que os companheiros tomem com entusiasmo o trabalho de ir ao PI, ao PC, Franja Morada. Não passa pela nossa cabeça que o partido socialista revolucionário que já tem alguma força, como nós, deva ter militantes em todas as outras organizações. E, se abrimos o diálogo com alguém de outra organização, desesperamo-nos para ganhá-lo rápida e individualmente, qualificando-o duramente se não conseguimos. Em vez de deixá-lo amadurecer, tratá-lo com respeito e respeitar seu próprio ritmo de desenvolvimento. Temos que combater esta tendência sectária. Se não a vencermos, o partido estanca e acaba retrocedendo”.

(Trechos de “Problemas de Organização”, de Nahuel Moreno).

Neste dia 25 de janeiro de 2017, lembramos os 30 anos da morte de Hugo Bressano, mais conhecido como Nahuel Moreno, importante dirigente trotskista argentino, fundador da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI).

Sua trajetória militante, as obras que escreveu e as organizações políticas que fundou influenciaram e influenciam, até hoje, muitas organizações diferentes e muitos (as) militantes marxistas revolucionários (as) em várias partes do mundo, especialmente na América Latina. Portanto, não é um acaso que muitos artigos serão escritos e atividades políticas serão realizadas, para lembrar esta importante data para os (as) que lutam pela revolução socialista.

Muitos elementos podem ser destacados para ressaltar a importância de Moreno no movimento trotskista internacional: sua contribuição teórica sobre o desenvolvimento da colonização latino-americana e o caráter socialista da revolução no subcontinente; sua batalha contra o revisionismo no interior da IV Internacional; a atuação permanente na construção de verdadeiros partidos marxistas revolucionários – não só na Argentina, mas também em vários países como Colômbia, Peru, Portugal, Brasil, entre outros; sua batalha em defesa do internacionalismo e pela tarefa estratégica de construção de uma autêntica Internacional Marxista; a orientação cotidiana de implantar os militantes revolucionários e suas organizações nos movimentos da classe trabalhadora, e no movimento operário em particular; entre tantos outros elementos fundamentais de seu legado político.

Nestas breves linhas, quero destacar outro aspecto, também muito importante, de sua contribuição política e programática: a luta pela construção de partidos revolucionários, que influenciassem politicamente as massas trabalhadoras e que significassem uma superação da marginalidade política em que se encontravam as organizações trotskistas no pós-Segunda Guerra Mundial.

Firmeza nos princípios e flexibilidade nas táticas
Seguindo a tradição do marxismo revolucionário, em seus textos e intervenções essa tarefa fundamental se traduzia principalmente em uma elaboração programática que respondesse do ponto de vista marxista aos principais processos da luta de classes ao nível mundial. Desde a defesa dos princípios fundamentais do marxismo revolucionário, como a independência política da classe trabalhadora da burguesia, ao internacionalismo proletário, à democracia operária e à luta pela revolução socialista. Também sobre a necessária flexibilidade tática para construir o partido, sua política e inseri-lo no movimento operário e no conjunto da classe trabalhadora.

Para tanto, sempre foi necessário enfrentar, em primeiro lugar, o oportunismo – combater as correntes políticas que, desde dentro do movimento dos trabalhadores, defendiam uma política baseada apenas nas lutas por reformas no sistema capitalista. A luta de Moreno sempre foi, prioritariamente, livrar a consciência dos trabalhadores da influência nefasta das ideias reformistas, que condenavam suas lutas aos limites impostos pelo regime político da burguesia.

Mas, a luta pela construção de partidos revolucionários com influência de massas se completava com uma batalha política, também permanente, contra o sectarismo no interior do movimento da classe trabalhadora e, em especial, em nossas próprias fileiras.

Moreno sempre combateu a falsa ideia que os revolucionários se resumiam aos que já estavam militando em nossas (pequenas) organizações. Ao contrário, sempre defendeu que a construção de partidos revolucionários, e de uma Internacional Marxista, seria realizada em uma luta permanente por agrupar todos os revolucionários que defendiam o programa marxista da revolução socialista e a construção de verdadeiros partidos revolucionários.

Sua batalha sempre foi por reagrupar, em uma mesma organização marxista, revolucionários de origens diferentes e tradições distintas, tanto com setores oriundos do trotskismo – com quem conseguimos chegar a sólidos acordos programáticos e de princípios -, como também os oriundos da luta por aproximar as rupturas à esquerda nas grandes correntes reformistas do movimento operário que se aproximassem de nosso programa, como a socialdemocracia e o stalinismo.

Por isso, a LIT-QI e também suas seções nacionais, desde a fundação, sempre foram encaradas por ele como um ponto de apoio fundamental para a reconstrução da IV Internacional. Nunca propôs autoproclamar a LIT-QI com uma Internacional acabada, que deveria se limitar às suas forças já organizadas.

Atualidade de seu legado
No ano em que celebramos o centenário da Revolução Russa de 1917 e que as organizações da esquerda socialista brasileira vivem um processo de dispersão e reorganização, se revela muito atual e útil revisitar e valorizar ainda mais as obras e o legado político e programático de Nahuel Moreno, especialmente sua luta pela construção de partidos revolucionários, que saiam da marginalidade política e busquem influenciar de forma decisiva as mobilizações da classe trabalhadora e do conjunto dos explorados e oprimidos.

Evidentemente, uma leitura crítica, pois não existem teóricos marxistas infalíveis e não nos somamos à mera prática do culto à personalidade, infelizmente ainda muito comuns em setores da esquerda. Acreditamos ser um objetivo permanente dos marxistas, criticar e atualizar as obras que são referências para nosso movimento.

Não que nosso objetivo seja construir organizações políticas revolucionárias somente com aqueles e aquelas que se reivindiquem “morenistas”, ou mesmo “trotskistas”. Assim como Moreno sempre defendeu, queremos construir partidos revolucionários que reivindiquem e apliquem um programa marxista e uma concepção revolucionária de organização, mas que sejam abertos aos militantes e agrupamentos que tenham origens distintas.

Partidos revolucionários que mantenham sua unidade na ação política, mas que saibam conviver de forma democrática com discussões políticas e programáticas permanentes, por mais polêmicas que sejam, mas que tenham sempre o objetivo de aproximar nossas organizações da realidade da classe trabalhadora e da melhor política para buscar a mobilização permanente das massas trabalhadoras e populares contra as mazelas e os ataques de todos os governos e patrões e por uma saída socialista para a crise atual do modo de produção capitalista.

Neste sentido, lembramos os ’30 anos sem Moreno’, nos somamos a várias organizações que reivindicam seu legado como militante, dirigente e teórico marxista, sempre nos apoiando criticamente nele, para seguirmos na dura batalha pela construção de organizações revolucionárias que possam cumprir um papel de destaque, no momento do levante da classe trabalhadora contra toda injustiça, opressão e exploração representada pelo sistema capitalista.