6 anos de luto e luta
Há seis anos a vereadora do PSOL no Rio de Janeiro Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram brutalmente assassinados. Desde o dia seguinte a este triste episódio, as ruas de diversas cidades do Brasil e do mundo foram tomadas pela manifestação de luto e luta de milhares que entoavam as perguntas: quem matou Marielle? Quem mandou matar? Por qual motivo?
Nunca houve dúvida de que se tratava de um crime político. Ninguém condensava tantos elementos alvos da neurose do fascismo — que ascendia naquele contexto —, como o corpo, a vida, a existência de Marielle. Mulher negra, mãe, mulher que amava mulheres, defensora de direitos humanos, da luta por moradia, parlamentar do PSOL, socialista, cria de favela e combatente contra as milícias. Mais do que símbolos, estes elementos são a chave para a compreensão deste crime e de nossa própria situação política. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que existe um Brasil antes e outro depois da morte de Marielle.
Hoje, diante do avanço nas investigações que trouxeram à tona os mandantes deste crime, podemos compreender o papel fundamental da luta pela memória de Marielle e por justiça durante estes seis anos. Os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, respectivamente, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e deputado federal (vereador à época do crime) e o delegado e ex-chefe da Polícia Civil Rivaldo Barbosa, que arquitetaram a execução, imaginavam um desfecho comum a crimes contra pessoas como Marielle. Agiram na certeza de que o caso cairia no esquecimento geral e de que as relações com as forças de Estado garantiriam a eles anonimato e impunidade.
Não contavam com o “efeito semente” de Marielle, que seguiu inspirando um movimento de ocupação de mulheres negras na política institucional e em diversas bandeiras de luta. Encampada, em primeiro lugar, por sua família, mas abraçada pelos mais diversos movimentos sociais, Marielle tornou-se um símbolo em toda parte: das manifestações contra o bolsonarismo, às lutas feministas e antirracistas, passou a estampar desde camisetas a nomes de ruas e praças.
Toda a mobilização ao longo destes 6 anos foi fundamental. Mas também a luta contra a extrema-direita, expressa nas diversas mobilizações que tomaram as ruas ao longo do governo Bolsonaro, que impediram a sua reeleição e garantiram a vitória eleitoral de Lula. Pois, a cada peça do quebra-cabeça que remonta este crime, torna-se evidente a ligação deste episódio com as milícias. As mesmas milícias que possuem relações ainda nebulosas com os filhos, amigos, colegas de trabalho da família do ex-presidente.
Não ocasionalmente, durante os quatro anos de governo Bolsonaro, além do signo geral de destruição, pudemos observar não somente a inação do Estado brasileiro, como também a intenção de que isso evitasse que as investigações chegassem aos verdadeiros mandantes.
Seguir na luta por justiça: punição exemplar para os mandantes e ampliação das investigações!
No último domingo, dia 24 de março, a Polícia Federal em coletiva de imprensa com o Ministro Ricardo Lewandowski anunciou o fim das investigações sobre o caso após a prisão preventiva dos irmãos Brazão e Rivaldo Barbosa. Um marco importante não somente da luta por justiça por Marielle e Anderson, mas também para a democracia brasileira. Trata-se do mais escandaloso crime político contra uma parlamentar eleita desde o final da Ditadura Militar.
Também por isso, é pertinente que seja dada a devida compreensão sobre o fim das investigações sobre os mandantes. Se por um lado elas respondem a pergunta “Quem mandou matar Marielle?”, por outro escancaram a milicianização do Estado e trazem à tona novos e urgentes questionamentos como: qual a relação de Braga Netto, então interventor federal e Ministro da Casa Civil no governo Bolsonaro, com as milícias? Ele sabia das suspeitas da relação de Rivaldo com as milícias e, ainda assim, indicou seu nome para chefe da Polícia Civil um dia antes da execução de Marielle e Anderson. Quem criou e atuou para espalhar as fake news contra Marielle imediatamente após a notícia de sua morte? Qual a relação disso com o gabinete do ódio?
Não é difícil concluir que a resolução definitiva deste caso implica, necessariamente, em desmantelar o vespeiro que é a relação entre as milícias e o Estado no Rio de Janeiro, onde a situação é mais profunda e dramática, mas também investigar como essa estrutura opera em todo Brasil.
Não é difícil concluir que a resolução definitiva deste caso implica, necessariamente, em desmantelar o vespeiro que é a relação entre as milícias e o Estado no Rio de Janeiro, onde a situação é mais profunda e dramática, mas também investigar como essa estrutura opera em todo Brasil. Como vereadora e militante do PSOL, um partido que sempre atuou de forma corajosa no combate às milícias e que há anos contava com ela nesta trincheira, Marielle foi executada por se enfrentar com os interesses destes parasitas do Estado.
Por isso, não chegou ao fim a luta por justiça. Devemos exigir que os mandantes deste crime sejam punidos exemplarmente, mas também batalhar pelo fim das milícias. A CPI das Milícias proposta pela bancada do PSOL na Câmara dos Deputados é parte desta disputa, mas é preciso também que este debate seja um compromisso do Ministério da Justiça do governo Lula. Para que nunca mais se repita, é preciso enfrentar a milicianização do Estado e as suas evidentes alianças com a extrema-direita e a família Bolsonaro. A retomada democrática precisa ganhar impulso com o acerto de contas da sociedade brasileira com este caso e tudo que ele revela de forma ampliada.
Cabe aos movimentos sociais a tarefa de mobilizar e, novamente, ocupar as ruas por esta luta. O Instituto Marielle Franco e o mandato da vereadora e viúva de Marielle, Mônica Benício, apoiados por organizações e movimentos sociais, além do próprio PSOL, corretamente, convocaram imediatamente após a publicização dos mandantes uma plenária nacional de articulação política com movimentos sociais. O objetivo é organizar atos, onde houver possibilidade, e ações simbólicas nas próximas semanas.
Lutar por justiça por Marielle e Anderson é lutar por justiça por Jacarezinho e tantas chacinas que matam diariamente o povo negro e pobre. É fortalecer a luta contra a escalada de violência política de gênero que ameaça parlamentares e lideranças diariamente. É se opor aos “donos do poder” e da terra. É tarefa necessária na construção de uma nova página na história para o Brasil.
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