O partido fascista espanhol VOX perdeu mais de um terço de sua bancada, passando de 52 para 33 parlamentares. Em termos percentuais, o recuo foi menos expressivo, passando dos 15,1% obtidos em novembro de 2019 para 12,5% neste domingo. Ainda é muito, certamente. Um partido fascista contar com um único mandato já seria inaceitável, e parece exagerado tratar esta derrota como uma “derrocada”, como faz parte da imprensa espanhola [1]. Ainda assim não há como minimizar a relevância de sua derrota eleitoral, mais ainda em um contexto de forte mobilização antifascista e repúdio à anunciada aliança entre a direita conservadora (PP) e o fascismo (VOX), que parece ter impedido a vitória do direitista Partido Popular [2].
O VOX tem hoje uma importância inegável no quadro da extrema-direita fascista mundial, liderando a articulação de distintas organizações e movimentos (dentre as quais inclui-se o bolsonarismo, como evidencia a proximidade entre o líder do VOX Santiago Abascal e Eduardo Bolsonaro, principal articulador internacional do bolsonarismo). Ambos realizaram lives conjuntas, trocaram vídeos de apoio [3], e em dezembro de 2021, Abascal participou do Congresso “Brasil Profundo”, articulado por Eduardo Bolsonaro, em Várzea Grande (MT) [4].
Distinguindo-se de organizações de extrema-direita do norte da Europa que buscam forjar uma imagem modernizada [5], o VOX reúne um liberalismo econômico antipopular e excludente e uma pauta moral reacionária que em defesa dos valores cristãos e patriarcais, coloca no centro de sua ação o machismo, a homofobia e a propagação de todo tipo de preconceito, bem como o anticomunismo mais primário e virulento. Não é algo novo: já nos anos 1970, o “libertário” estadunidense Murray Rothbard propõs síntese semelhante, articulando ultraneoliberalismo com defesa de valores sociais ultraconservadores, no que designou de paleolibertarianismo. Trata-se da mesma fórmula que no Brasil ficou conhecida como “liberal na economia, conservador nos costumes”. Em países marcados pela forte influência do cristianismo, e com presença marcante de correntes fundamentalistas, como é o caso do Brasil, da maior parte dos países latinoamericanos e da Espanha, esta parece ser ainda a fórmula mais favorável à disseminação do fascismo, com trágicas consequências.
Neste domingo o fascismo foi derrotado na Espanha e a direita não obteve os mandatos que necessitava para constituir um governo que, se efetivado, seria a um enorme passo no sentido da normalização do fascismo, somando-se ao recente episódio da incorporação do fascista “Partido dos Finlandeses” no governo da Finlândia. É ainda incerto se o PSOE conseguirá constituir governo, já que precisaria do apoio de todos os partidos de centro-esquerda e dos independentistas à direita e à esquerda. Caso fracasse, ocorrerão novas eleições. Caso consiga constituir governo, o mais provável é que mantenha uma política econômica neoliberal. Em ambos os casos, a tarefa de derrotar o fascismo permanecerá, e como toda experiência histórica indica, só pode ser empreendida pela organização dos trabalhadores e com mobilizações de rua.
2 Para constituir governo, é necessário ter 176 parlamentares em um parlamento com 350. O Partido Popular foi o mais votado (33%) e obteve 136 mandados. Portanto, se o VOX obtivesse 40 ou mais parlamentares, uma coalizão entre ambos teria a maioria. Com169 cadeiras, há pouca possibilidade de que obtenham as sete faltantes, pois para além do PSOE (122), do centro-esquerdista Sumar (31), as demais estão com partidos independentistas, sejam de esquerda – ERC (7) e Bildu (6) – , sejam conservadores JuntsXCat (7), PNV (5). Para além disto, restam apenas três cadeiras de partidos regionais (BNG, CCa e UNP), que seriam insuficientes.
5 Pablo Stefanoni indica que diversos partidos fascistas europeus se distinguem radicalmente do VOX (e, em consequência, do bolsonarismo), ao admitirem o aquecimento global e defenderem uma posição preservacionista, bem como por incorporarem pautas em defesa dos direitos das mulheres e dos homossexuais, conformando sínteses atípicas, como o “ecofascismo” e o “homofascismo”. Ainda assim, trata-se de partidos fascistas, propagadores de um nacionalismo xenófobo, racista e excludente. STEFANONI, Pablo. A rebeldia se tornou de direita? Campinas: Únicamp, 2021.
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