O Presidente da Venezuela Nicolás Maduro chegou ao Brasil na manhã desta segunda-feira para sua primeira visita oficial ao nosso país desde 2015. Maduro, e outros 11 presidentes de países sul americanos, participarão da cúpula de líderes da América do Sul, que busca perspectivas e uma agenda de cooperação econômica e social para nosso subcontinente.
Após o primeiro passo de Maduro em solo brasileiro essa importante cúpula, Maduro e o governo do Presidente Lula sofreram diversas críticas. Jornais tradicionais da burguesia como Folha de São Paulo e Estadão criticaram a vinda de Maduro, chamando o mesmo de ditador. A extrema direita, em êxtase, usou do anticomunismo, de fake news, do preconceito, para sair destilando discurso de ódio contra Maduro e Venezuela. O deputado fascista Zé Trovão, que teve divulgadas fotos usando cocaína e outras drogas, pediu a embaixada dos Estados Unidos , de forma oficial em um ato de nacionalismo vira-lata, a prisão do presidente venezuelano pelo motivo de tráfico de drogas. No campo progressista, algumas figuras que apoiam o governo e fizeram campanha para Presidente Lula se mostraram descontentes com a relação com a Venezuela, afirmando que o país vizinho vive uma ditadura, e o governo Lula não deveria ter relação com nenhuma ditadura, seja ela de esquerda ou de direita.
Mas afinal, a Venezuela é ou não é uma ditadura? Essa pergunta divide opinião, mas aqui, antes de tudo, acredito ser necessário inverter a pergunta. Afinal, por quais motivos a Venezuela não seria uma democracia?
As sanções econômicas
Aqui queremos apontar um fator: Venezuela hoje sofre com 900 sanções econômicas impostas de forma unilateral pelo império dos Estados Unidos e seus aliados. O governo estadunidense, seja Democrata ou Republicano, desde que foi derrotado no golpe de Estado que financiou e articulou contra Hugo Chávez, tem imposto medidas econômicas de bloqueio de contas e rapto de dinheiro guardado do governo venezuelano, e proibido empresas e outros países de fazerem negócios com o país.
O motivo dessas sanções econômicas, nada tem a ver com com defesa da democracia ou direitos humanos. Mas ocorrem pelo governo de Chávez ter nacionalizado indústrias petroquímicas, buscado realizar uma reforma agrária, e enfrentado os interesses econômicos de empresas estrangeiras.
Após perder com as armas, os Estados Unidos financia a duas décadas uma guerra econômica contra a Venezuela, com o objetivo de estrangular economicamente as finanças e a economia do país, que tem buscado e conseguido outras formas de negociar e burlar as sanções por meio de acordos com países aliados.
Após perder com as armas, os Estados Unidos financia a duas décadas uma guerra econômica contra a Venezuela, com o objetivo de estrangular economicamente as finanças e a economia do país, que tem buscado e conseguido outras formas de negociar e burlar as sanções por meio de acordos com países aliados.
Essas sanções, que se intensificaram em 2014, são responsáveis diretas pela redução da renda per capita venezuelana em até três vezes. Ou seja, são sanções do ocidente, liderado pelos Estados Unidos, que piora a vida do povo venezuelano. O cerco econômico, uma guerra não declarada, gerou inflação, crise econômica, perda de empregos, falta de insumos médicos, o não acesso a alimentos e medicamentos que vinham do exterior, e por consequência teve como efeito a redução de calorias, que fez um gigantesco aumento de doenças desde 2017 e milhares de mortes decorrentes dessa agressão econômica.
Qualquer um que se diz preocupado com a situação da Venezuela, e que defende a democracia no país, deve começar por rechaçar esses bloqueios e sanções. Pois eles atingem o povo e a sociedade civil.
A guerra de narrativas
Imagine um país que tem suas contas bloqueadas de um dia para o outro, e reservas de dinheiro retiradas dessas contas por um outro país? Imagine um país que não gosta de medidas tomadas por um governo de uma outra Nação, e por isso resolve financiar oposição, grupos militares, e envia armas e recursos financeiros para que essa oposição cause protestos e distúrbios? Imagine que após financiar tanta essa oposição ela perca a eleição presidencial, mas eleja uma boa quantidade de deputados e um desses deputados resolve, sem mais nem menos, de um dia para o outro, sem receber voto popular, se declarar presidente da república? É justamente essas situações absurdas a relação entre Estados Unidos e Venezuela.
Os Estados Unidos que após agressões militares, financeiras, passaram a investir fortemente em agressões midiáticas, buscando criar narrativas sobre um país que lhe faz oposição no cenário internacional.
A Venezuela, em 24 anos do processo ainda em andamento da Revolução Bolivariana, fez 29 eleições. As forças que defendem o processo revolucionário venceram 27, a oposição venceu duas. Todas esses processos foram feitos pelo voto popular, ou seja, a população do país escolheu seus representantes, foi às urnas e disse quem queria no governo. E, em todas elas, tiveram membros de observadores internacionais, para observar o trâmite de cada um desses processos.
Os Estados Unidos, após apoiar candidatos derrotados, passou a acusar o governo bolivariano de ser antidemocrático com opositores e de impor uma ditadura no país. Semanalmente jornais alinhados à visão de mundo da Casa Branca passaram a fazer essa denúncia e construir uma narrativa da Venezuela como o pior país do mundo e de Nicolás Maduro como um ditador. Diversos filmes de heróis e de policiais passaram a mostrar a Venezuela como refúgio para criminosos e traficantes.
A tática de construção de narrativa do outro como um inimigo antidemocrático é comum na história estadunidense. O governo dos Estados Unidos agem como se o país fosse o povo escolhido, e se sentem no poder e liberdade de apontar o dedo para aquilo que é e aquilo que não seria uma democracia. Coincidentemente ou não, países que tem acordo com a forma que os Estados Unidos impõe sua governança mundial são tachados de países democráticos, e aqueles que costumam se impor, vão para a lista suja do governo, sendo necessário mais democracia.
Os Estados Unidos, em nome da liberdade democrática, financiou golpes de Estado em toda América latina durante o século XX. Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia e o próprio Brasil são exemplos da interferência estadunidense no mundo.
Foi em nome da democracia e dos direitos humanos que os Estados Unidos invadiu e destruiu o Iraque, afundando o país em uma crise social. Coincidente após a invasão do Iraque o governo e as empresas estadunidenses se tornaram donos dos poços de petróleo do país, Assim como, foram a democracia e os direitos humanos os motivos que levaram os Estados Unidos a invadir a Líbia. País que tinha a segunda maior taxa de IDH e desenvolvimento econômico de toda a África, e que hoje é um campo de guerra civil e recrutamento de terrorismo, tendo inclusive leilões de escravos. Por coincidência, o governo estadunidense havia descoberto que o governo líbio estava negociando a criação de uma moeda regional para toda a África, e que abandonaria o uso do dólar no mercado internacional. Além desses casos podemos citar o financiamento e envolvimento norte-americano somente neste século na guerra do Afeganistão, da Palestina, do Iêmen, no Níger, Sudão, Somália…
Desde a declaração de independência em 1776, somando mais de 240 anos de história. Os Estados Unidos nunca ficaram 20 anos sem participar de conflitos armados. Para se ter uma ideia, entre 1945, fim da Segunda Guerra Mundial, e 2001, chegada do século XXI. Ocorreram 248 conflitos armados em diversas regiões do planeta. Desses, 201 tiveram início após ação estadunidense.
Toda a ação norte-americana é antecipada pela construção de uma narrativa. Utilizando a ideologia, o governo norte-americano constrói discursos de bons contra maus, de nós democráticos contra eles bárbaros, e por meio dessa narrativa, legitimam suas ações militares contra opositores.
É importante lembrar ainda um fator de extrema importância. Durante os anos 1960, enquanto o governo norte-americano se pintava como terra da democracia e liberdade, ainda era proibido às pessoas negras votarem em grande parte do país. Os próprios pais da democracia estadunidense eram fazendeiros donos de escravizados.
É justamente esse país, que é o centro do imperialismo, que não respeita a soberania nacional de outros, que utiliza da acusação de antidemocrático para construir narrativas que permitam sua ação militar, que acusa a Venezuela e a Revolução Bolivariana de ser antidemocrática.
Venezuela, um país soberano
Não se trata aqui de fazer uma defesa do regime ou do governo de Maduro, nem uma análise da Revolução Bolivariana. Aqui o centro é o fato de que a Venezuela é um país soberano. Onde são realizadas eleições e a população escolhe os seus representantes. Em nosso país vizinho pode não existir uma democracia aos moldes da estadunidense, ou da francesa. Porém, lá, existem sistemas democráticos e de participação popular extremamente avançados se comparado ao Brasil ou a esses países do centro do imperialismo mundial. A Venezuela e os venezuelanos de forma própria, caminhando em suas pernas e lutando as suas lutas, encontram a melhor forma de democracia popular para eles e alcançam sua soberania.
Países como os Estados Unidos, responsáveis pela frágil situação econômica que a Venezuela busca e luta para se recuperar, não têm nada a ganhar com a Venezuela soberana. Eles financiaram oposição, perderam eleição, buscaram junto dessa oposição realizar um golpe de Estado. Aqueles que tentaram dar um golpe estão sendo condenados nos marcos da lei venezuelana. Imagina se por condenar Bolsonaro e os golpistas do 8 de janeiro, o Presidente Lula passasse a ser chamado de antidemocrático por países estrangeiros? As acusações de falta de democracia como feitas não são mais do que a construção de uma narrativa demonizante.
Os Estados Unidos utilizam a fake news e a desinformação como armas. É normal que a mídia brasileira, a direita e a extrema direita de nosso país, comprem e reproduzam os discursos dominantes do imperialismo. Afinal, esses grupos vivem de costas para a América Latina e buscam reproduzir e ser sócios da dominação estadunidense do mundo. Se acham mais ocidentais do que brasileiros. Quanto a isso não é de se estranhar. Faz parte da disputa política
O problema é justamente os progressistas que compram esse discurso. Que sabem dos males da intervenção estadunidense no passado, mas que hoje, em nome de uma suposta moral democrática universal, ficam com falsas acusações contra Maduro e a Venezuela.
Acredito que esse fenômeno ocorre por muitos fatores. Em especial pela falta de estratégia de ruptura com a ordem do capital após a queda do muro e fim da União Soviética. A reação do imperialismo construiu, isso também atingiu a esquerda, a visão da democracia como modelo humano universal.
Uma democracia que tem como espelho as democracias europeias e a norte americana. Locais, que pela forma que tratam outras nações e povos negros, não podem ser chamados de democracia. Porém, são esses os espelhos que são analisados e colocados como referência nos corredores e salas das universidades brasileiras e que terminam por ditar o debate público.
Essa ideia da democracia como valor universal. Na verdade é feita com base em um falso universalismo, e em uma falsa democracia. É uma democracia branca. E uma ideia que serve apenas para legitimar a visão de mundo da política dos países do centro do sistema mundial.
A esquerda brasileira precisa defender a Venezuela de ataques e de mentiras. Defender das fake news e mentiras o processo revolucionário bolivariano que foi erguido pelas mãos de trabalhadoras e trabalhadores venezuelanos e construiu uma democracia popular. E, principalmente, a esquerda brasileira precisa recolocar o imperialismo como centro de suas análises sobre a sociedade, além de romper com a visão eurocêntrica de mundo que ainda existe em nossas fileiras, que coloca a democracia branca como algo a ser seguido de espelho.
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