Bastou Bolsonaro romper o silêncio e discursar para apoiadores no dia 09/12 para que o caos se instalasse em Brasília. Suas banalidades habituais do tipo “Quem decide o meu futuro (…) são vocês” e “Tudo dará certo no momento oportuno” tiveram o efeito desejado e, ontem à noite, uma nova iniciativa golpista foi colocada em prática.
Centenas de bolsonaristas fanáticos tocaram o terror na capital federal logo após o ministro Alexandre de Moraes decretar a prisão do cacique José Acácio Serere Xavante, pelo prazo de dez dias, por suspeita de ameaça de agressão e de perseguição contra o presidente eleito. O cacique Serere, como é conhecido, é figurinha carimbada em atos violentos em defesa de Bolsonaro. No dia 02/12, ele e um grupo de apoiadores invadiram a sala de embarque do Aeroporto Internacional de Brasília para pedir a prisão de Lula. Serere já comandou invasões a centros comerciais, protestos em hotéis, na Esplanada dos Ministérios e fechamentos de vias. Além disso, vive instigando seus seguidores na internet a implementarem ações violentas contra Lula e o PT.
Em seu despacho, Alexandre de Moraes justificou “A restrição da liberdade do investigado, com a decretação da prisão temporária, é a única medida capaz de garantir a higidez [saúde] da investigação [dos atos antidemocráticos]”. A decretação da prisão ocorreu a pedido da Procuradoria Geral da República, que argumentou: “A manifestação, em tese, criminosa e antidemocrática, revestiu-se do claro intuito de instigar a população a tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo a posse do presidente e do vice-presidente da República eleitos”.
Serere foi levado em segurança e de acordo com todos os protocolos estabelecidos em lei para a sede da Polícia Federal na Asa Norte, próximo ao centro de Brasília. Sua mulher imediatamente apelou aos apoiadores nas redes sociais: “Ele foi levado brutalmente pela PF, na frente dos meus filhos. Peço ajuda de advogados para tirá-lo da cadeia”. A partir daí, centenas de bandoleiros começaram a chegar ao local aos gritos de “Solta o índio!” e tentaram invadir o prédio. Houve enfrentamento e os agentes da PF reagiram com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. Em seguida, as ações terroristas se espalharam por várias regiões do centro da cidade. Carros, lixeiras e ônibus foram queimados e várias vias de circulação obstruídas. Milhares de trabalhadores que estavam voltando do trabalho desde a Rodoviária de Brasília tiveram seus trajetos interrompidos pelas ações de grupos de vândalos, muitos deles vestidos com a já tradicional camiseta da CBF.
Segundo todos os relatos, a Polícia Militar demorou a agir, e quando o fez, conseguiu a incrível façanha de não prender ninguém. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal se limitou a reforçar a segurança do entorno do hotel onde se encontram Lula e Alckmin e a emitir comunicados de que a situação estava se normalizando.
O que vimos ontem, em geral, foi um apagão dos órgãos de segurança, principalmente federais, que jamais enfrentam os bolsonaristas pelo simples fato de que estão, eles mesmos, repletos desse tipo de elemento. No final do dia, o ministro da Justiça Anderson Torres foi ao twitter acalmar os internautas, mas sem fazer qualquer menção a medidas de repressão: “Desde o início das manifestações em Brasília, o @JusticaGovBR , por meio da @policiafederal, manteve estreito contato com a @secsegurancadf e com o @Gov_DF , a fim de conter a violência, e restabelecer a ordem. Tudo será apurado e esclarecido. Situação normalizando no momento”.
Flavio Dino, futuro ministro da Justiça do governo Lula, teve que intervir na situação e articulou algumas iniciativas junto ao Governo do Distrito Federal e à Segurança Presidencial. O ex-governador do Maranhão afirmou: “O governo federal segue omisso diante dessa situação grave absurda. Nós não temos ainda a caneta na mão, estou falando com Ibaneis [governador do DF], Andrei [Passos, futuro diretor da PF], com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, mas o governo federal precisa dar respostas”. Quando perguntado sobre as articulações com representantes do governo Bolsonaro, não conseguiu disfarçar a irritação: “Não falo com golpista”.
O caso todo é uma importante demonstração de força do bolsonarismo e provavelmente vai servir de modelo para outras ações violentas antes, durante e depois da posse de Lula. Está provado que quem atua de maneira violenta contra o Estado de Direito, desde que o faça a favor de Bolsonaro, não será punido. Está liberado tacar fogo na cidade e postar nas redes sociais porque a linha dos órgãos de segurança segue sendo a de não enfrentar a violência de extrema-direita. Desde nosso ponto de vista, a resposta ao fascismo passa pela mobilização de massas, por retirar do fascismo o monopólio das ruas. Essa é a melhor chance que temos de resistir às aventuras golpistas.
Quem desdenha do acontecido, dizendo que trata-se de uma minoria sem importância ou que o incidente em nada atrapalha os ritos democráticos deveria pensar mais em médio e longo prazo. O bolsonarismo está buscando uma nova cara depois da derrota eleitoral de 30 de outubro. A grande imprensa pensa que o fascista deseja liderar uma grande, ampla e diversa oposição. Mas talvez isso não seja assim. Não está descartado que Bolsonaro adote a tática que lhe garantiu chegar ao segundo turno: ao invés de ampliar desde o início, talvez ele prefira manter o seu núcleo duro excitado e mobilizado, para somente depois chegar aos setores mais moderados. Se isso se confirmar, dias duros nos esperam, com muito caos e violência, e com a complacência dos órgãos de repressão. A grande burguesia e uma parcela importante da sociedade brasileira normalizou e naturalizou o fascismo como um “player” leal do jogo político. Com isso, esperava domesticá-lo. Mas talvez o fascismo tenha outros planos.
Confira algumas imagens do estrago deixado pelos bolsonaristas na capital do país. Fotos de Scarllet Rocha:
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