“Não consigo respirar!!!”
Frase proferida por George Floyd enquanto era sufocado no chão até a morte por um policial branco nos Estados Unidos em maio de 2020.
“O que eu fiz de errado?”
Frase proferida por Genivaldo durante a abordagem policial que culminou no seu assassinato por agentes da PRF ao ser colocado em uma câmara de gás ao estilo nazista improvisada no porta-malas da própria viatura, em Umbaúba, Sergipe.
Ambos os fatos chocaram profundamente as pessoas negras do mundo todo e causaram indignação e revolta. As duas situações traduzem da forma mais descarada possível como o racismo opera sobre corpos negros, não somente nos Estados Unidos e no Brasil, mas também no restante do mundo.
Mas pra além da violência direta e escrachada, existe uma outra face do racismo que opera mais silenciosamente, na surdina, mas que como todas as faces deste, nega a vida às pessoas pretas. É a face do racismo que Silvio Almeida denomina enquanto estrutural. Uma forma de racismo que opera nas diversas áreas que estruturam a sociedade, nos pilares que hoje sustentam o mundo que vivemos.
O racismo estrutural nos leva a um entendimento dos mecanismos mais intrínsecos da nossa sociedade e como esses mecanismos funcionam sobre uma lógica de exclusão, negação e silenciamento da vida para a população negra. O esforço para entender como operam as estruturas da sociedade e como elas se utilizam do elemento racial para estruturar espaços, relações e até proibições é fundamental para fornecer o norte para desmantelar essa estrutura de opressão.
Ao se debruçar sobre o racismo e entendê-lo enquanto estrutural, isto é, estruturante e elemento fundante de toda a sociedade, Silvio Almeida realiza um esforço de compreender as estruturas com base em uma perspectiva quase científica, tal qual Marx realizou ao se voltar para as estruturas capitalistas e descrever seu funcionamento.
Isso revela que semelhante ao capitalismo, o racismo é também uma estrutura muito bem pensada que vem sendo construída há muitos séculos. Ela não foi criada ontem, ela vem sendo introjetada na vida e na subjetividade das populações desde muito antes. É por conta disso que o racismo, da mesma forma que se manifesta de forma escrachada, se manifesta também de forma sutil.
Daí a necessidade de se olhar as sociedades, as relações e o mundo como um todo por uma ótica racializada. Só com essa perspectiva é que se torna possível visualizar no dia a dia as manifestações estruturais que o racismo impõe. É necessário aplicar essa ótica racializada também às outras opressões que se manifestam na sociedade.
Da mesma forma que o capitalismo, o racismo também se articula com outras formas de opressão, produzindo e reproduzindo violências cada vez mais brutais sobre corpos negros, sejam eles LGBTs, homens e mulheres, PCDs, etc. Por isso, é necessário sempre articular a luta antirracista com as demais como feminismo, antiLGBTfobia e antitransfobia, anticapacitismo e, principalmente a luta anticapitalista.
A necessidade disso não se justifica por haver uma hierarquização entre as opressões ou entre as lutas, mas sim, por conta do entendimento do papel que o racismo desempenha na sociedade, o fato dele ser uma estrutura tanto instrumentalizada quanto que instrumentaliza também outras opressões, além do fato de observar que as violências se intensificam conforme os indivíduos acumulam cada um desses marcadores de opressão.
Por isso a necessidade de se entender as lutas enquanto complementos umas das outras, sempre tendo este olhar interseccional pra buscar desarticular cada uma das opressões e, principalmente desarticular o próprio capitalismo, entendendo-o enquanto a estrutura macro que se utiliza das demais opressões pra subjugar e perpetuar a exploração.
Assim, o racismo estrutural opera a partir de uma lógica de sufocamento, asfixiando corpos negros diariamente, negando a possibilidade de viver. A violência é constantemente inscrita em corpos negros e, associado as demais opressões, torna muito mais brutal as experiências da população preta na sociedade branca ocidental.
Corpos pretos na sociedade são corpos que são autorizados a existir, mas não são autorizados a viver. Isso porque a existência é uma condição que independe das vontades individuais dos donos do poder, já a possibilidade de viver é majoritariamente elemento de domínio da sociedade e de suas estruturas intrínsecas ao seu funcionamento. Ela perpassa por todos os eixos que atingem diretamente as necessidades básicas de um sujeito na sociedade: saúde, educação, segurança, saneamento, direito a cidade, cultura e lazer, etc.
Quando algum desses direitos básicos são negados, se asfixia um pouco mais a possibilidade de viver plenamente de uma pessoa preta na sociedade. Cada um dos serviços, direitos e políticas públicas que hoje são necessárias para uma vivência básica em sociedade muitas vezes não se estendem a uma grande parcela da população que, não coincidentemente, é majoritariamente composta por negros e negras.
Assim opera o racismo estrutural, perpetuando desigualdades e impedindo que pessoas negras realmente vivam na sociedade. A negação de condições básicas de vida está diretamente ligado a práticas de exclusão e é pensada a partir de uma ótica racista que busca diariamente perpetuar o sufocamento e promover a asfixia da vida para pessoas pretas na sociedade.
Por isso a saída não é e jamais será individual, e se ao entender a natureza do capitalismo como uma estrutura bem organizada nós buscamos a organização como saída, com o racismo não pode ser diferente. Ao entendermos a natureza da estrutura racial e compreendendo que as violências físicas diretas são só a ponta do iceberg, é necessário que nós, pessoas pretas nos organizamos para parar o projeto genocida imposto contra nós pelo racismo.
Respiremos juntos para seguir adiante.
Respiremos organizados pelo direito de viver.
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