“Porque está fazendo isso comigo? O que está acontecendo?”
Pergunta Genivaldo antes de ser assassinado por não estar usando capacete enquanto guiava a sua moto.
No mesmo dia 25 de maio que completava dois anos do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, por parte da força policial, a tortura fazia outra vítima no pequeno município de Umbaúba, em Sergipe. Dessa vez, foi Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, pai de uma criança de 7 anos, negro e trabalhador, com problemas de esquizofrenia e que levava no bolso medicamentos do seu tratamento.
Os autores do crime foram agentes da Polícia Rodoviária Federal, que depois de sucessivas torturas – bateram no rosto, pisaram, chutaram, colocaram o joelho em seu pescoço impedindo-o de respirar, e jogaram spray de pimenta – por fim, lançaram uma bomba de gas lacrimogênio na mala da viatura onde o corpo foi atirado. Genivaldo não resistiu e veio a óbito por asfixia nesta câmara improvisada de gás. Segundo laudo do Instituto Médico Legal, Genivaldo morreu de insuficiência aguda secundária e por asfixia.
Desde o dia 25 a população em Sergipe, a família de Genivaldo e diversos segmentos sociais vêm cobrando a prisão, afastamento do cargo e a perda da farda desses agentes. Mas, ao contrário, do que deveria acontecer, mesmo após denúncias e instauração de procedimentos legais junto aos órgãos da justiça, ONU e Polícia Federal, as respostas são evasivas.
O que se esperava da Coordenação Geral da Polícia Federal e do próprio chefe de estado, seria se solidarizar com a família e pedir desculpas à população brasileira pelo ato de terror que causou a morte de um inocente, além de realizar a apuração e garantir de imediato a prisão dos envolvidos. Deveriam ter vergonha por seus agentes terem torturado e matado uma pessoa em um veículo da PRF.
Cinco dias após a morte, Jair Bolsonaro se pronuncia nas redes e chama Genivaldo de “marginal”, menosprezando a dor da família, os atos públicos e afirma que “volta tudo à normalidade rapidamente, a Justiça vai decidir esse caso e, com toda a certeza, será feita Justiça… Todos queremos isso daí… Sem exageros, sem pressão por parte da mídia que sempre tem um lado, o lado da bandidagem, como lamentavelmente grande parte de vocês se comportam”.
Ora, essa fala de Jair Bolsonaro está de acordo com a sua política desde que assumiu o poder. Ele elegeu a Polícia Rodoviária Federal para ser sua guardiã responsável, tal qual se faziam os oficiais romanos, e com isso, tem provocado a expansão e a competência da PRF. A formação dos agentes da PRF é feita também por integrantes do Batalhão de Operações Especiais (BOPE).
A PRF criou seu grupo de elite que é o Comando de Operações Táticas que são os seus caveiras, ligados ao Grupo de Resposta Rápida da Policia Rodoviária Federal . Não à toa, esteve presente em três grandes chacinas recentes, “trabalhando em cooperação”, realizou dezenas de mortes nessas chamadas operações especiais. Além da chacina na Vila Cruzeiro, que deixou 25 mortos, o assassinato de Genivaldo Santos, somados aos oito mortos no Complexo da Penha; 25 pessoas mortas em Varginha (MG).
Cabe ressaltar que Jair Bolsonaro assinou o Decreto 10.073/2019 que dava mais poderes aos policiais rodoviários federais. Permitia que a PRF atuasse em operações de natureza ostensiva, investigativa, de inteligência ou mista, para fins de investigação de infrações penais ou de execução de mandados judiciais, em atuação conjunta com outros órgãos de segurança pública, conforme artigos 47 e seguintes do referido Decreto. Felizmente, esse Decreto foi suspenso por determinação do Juiz substituto Manoel Pedro Martins, da 6ª Vara Cível do Distrito Federal, em 10 de janeiro de 2020.
Cabe frisar que mesmo com a suspensão do decreto, as orientações de Bolsonaro continuaram as mesmas, por meio de acordo de cooperação com outras polícias, dando continuidade a ações à margem da sua competência.
A política de Bolsonaro é de militarização cada vez mais forte das polícias federais, principalmente da PRF, conforme demonstramos. Não à toa Bolsonaro também tentou garantir um aumento salarial aos policiais rodoviários com percentuais superiores aos demais quadros da segurança pública federal e, foi coibido de o fazer. Neste momento, o governo prepara a mudança na carreira, igualando a PRF com a Polícia Federal, com o salário-base indo a R$ 12,5 mil.
O comando da PRF em Sergipe ao publicar nota que não identifica a letalidade que causou a morte de Genivaldo, segue na mesma esteira de orientação do governo. Aliás, eles estão neste lugar para fazer cumprir a necropolitica, política de controle das populações, de quem deve viver e quem deve morrer. Para isso necessita-se transformar tudo e todos em bandido. As duas notas da PRF mantêm a narrativa da criminalização e corresponsabilização da vítima.
A primeira nota da PRF diz que “diante dos delitos de desobediência e resistência, após ter sido empregado legitimidade o uso diferenciado da força, tem-se por ocorrida uma fatalidade, desvinculada da ação policial legítima”.
No dia 28 do corrente mês, a PRF declara em uma segunda nota que os agentes usaram instrumentos de “menor potencial ofensivo” para conduzi-lo à delegacia. Além de que Genivaldo teria morrido de “mal súbito”.
Não há como negar diante os fatos e as narrativas descritas nas redes e em diversos meios de comunicação que há uma progressiva retirada de controle institucional das polícias para que haja liberdade de agir sem limites, instituída pelo governo federal. É exatamente essa perda do limite proposital para alimentar, substancialmente, a necropolítica e proteger o próprio Jair Bolsonaro e seus filhos. A PRF é um escudo para esse grupo familiar que fere frontalmente qualquer possibilidade de construção de uma base mínima de convivência democrática e de esperança para que a maior parte da população possa alcançar uma vida digna.
Muitas vezes, observamos uma inércia da população quando não reagem à truculência da polícia e, isso tem haver em parte com a crença ingênua da necessidade da força policial institucionalizada que age contra os mesmos pobres, pretos, periféricos; como também, tem a ver com o medo de enfrentar um sistema apodrecido por dentro e altamente sofisticado nas táticas de morte por outro. Há um complexo sistema ideológico do medo que opera para que os limites do poder não sejam estabelecidos. Não à toa, a população assistia e o próprio sobrinho de Genivaldo Santos não conseguiram enfrentar a ação bárbara dos agentes da PRF.
Porém, se não fosse a filmagem, seria mais um caso tratado como “resistência”, assim tentou dizer o Jair Bolsonaro e, o diretor da PRF em Sergipe que, Reginaldo reagiu e, no subtexto das suas frases, se reagiu era porque seria um “bandido”. No caso de Bolsonaro, foi dito com todas as letras.
Destruir a imagem da pessoa assassinada, criar um clima de ostensividade na área onde as famílias residem, dizer que não vê motivos para prender os assassinos que tirou a vida do Genivaldo em uma câmara de gás, tal como tratou o delegado da Polícia Federal em Sergipe, Fredson Vidal, são comuns e fazem parte de uma construção ideológica sobre o não crime. É assustador a naturalização e banalização do extermínio.
Esses depoimentos e, principalmente, o depoimento de Jair Messias Bolsonaro, faz parte do combo em que práticas nazistas ainda não sucumbiram, elas vão e vem de acordo com os interesses das forças hegemônicas no poder e dos seus próprios interesses pessoais e familiares palacianos. Bolsonaro, quando trata Genivaldo como suposto “bandido” ele reafirma que não basta matar, é necessário destruir a imagem das vitimas para que elas sejam culpabilizadas pelos seu “próprio destino”, é preciso torná-lo ameaçador, perigoso. Antes de matá-los é preciso desumanizá-los, torturá-los perante o público, arrastar seu corpo e, se não forem vistos por alguém, jogados em qualquer matagal ou riacho. É isso que se faz nas periferias, tal como se faziam nos campos de concentração na Alemanha e no Brasil nos anos de chumbo da ditadura civil militar.
São interesses do capital que necessitam manter o navio negreiro em curso nos camburões das cidades, que necessitam manter o imaginário de que a população mais pobre, sem comida, moradia, e até mesmo água potável, não serve para viver e, por isso, deve clamar pelas forças para selecionar os que vão tirar o bilhete da sorte de sobreviver até a ultima operação chegar em seu território e, na união de interesses das operações táticas das caveiras, abrir mais o fosso do extermínio. A chacina de Vila Cruzeiro é um triste exemplo. É impressionante como eles não temem nem as filmagens amadoras das câmaras dos aparelhos de telefones móveis, tal é a banalização do extermínio para esses grupos.
Há esperança? Creio que em meio a indignação, revolta e grito por justiça por Genivaldo Santos, devemos ocupar todos os espaços para denunciar quem e o que está por trás dos assassinatos, do extermínio, dos crimes políticos das mulheres pretas e periféricas como Marielle Franco.
Há uma disputa de narrativas que não podemos abrir mão de fazê-la para que a consciência da classe se eleve e possa ajudar a transformar a dor, o luto em luta por justiça e por transformação radical dessa sociedade. Não queremos reivindicar mais segurança pública, queremos reivindicar o direito de respirar, o direito de viver como preto e preta, como trabalhadora e trabalhador. Queremos viver dignamente em nossos territórios.
Necessário e urgente se faz derrubar esse desgoverno com suas forças opressoras e ofensivas policialescas-milicianas e ocupar todos os espaços com resistência e muita luta para romper com as correntes que ainda nos prendem, pois somos muitos e já estamos em movimento! Vamos aos atos, às lutas nas ruas, às eleições, à organização da classe trabalhadora e da população oprimida. O crime hoje instituído pelas instituições faz parte do modus operandi do estado e precisamos destruí-lo. Vamos colocar no banco dos réus todos os neonazistas e neofacistas, liberais, conservadores. Eles não passarão!
#Genivaldo, Presente!
#VidasNegrasImportam
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