A passagem de Elon Musk, muso pop do capitalismo tecnológico, por Porto Feliz (SP) na última sexta-feira, 20 de maio, causou frisson no bolsonarismo e repercutiu em muitas mídias. E não sem razão. O homem mais rico do mundo de acordo com a Forbes vem acenando para a extrema direita com o seu discurso neoliberal/libertarista. No dia 18, Musk afirmou que não vota mais nos candidatos do partido democrata, pois este teria se tornado o “partido da divisão e do ódio”, e passa agora a votar nos republicanos. No dia 10, após ter anunciado a compra do Twitter, declarou ter sido um erro a exclusão da conta do ex-presidente estadunidense Donald Trump da rede social (banido por incitar violência, no ataque ao Capitólio) e afirmou que pode reverter essa decisão se for concluída a aquisição da empresa. São claros os sinais recentes de seu posicionamento na política.
Apesar da sua reconhecida limitação cognitiva, a importância dessa visita articulada pelo seu ministro das Comunicações não passou despercebida para o presidente Bolsonaro, que partiu esbaforido para o interior de São Paulo com o intuito de colher do arauto do capitalismo interplanetário alguma migalha capaz de ser capitalizada politicamente. E obteve sucesso na sua empreitada. Elon Musk não só posou ao lado do presidente como compartilhou em sua conta no Twitter a postagem de Bolsonaro em que ambos se cumprimentam firmando a parceria Conecta Amazônia, que afirma pretender levar internet para cerca de 19 mil escolas. Bolsonaro não economizou na bajulação. “Mito da liberdade” e “um sopro de esperança” foram algumas das expressões usadas para massagear o ego do visitante. O sucesso do encontro só não foi maior para o presidente porque, apesar da tentativa, o trambiqueiro não teria convencido o gringo a comprar o nióbio brasileiro.
Costurando o encontro
Usando uma das ferramentas mais poderosas contra o governo Bolsonaro, a Lei de Acesso à Informação (LAI), o repórter Paulo Motoryn, do jornal Brasil de Fato, fez uma excelente matéria que lança luz sobre esse encontro de uma forma que nenhum outro veículo destacou*. O governo brasileiro foi procurado pela Starlink, divisão da empresa de Musk que opera satélites, em outubro de 2021 para interceder no processo de autorização para a exploração do serviço no Brasil. A embaixada estadunidense entrou na negociação endossando o pedido.
O governo, na pessoa do ministro das Comunicações, Fábio Faria, respondeu prontamente à empresa espacial com as seguinte oferta: “A capilaridade da Starlink poderia ser bem aproveitada para a proteção ambiental da Amazônia”. E, a partir daí, pressionou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para aprovar a autorização solicitada do serviço, o que foi concluído em janeiro deste ano, dando licença para a exploração do serviço até 2027. O responsável direto pela pressão, Artur Coimbra de Oliveira, foi alçado de secretário de ministro a conselheiro-diretor da agência no dia 5 de maio, 15 dias antes da visita de Musk ao Brasil.
Movendo peças
Vale recapitular que três meses antes dessa oferta do ministro das Comunicações ao “dear Musk”, o governo brasileiro havia retirado o controle de informações sobre incêndios florestais e queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e entregue ao Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), subordinado ao Ministério da Agricultura. Na prática, o monitoramento passou das mãos dos pesquisadores para a influência direta do agronegócio.
Outra lembrança importante diz respeito ao noticiado pela agência de notícias Bloomberg sobre a existência de um contrato secreto da Tesla – outra empresa de Musk – com a mineradora Vale, firmado em abril deste ano, para o fornecimento de níquel – material necessário para a bateria dos veículos da empresa. Isto apenas reforça sinais do envolvimento do bilionário com as políticas de predação de recursos naturais – como já havia sido repercutido quando da polêmica do empresário sobre o lítio boliviano e sua disposição para apoiar golpes de estado.
Soberania de quem?
Feita essa digressão, retornamos a Fábio Faria. No dia da passagem de Musk pelo Brasil, questionado pelo repórter do jornal O Globo sobre preocupações com a soberania nacional, o ministro respondeu o seguinte: “O que a gente está querendo é que todas as informações que ele já tem possam ser divididas com o governo. É o contrário. Eles que estão abrindo mão da soberania deles pra nós”. Sob este clima de abnegação e desprendimento material em relação ao patrimônio brasileiro se deu o lançamento do programa Conecta Amazônia.
Não é simples prever os desdobramentos dessa parceria entre o governo e o bilionário. É possível apontar alguns aspectos que podem ser mais ou menos determinantes, como fizemos aqui, mas muita coisa está em aberto ainda e a inserção de Musk no Brasil ainda é relativamente pequena e recente. É certo, porém, que o saldo político dessa visita foi positivo para o bolsonarismo que se alimentou ideologicamente do poder simbólico do sacerdote do capitalismo high-tech (simbolizado por um aperto de mão livre de qualquer tipo de constrangimento) e mostrou que seu isolamento em relação aos agentes políticos no plano internacional não significa incapacidade de se articular com importantes “players” globais. Além disso, assim como fez com o centrão no parlamento, Bolsonaro deixou mais uma vez claro para o capital internacional que para conseguir apoio político está disposto a entregar tudo o que não é dele. O episódio deve servir como importante alerta para aqueles que pensam que a derrocada de Bolsonaro está dada como certa neste ano ainda.
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