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BRASIL

Elon Musk: colonizar o Brasil, para colonizar o espaço

Gibran Jordão*, do Rio de Janeiro, RJ
Faria, Musk e Bolsonaro
Poder360

A visita do homem mais rico do mundo ao Brasil, se encontrando com Bolsonaro, foi celebrada e comemorada pela extrema direita e simpatizantes por dois grandes motivos. Em primeiro lugar, para tentar responder a conjuntura imediata relacionada com a disputa eleitoral. Bolsonaro precisa pelo menos demonstrar em meio ao caos de inflação e desemprego, que o Brasil ainda pode decolar com investimentos externos. Que há gente importante no mundo dos negócios interessados em nossa economia e etc. Trata-se de uma boa propaganda para mobilizar sua militância e para atingir um publico envolvido pelo senso comum. Afinal, o bolsonarismo está vivo e disputando a conjuntura política permanentemente. 

Mas a presença de Musk no Brasil, um parceiro do Pentágono nos EUA, tem um objetivo mais estratégico para os planos da extrema direita mundial, que envolve a disputa geopolítica e econômica da América Latina. Principalmente num momento  em que forças de esquerda tiveram vitórias eleitorais importantes na Bolívia, Peru, Chile e agora possivelmente na Colômbia pela primeira vez. O fornecimento de internet para escolas em zona rural e a proteção da floresta amazônica é a publicidade fantasia do projeto Conect Amazônia lançado no luxuoso Hotel Fazano na presença de vários banqueiros e empresários. Na verdade, o que foi lançado é a pedra fundamental de um projeto colonizador de captura dos minérios e recursos hídricos em território indígena e que são matéria-prima que alimenta toda a corrida por inovação tecnológica na guerra imperialista por mercados, nos conflitos geopolíticos e na colonização do espaço. 

A 4º revolução industrial está em curso e a disputa para ver quem vai liderar esse processo envolve o controle da exploração mineral de terras raras e minérios de todo tipo. Sem a extração de silício, níquel, ferro, lítio, manganês, ouro, prata, cobre e centenas de outros semicondutores, não há o funcionamento de celulares e redes de comunicação, carros elétricos, drones, impressoras 3D, internet das coisas, inteligência artificial, painéis solares, realidade virtual, metaverso, criptomoedas, lançamento de foguetes, sistema de satélites, sondas espaciais, mísseis teleguiados e toda tecnologia militar… Ao mesmo tempo, para ter acesso a esses recursos minerais retirados brutos da natureza é necessário processos químicos que utilizam milhões de litros de água potável, produzindo dejetos e subprodutos tóxicos com capacidade de contaminação e degradação ambiental em larga escala. A região amazônica é uma das últimas fronteiras para exploração de recursos hídricos em abundância e para a extração mineral imediata e/ou em prospecção permanente. 

Starlink: Uma constelação de satélites a serviço do capitalismo neofascista… 

A revista Forbes publicou recentemente o valor da fortuna de Elon Musk, que é algo em torno de 220 bilhões de dólares, próximo do valor do PIB de um país como o Chile, que tem quase 20 milhões de habitantes, segundo dados governamentais. É incrível a concentração de riqueza e poder nas mãos de uma única pessoa, que está em franco processo de expansão de seus negócios, em associação com projetos estratégicos do imperialismo norte americano. Em 2019, Evo Morales venceu a eleição presidencial na Bolívia, seus adversários não aceitaram o resultado acusando fraude no processo, que se desdobrou num violento golpe de estado, legitimado pelo secretário geral da Organização dos Estados Americanos, Luis Almagro. Na ocasião Elon Musk se manifestou no Twitter ao ser questionado por seu apoio ao golpe: “Vamos dar golpe em quem quisermos, lide com isso!”. 

A Bolívia tem imensas jazidas de lítio, mineral básico para produção das baterias dos carros da Tesla. O governo de Evo Morales estava tentando implementar um projeto voltado para a construção da indústria nacional com extração do mineral bruto, como também de baterias produzidas localmente, com maior valor agregado. O controle soberano desses recursos naturais pela Bolívia, é um obstáculo para o avanço dos interesses econômicos de empresas como a Tesla, que já prevê uma explosão da demanda por minerais semicondutores nas próximas décadas. Segundo a revista Exame em reportagem de maio de 2019, a gerente global de suprimentos de metais para baterias da Tesla, Sarah Maryssael, fez uma previsão em conferência fechada do setor de mineração em Washington, de que será muito provável escassez de importantes matérias primas para veículos elétricos no futuro próximo. Esse evento também contou com a presença de representantes dos departamentos de estado e energia dos EUA. 

O Starlink é um projeto que visa a produção de constelações de satélites de pequeno porte pela empresa americana de lançamento de foguetes SpaceX. Essa última foi fundada por Elon Musk em 2002, e o primeiro lançamento de 60 satélites Starlink se deu em maio de 2019 na base aérea no cabo Canaveral na Flórida. O plano de Musk é lançar nas próximas décadas uma plataforma de mais de 15 mil satélites de baixa órbita, que poderá levar internet para lugares remotos do mundo, mas também fornecerá serviços de todo tipo que essa tecnologia sofisticada poderá aprimorar constantemente para atender demandas das mais variadas, seja de empreendimentos privados, até planejamentos e operações estratégicas de estados-nações. Estamos vendo nesse momento a atuação do Starlink em parceria com a Otan, para a localização de tropas, tanques e outros equipamentos de guerra da Rússia em território Ucraniano, atuando ativamente e com eficiência num dos maiores e mais preocupantes conflitos armados desse século. 

Sensoriamento remoto e mapeamento geológico na Amazônia via satélite

Em setembro de 2020, o sítio DefesaNet realizou uma mesa de debates sobre o futuro do programa espacial brasileiro, que contou com a presença do presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB),  o presidente da Associação das Industrias Aeroespaciais do Brasil e representantes das empresas Opto e Equatorial, que são responsáveis pelo desenvolvimento de câmeras para satélites. O grande consenso desse debate entre todos esses participantes, é que no futuro não distante, o sensoriamento remoto orbital passa pelas constelações de pequenos satélites, convencionando chamar esse processo de corrida espacial de “New Space”. 

A técnica de sensoriamento remoto via satélite garante a identificação de jazidas minerais com maior precisão, as imagens das constelações de satélites Starlink, e outras empresas, auxiliam a atuação de geólogos e engenheiros que trabalham no segmento da mineração. Sendo uma ferramenta  que reduz o tempo e custo financeiro de identificação de ocorrências minerais. A assinatura espectral é a característica de cada mineral refletir ou absorver a luz solar e podem ser registradas por sensores em órbita nesses satélites. Com base nessa técnica é possível identificar transformações na composição do solo através da refletância dos minerais e da vegetação, possibilitando o mapeamento de estruturas geológicas e facilitando o planejamento logístico do trabalho de prospecção de minérios em qualquer região do globo terrestre. 

Em novembro de 2021, o ministro Fábio Faria disse em entrevista a revista Veja que fez um convite a Elon Musk: “Eu o convidei a abrir uma fábrica de semicondutores aqui. Ele me disse que não fazia parte do core business investir em uma fábrica de semicondutores, afinal, ele gosta de investir apenas em tecnologias que ainda não existem, mas reconheceu que precisa de semicondutores para tudo. Um carro da Tesla, por exemplo, precisa de 10 mil peças”, disse o ministro. Paralelamente a esse convite, o governo incluiu no seu pacote de privatizações a CEITEC (Centro Nacional de Tecnologia Avançada), único fabricante de semicondutores da América Latina. Notem que o entreguismo da soberania brasileira no mercado de inovação tecnológica está em franco desenvolvimento, o que expressa a política colonial do atual governo brasileiro. 

Em janeiro de 2022, a Anatel concedeu o direito de exploração de satélite estrangeiro não-geoestacionário de baixa órbita para Starlink, sistema de satélites da SpaceX, que terá esse direito até 2027. Agora em maio desse ano, Elon Musk vem ao Brasil e em encontro com o governo brasileiro anunciam um projeto de monitoramento da Amazônia via satélite, com uma propaganda que não reflete os reais interesses em jogo. Não se trata de conectar escolas e preservar a Amazônia, mas sim, de iniciar um profundo trabalho de mapeamento da biodiversidade da floresta amazônica, analisando seu potencial energético, seus recursos hídricos e minerais para potencializar os interesses na corrida pela colonização espacial. Esses objetivos estratégicos do imperialismo norte americano só serão possíveis se conseguirem aprofundar a colonização do Brasil, e para isso contam com o governo Bolsonaro. 

Musk, “o golpista das estrelas”, não veio por acaso ao Brasil as vésperas da eleição presidencial, que “coincidentemente” também está constantemente ameaçada por discursos golpistas de Bolsonaro. Há grandes interesses econômicos e geopolíticos em jogo, no qual a derrota de Bolsonaro seria um revés importante para os negócios de frações importantes da extrema direita mundial. Como também uma possível vitória de forças de esquerda no Brasil representadas hoje pela candidatura Lula, só terá sentido se houver um resgate da soberania brasileira, interrompendo o projeto de colonização em curso.  

* Gibran Jordão é membro da coordenação nacional da Travessia Coletivo sindical e Popular.