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BRASIL

Salvador: o que a rebelião no presídio deste domingo nos alerta sobre a crise do sistema penitenciário e de segurança pública

Josias Porto*, de Salvador, BA
Muller Nunes/TV Bahia/ Reprodução

Familiares fazem protesto na frente do presídio

A rebelião na Penitenciária Lemos de Brito aconteceu por volta das 15h45 deste domingo (20/02). O que se sabe é que houve pelo menos cinco mortes entre os presos, 18 feridos e que a causa seria uma briga entre facções. Familiares se manifestaram na porta do presídio ontem e voltaram hoje, pressionando por informações. O Sindicato dos Servidores da Polícia Penal do Estado da Bahia (Sinsppeb) afirma que já tinha denunciado as condições do presídio e a iminência de algo acontecer.

Ainda é preciso acompanhar com atenção o desenrolar, mas é fato inconteste que a situação do sistema penitenciário brasileiro é explosiva e insustentável. A começar pela superlotação: em todo o país os presídios estão com ocupação de 54,9% acima da capacidade. Apesar de uma pequena queda do número total de presos entre 2020 para 2021, seguimos tendo a 3ª maior população carcerária do planeta, tendo sido esta triplicada entre o ano 2000 a 2020. À superlotação soma-se as condições mais desumanas possíveis: celas sujas e cheias de ratos, comida estragada, tortura, violências de todo tipo. Há relatos de que em muitos presídios a situação piorou com a pandemia.

São os pequenos delitos e a “guerra às drogas” que incham as prisões brasileiras.

É preciso ressaltar que deste total 31,9% são presos provisórios (sem julgamento), e esse “provisório” muitas vezes dura anos. Apenas 11% são presos por crimes violentos, contra a vida. Isso inclui os presos provisórios, o que não faz sentido, pois a principal justificativa para a prisão preventiva é a ameaça à vida. São os pequenos delitos e a “guerra às drogas” que incham as prisões brasileiras. Para não falar dos inúmeros jovens negros presos “por engano”, resultado de um sistema policial e judicial racista e corrompido. Muitos nunca conseguem “comprovar” sua inocência. Esse modelo está longe de servir ao combate à violência. Muito pelo contrário. A superlotação alimenta e fortalece as facções.

A Penitenciária Lemos de Brito, onde aconteceu o incidente, é um presídio masculino, de réus já condenados em regime fechado. Apesar de ter como capacidade máxima 776 internos, está superlotada com 1116. Em tempos de pandemia, em que o limitadíssimo confinamento em nossas casas nos trouxe tantos problemas, precisamos olhar para o que acontece com tantos e tantas em situação de permanente privação de liberdade, abandonados em verdadeiros depósitos de sofrimento e desumanidade.

A pequena redução da população carcerária entre 2020 para 2021 (de 709,02 mil para 682,2 mil) não tem relação com o governo Bolsonaro, que defende a política de encarceramento em massa e chegou a comemorar a elevação do número de presos de 2019 para 2020. O que parece ter acontecido é que diante do cenário insustentável de crescimento do encarceramento no Brasil, setores do judiciário, em especial o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), passou a incentivar adoção de mais medidas restaurativas e menos punitivas. Esse pequeno movimento, contudo, ainda não significa uma mudança da tendência do sistema policial, judicial e penitenciário do Brasil: pautado pela lógica do encarceramento em massa e da “guerra as drogas” (leia-se: guerra aos negros e periféricos).

O discurso e a política de segurança de Rui Costa (PT) miram o alvo errado!

O governador da Bahia, Rui Costa (PT), ao invés de se apoiar nesses pequenos movimentos que expressam o limite do nosso atual sistema penitenciário e do modelo vigente de segurança pública, fez o oposto disso. Afirmou que tais ações “estimulam práticas criminais”. O discurso e a política de segurança do governador petista miram o alvo errado. Patrocinou recentemente uma grande campanha de mídia que associa, de forma simplória, o aumento da violência ao consumo de drogas ilícitas, a campanha: “Mais Família, Menos Drogas”.

O aumento da violência é uma resultante complexa de diversas causas que não podem ser tratadas de forma simplista. A violência é uma expressão do caos social, consequência da crise, da falta de empregos e perspectivas. É também resultado da falta de políticas públicas e sociais para as periferias das cidades onde o Estado não chega, ou melhor, só chega pela via da repressão.

As peças publicitárias sensacionalistas responsabilizam as famílias e os jovens por um problema que é muito mais complexo. A campanha “Mais família, Menos Drogas” legitima e reforça a ideologia da “guerra às drogas”. Desvia do que de fato deveria estar sendo enfrentado para lidar de forma profunda com a falta de perspectivas e esperança para a juventude.

Nessas eleições de outubro, em que enfrentaremos o projeto neofascista do bolsonaro, a esquerda precisa apresentar um outro projeto que questione de frente a política de segurança pública racista, de extermínio e de encarceramento em massa que vigora no país.

 

*Josias Porto é militante da Resistência/PSOL.