Coluna Rádio Peão’ – denúncias e relatos do cotidiano do trabalhador
Por: Miguel Frunzen, do Rio de Janeiro, RJ
O Brasil se convulsiona em espasmos a cada semana. A economia vai se deteriorando a cada dia. Milhares de estudantes se amotinaram contra a PEC 55, tomaram suas próprias escolas e universidades e, decididamente, se tornaram o maior flanco de combate contra o governo golpista de Michel Temer. No Rio, batalhas campais são travadas com servidores públicos e PMs marchando juntos. Enquanto uma marcha da esquerda tomava Brasília animada pelo Fora Temer, a marcha da direita contra a corrupção tomava as ruas do país inteiro inspirada no seu herói Sérgio Mouro. Uma marcha verde e amarela, odiosa contra os políticos, sindicatos e greves, mas que, pacificamente, batia continência para os militares. Nos palácios dos poderes, a crise é aguda diante de uma briga de cachorro grande entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. O governo balança, mas não cai. Mas, pode cair. Enquanto isso, na classe operária industrial reina a mais completa apatia. Não há grandes greves de peão. Essa é a realidade que esse artigo se propõe a falar.
Concentrados em um parque industrial gigantesco e complexo, a nossa “tropa de choque” do proletariado brasileiro é uma das maiores do mundo. O Brasil tem a segunda maior produção de ferro do planeta. A oitava maior produção de aço com 33,9 milhões de toneladas. Numa lista de cem países produtores de petróleo, o Brasil está em 12º, e tem a maior frota de plataformas de petróleo com 110 unidades. No ranking mundial de quantidade de fábricas montadoras de automóveis, estamos em quinto lugar e temos a segunda maior fábrica montadora do planeta, a Fiat de Betim, em Minas Gerais. Temos a quarta maior exportação de armas leves do mundo e somos o 14º em armas pesadas.
Pra quem é da ferramenta, sabe muito bem que fazer tudo isso custa muito caro para nós. Acordando de madrugada, ônibus lotado, ou quilômetros de bicicleta, o sol e o chicote estalando, o fogo lambendo, a marreta comendo solta, a comida ruim da empresa, o sindicato vendido, o assédio machista, a piada homofóbica, o salário que acaba no dia do pagamento, e a plena consciência de que o próximo a morrer esmagado ou queimado pode ser você.
Sem dúvida alguma, essa força motora é gigantesca e imbatível e pode decidir a sorte do combate. Mas, infelizmente isso não está ocorrendo.Nossa classe sofreu um revés violentíssimo. O desemprego chegou a 1,5 milhão de colegas na indústria. Esse número pode ser maior na mineração, petróleo, química e construção civil, já que as pesquisas não consideram esses setores como indústria.
Acredito que uma de nossas maiores perdas foi nas obras do PAC. Foi justamente lá o palco dos grandes Tisunamis de Peão que varreram o trecho no último período. Jiral, Belo Monte, Comperj, Suape, Pecém, Estaleiros. As greves eram radicais. Em Suape chegou a mais de 50 mil operários amotinados. Em Jiral, foram mais de 70 ônibus incendiados. Em Belo Monte, a peãozada ensaiava usar dinamites para se defender da Força Nacional.
No Comperj, os operários incendiaram o carro de som do sindicato pelego, e fecharam a Ponte Rio-Niterói. Até em alto-mar, após 22 anos sem greve, os terceirizados da Petrobras fizeram greve. Hoje, a maior parte desses guerreiros está demitida e as obras paralisadas. Muitas dessas cidades viraram ‘cidades fantasma’. Na CSN, que protagonizou uma das maiores greves da história, não vive uma greve há 10 anos e este ano sequer teve aumento salarial. Isso mesmo, reajuste zero.
A Petrobrás está sendo privatizada
Já foi anunciada a venda da BR Distribuidora e da Transpetro. Na campanha salarial deste ano, a proposta abaixo da inflação já foi amplamente rejeitada. Mas, como não há iniciativas dos sindicatos petroleiros da CUT, a categoria não demonstra disposição para encarar uma greve. Uma parte dos trabalhadores está sendo seduzida pra aceitar a proposta de redução de 25% no salário e na carga horária. A Petrobrás é o nosso petróleo, nossa soberania e nossa dignidade como povo trabalhador. Nada disso pode estar à venda.
Por que chegamos a esse ponto? Por que aceitamos tudo calados? Certamente, já ouvimos histórias dos mais antigos que viveram aqueles tempos das grandes greves do ABC, da CSN em 88, entre tantas outras. Quando trabalhei em alto-mar, ouvi muito sobre uma greve em 1981 que lutou pela redução da jornada dos marinheiros. Os olhos de um velho camarada enchiam de lágrimas contando os detalhes dela. Os motins de marinheiros justiçaram vários comandantes opressores na época. “Sabe como é, né, o comandante escorregou e caiu no mar, o tubarão comeu”, contava ele.
Na Europa, a classe operária reinava absoluta nas lutas. Os primeiros sindicatos, greves e partidos de trabalhadores eram de operários. Em 1917 nossos irmãos de ferramenta simplesmente tomam o poder no maior país do mundo, a Rússia. Os temidos Bolcheviques eram nada menos que hordas de operários de fábricas altamente organizados. Se fala muito hoje em “Doutrinação Marxista”, que inclusive o governo quer proibir nas escolas. Pois bem, o Marxismo era, na verdade, a literatura de combate da peãozada europeia. Socialismo era coisa de peão. Chegamos a ter 33 países socialistas no mundo, ou seja, 33 países onde não existiam os patrões. Imaginem só uma terra sem empresários. A classe operária vai ao paraíso! Logicamente, houve uma casta burocrática nesses países e vários problemas que cabem em outro artigo. Mas, os avanços sociais em saúde, educação e emprego são bem conhecidos. Partidos operários como o PT no Brasil, o Partido Socialista no Chile eram gigantes e botavam medo nos patrões. Nossos direitos trabalhistas históricos foram conquistados nesses tempos.
Nada disso existe mais, e isso impactou profundamente a consciência dos operários no mundo todo e agora todos os nossos direitos históricos estão ameaçados.
A Esquerda Socialista que ainda está de pé precisa entender a gravidade disso. Todas as organizações, partidos de esquerda e movimentos devem erguer uma força tarefa para levantar a classe. É urgente a unidade de uma Frente Única de Esquerda no Brasil. Uma frente que respeite as divergências de projetos de cada grupo, que tenha uma pauta conjunta de ação e que não seja um mero palanque eleitoral de Lula pra 2018. Nada impede que semana que vem a classe se levante num novo Tsunami de peão. Mas, não podemos contar com isso. É necessário agir. Os operários precisam enxergar uma força maior da esquerda para enfrentar o avanço da direita, barrar os ataques do governo e não se iludir pelas tentações de Lula. A nossa união é nossa maior força. Isso deu certo no passado. E pode dar certo no futuro.
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