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OPRESSÕES

Aquilombar nossa Resistência

Jean Montezuma*, de Fortaleza, CE

“Zumbi, comandante guerreiro
Ogunhê, ferreiro-mor capitão.
Da capitania da minha cabeça
Mandai alforria pro meu coração.
Minha espada espalha o sol da guerra
Rompe o mato, varre céus e terras.
A felicidade do negro é uma felicidade guerreira.”

(Zumbi – a felicidade guerreira. Gilberto Gil)

 

Mais de 15 milhões de africanas e africanos vieram sequestrados para as Américas, 40% deles tiveram o Brasil como destino. Desde o primeiro momento que aqui puseram os pés, esses homens e mulheres negaram-se a aceitar sem resistência sua sentença de condenados da terra. Os quilombos logo se constituíram como uma das múltiplas estratégias dessa resistência.

Resistir para existir, em suas múltiplas dimensões, adquiriu um significado ainda maior sob o governo racista e genocida de Bolsonaro.

As pesquisas que se dedicam ao estudo dos quilombos no Brasil apontam que os mais antigos remontam ainda ao século XVI. Com a proximidade do 20 de novembro, é incontornável a referência a Palmares, de Zumbi e Dandara, por tudo que o mais famoso dos nossos quilombos representa. Foi de fato o maior e mais longevo de todos, bem como o que mais tirou o sono da classe senhorial e da metrópole. 

A dimensão histórica de Palmares e sua resistência heróica nos alcança ainda hoje, nos servindo de inspiração e referência. Não foi por outro motivo, que numa assembleia realizada em Salvador em 1978, o nascente Movimento Negro Unificado (MNU) elegeu o 20 de novembro (data provável da morte de Zumbi) como Dia da Consciência Negra, em contraposição ao 13 de maio.

Como bem disse o imortal baiano Gilberto Gil em seus versos, a felicidade do negro é uma felicidade guerreira. E é assim porque se chegamos até aqui, preservando identidade, valores, tradições, costumes, saberes, é porque ao contrário da dita passividade, fomos sujeitos da nossa própria História. Em síntese, existimos porque resistimos.

Resistir para existir, em suas múltiplas dimensões, adquiriu um significado ainda maior sob o governo racista e genocida de Bolsonaro. Nunca é demais lembrar que antes mesmo de ser presidente, quando era um deputado do centrão, Bolsonaro chegou a dizer num evento que quilombolas pesam “7 arroubas” e que “não faziam nada, nem para procriar serviam mais”. A denúncia de racismo só não foi em frente porque a primeira turma do STF a rejeitou por 3 votos a 2, com o voto decisivo sendo advinha de quem? Alexandre de Moraes.

Como Presidente eleito, Bolsonaro chegou a afirmar que não iria demarcar e nem titular nenhum centímetro de terra. Sob seu governo, em 2020, o número de certificações de reconhecimento de comunidades quilombolas caiu para 29, menor índice desde 2004 quando as regras atuais foram estabelecidas. As certificações são o primeiro passo na luta pela posse da terra, a responsabilidade pela sua emissão é da Fundação Palmares, e sem elas comunidades quilombolas não conseguem acessar políticas públicas de saúde ou mesmo benefícios sociais, à exemplo do recentemente extinto Bolsa Família. E quem preside a Fundação? Sérgio Camargo, um fiel capitão-do-mato bolsonarista que nega a existência do racismo.

No que diz respeito as Titulações, passo decisivo na garantia da posse da terra, a situação é ainda mais absurda. Em quase 3 anos de governo foram apenas três títulos concedidos: Quilombo Rio dos Macacos (BA), Invernada dos Negros (SC) e Invernada Paiol de Telha (PR). Aqui a competência pela emissão dos títulos cabe ao INCRA. Para que se tenha uma ideia do tamanho do descompromisso do governo, segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), estima-se que existam de 5 a 6 mil comunidades quilombolas no Brasil.

Distantes das políticas públicas, alcançadas pela violência

A ausência de reconhecimento contribui para tornar as comunidades quilombolas alvos dos conflitos, vítimas da cobiça e do ódio de garimpeiros e latifundiários. Mais do que permissividade, as ações e omissões, e acima de tudo o discurso de ódio do Bolsonarismo, serve de estímulo para ações de grilagem e para atuação de verdadeiras milícias que tem espalhado terror e um rastro de morte. 

Segundo relatório publicado pela Pastoral da Terra, no primeiro ano de governo do genocida o número de conflitos no campo foi o maior em 10 anos. Já o número de assassinatos cresceu 14% em relação a 2018 , e o número de tentativas de assassinato também cresceu 22%. Outro levantamento, dessa vez realizado pelo grupo “Repórter Brasil”, indicou que sob o governo Bolsonaro, 61% das investigações de assassinato no campo não foram sequer concluídas.

Faremos Palmares de novo!

“Por menos que conte a História, não te esqueço meu povo. Se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo!”, assim dizem os versos do poeta José Carlos Limeira. Na passagem desse 20 de novembro, 133 anos após a abolição formal da escravidão, aquilombar-se tem um sentido profundo de resistência e organização coletiva. Hoje, assim como foi com nossos antepassados, aquilombar-se é reforçar nossos laços de solidariedade racial numa perspectiva coletiva de luta antirracista, de confronto e superação da opressão racial que segue estrutural na sociedade brasileira. 

*Jean Montezuma é militante da Resistência/PSOL