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BRASIL

O que muda com a minirreforma trabalhista aprovada pelos deputados

Governo e deputados avançam sobre direitos: criam contrato sem vínculo, ressuscitam conteúdo da carteira-verde e amarela, reduzem FGTS, reduzem hora-extra, restringem poder da Justiça do Trabalho e restringem fiscalização de trabalho, incluindo sobre trabalho escravo e medidas de proteção a acidentes. Conheça os absurdos aprovados.

Da redação
Montagem: EOL

Christino Áureo (PP-RJ), relator da proposta e Arthur Lira (PP-AL)

Enquanto toda a atenção da opinião pública voltava-se para a grave ameaça da PEC do voto impresso e a provocação militar com o desfile de tanques na Esplanada, os parlamentares aprovaram uma minirreforma trabalhista, com graves ataques aos direitos. Com 304 votos a favor e 133 votos contrários, a Medida Provisória 1045 foi aprovada, restando 16 emendas feitas pela oposição, que serão votadas nesta quarta-feira, 11 de agosto.

O conteúdo é gravíssimo e afeta milhões de pessoas que estão no mercado de trabalho e a juventude. As medidas aprovadas foram duramente criticadas por sindicatos, centrais e associações de advogados e de juízes do Trabalho. Junto ao conteúdo da Medida Provisória, que tratava do regime especial criado durante a pandemia, os deputados, junto com o governo, incluíram diversos pontos estranhos ao projeto, em um golpe conhecido no Congresso como “jabuti”, permitindo ataques a direitos e uma verdadeira minirreforma trabalhista. Segundo o jornalista Leonardo Sakamoto, em sua coluna no UOL, foi mais uma “boiada” que o governo passou no Congresso. Confira abaixo, ponto a ponto, o que muda na sua vida e na de quem você conhece.

1 – Programa emergencial de redução de salário torna-se permanente

Com a pandemia, para manter empregos e evitar a ampliação da crise social, o Congresso aprovou a MP 136, que permitia redução de salários e jornadas e até a suspensão temporária do contrato de trabalho, com pagamento de um benefício. A medida emergencial, repleta de armadilhas, foi substituída por uma MP, que caducou em dezembro de 2020, e, neste ano, pela MP 1045, que vence no próximo dia 09. O que o Congresso aprovou agora é a transformação dessa medida emergencial em permanente, permitindo aos empregadores reduzir jornada e até contratos, a partir de “acordos” diretamente com o empregador. Em nome da pandemia, o Congresso torna permanente a flexibilização dos direitos, jogando ao trabalhador a conta da crise.

2 – Contrato “jovens sem direitos”

A Câmara está criando um modelo de contrato para pessoas de 18 a 29 anos, desempregadas há 1 ano, no qual não há nenhum tipo de vínculo trabalhistas e direitos. Com a desculpa de inserir os jovens – ao mesmo tempo em que ignora o programa Primeiro Emprego – o governo cria esse modelo, no qual o pagamento será de R$ 550,00 por mês, o equivalente a meio salário-mínimo, para uma jornada de 22 horas semanais. Metade do valor virá do governo e a outra metade, o outro BIP, poderá ser descontado pela empresa das contribuições ao Sesc, Sesi, Senac, em até 15% do total pago ao Sistema S. O formato será adotado pelas empresas para reduzir custos, criando uma força de trabalho auxiliar precarizada, baratíssima, enquanto demite trabalhadores que hoje possuem direitos. Empresas substituirão também seus empregados jovens, até 29 anos, por outros na mesma faixa etária, contratando os novos nesse modelo precário, e obrigando os demais ao desemprego até poderem se submeter a esse formato, em outra empresa.

3 – Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego)

Esse outro programa aprovado é voltado para pessoas de 18 a 29 desempregadas e acima de 55 anos, com salário até R$ 2,2 mil, e seu conteúdo é semelhante em vários pontos ao da proposta da carteira de trabalho Verde e Amarela, abandonada. Neste modelo, o trabalhador perderá parte do FGTS, que cairá de 8% para até 2%; poderá receber o valor das férias e do 13º de forma parcelada, diluindo no salário e, por último, terá a multa em caso de demissão reduzida de 40% para 20%, e ainda paga parceladamente.

4 – Câmara inclui “jabutis”, atacando categorias específicas, a Justiça e Fiscalização do trabalho

O texto incluiu medidas que não constavam e que não tem a ver com o texto original da Medida Provisória, o que é conhecido como “jabuti”. Veja alguns deles.

a – Fim da jornada máxima de 6 horas de trabalhadores de minas em subsolo
Atualmente os trabalhadores mineiros não podem superar essa jornada, por conta dos riscos à saúde que a atividade envolve. Com a mudança, isso termina, permitindo que sejam expostos por mais tempo.

b – Reduz pagamento por horas extras contratuais
Jornalistas, bancários e operadores de telemarketing recebem hoje um acréscimo de 100% nas horas extras aos domingos e feriados e de 50% nas horas extras durante a semana. O valor pode cair para 20% e a MP permite que essa mudança seja feita por acordo individual, sem o sindicato.

c – Reduz o poder da Justiça do Trabalho sobre acordos
Proíbe o juiz do Trabalho de anular cláusulas do acordo extrajudicial que é feito entre empregado e patrão. O juiz só poderá homologar ou não o acordo, e deve se guiar pela “conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico”. Ou seja, não terá poder de interferir.

d – Reduz fiscalização trabalhista e combate ao trabalho escravo
O texto aprovado diz que apenas auditores-fiscais do trabalho poderão fiscalizar o cumprimento das normas de proteção aos trabalhadores. Hoje, a PF e o MP tem prerrogativas para isso. Ao limitar aos fiscais do trabalho, o objetivo do texto na verdade é restringir a fiscalização e multas às empresas, limitando a um papel orientador, o que se soma a falta de concursos e déficit de pessoal.
O texto exige que seja feita uma dupla visita do auditor-fiscal a empresa, impedindo que seja feita multa em caso de constatação de irregularidades, mesmo violações graves à saúde ou que coloquem em risco a vida. “Chega-se ao cúmulo de impor a dupla visita até mesmo para ilícitos verificados em casos de trabalho análogo ao de escravo”, critica o Ministério Público do Trabalho, em nota.

e – Reduz acesso à Justiça gratuita
Somente famílias carentes, com renda per capita de até meio salário mínimo, e cadastradas oficialmente em programas sociais do governo federal terão acesso a Justiça gratuita. Além disso, só poderá entrar com processos trabalhistas gratuitamente, quem tiver recebido salário de até R$ 2,5 mil. Os demais necessitariam pagar advogados, além do risco de perder a ação e ter que pagar multas pesadas, outra forma de evitar o acesso aos direitos, criada na reforma de 2017, por Temer e Rogério Marinho.

* Com informações do Valor Econômico e da coluna do jornalista Leonardo Sakamoto no UOL.