Os atos de rua contra o governo têm sido vitoriosos e as pesquisas indicam que a rejeição de Bolsonaro em parte da população se consolida. Isso quer dizer que foi aberta uma avenida para derrotarmos o genocida e seus seguidores? Não.
Os atos de rua em favor do Presidente mostram que o bolsonarismo ainda tem capacidade de mobilizar sua base. Toda vez que seu mandato está em risco, a família presidencial coloca a militância nas ruas e consegue reunir alguns milhares. Foi assim durante a primeira crise do governo, em 2019. Aconteceu o mesmo em 2020, no início da pandemia, quando foram organizadas as carreatas da morte contra o fechamento do comércio.
Bolsonarismo se consolida como força social
O bolsonarismo hoje é bastante coeso e organizado. Não há grandes dissidências internas. O que antes era uma geleia de neofascistas, monarquistas, terraplanistas e outras bizarrices, hoje é um grupo que age como um exército disciplinado.
E essa disciplina não se reduziu com as crises. Pelo contrário, se tornou maior. A saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, as dezenas de milhares de mortos pela pandemia, nada disso fez a militância bolsonarista perder o ímpeto. Na verdade, quanto mais o governo erra, mais dificuldades eles encontram para sair do universo paralelo em que vivem. Imagina o peso que seria aceitar a responsabilidade pela morte de meio milhão de pessoas? A crença na mentira se tornou questão de sobrevivência moral para essa gente. Quem já escolheu estar no time do genocida e não se arrependeu até hoje vai ficar do seu lado até o fim.
Bolsonaro tem o apoio incondicional de aproximadamente 12% da população. É aquele grupo que não se importa tanto com o desempenho do governo, mas com os valores que ele defende. Para eles, fazer a mulher voltar para a cozinha, o negro para a senzala, o LGBT para o armário e o pobre para o mapa da fome é mais importante que o crescimento do PIB ou o ritmo da vacinação. Esse bolsonarismo raiz já criou uma identidade. Aquele setor mais reacionário das elites e da classe média abraçou o Presidente como seu representante. Essa parcela da população existe desde os tempos daqueles que se indignaram com o fim do tráfico de escravos. Agora eles encontraram alguém para ser a voz dos seus anseios e não vão abrir mão disso.
Dentro desse setor temos pequenos empresários que podem chantagear seus empregados, policiais que têm poder de intimidação e líderes religiosos que exercem influência sobre seu rebanho. Além de milhares de pessoas que usam seu tempo, número de telefone e perfil nas redes sociais para fazer propaganda do governo. O assédio político sobre uma parte da população fez com que o apoio ao Presidente nunca tenha ficado menor que 24%. E isso provavelmente será uma constante.
O genocida pode ir além dos seus “30%” com a ajuda do “bolsonarismo gourmet”
A grande maioria da população brasileira é conservadora em temas como aborto e legalização das drogas. A ideia de uma “mão firme” para conter a violência urbana também é atraente para muitos. Uma parte do programa bolsonarista é bem vista pelos cerca de 30% que respondem “razoável” quanto à avaliação do governo nas pesquisas.
Para ganhar esse setor que não é governista, mas também não é oposição, parte da direita faz o discurso da “terceira via”, como o MBL e o influenciador digital Nando Moura. É a turma que aplaudiu recentemente o vídeo da atriz Juliana Paes. O objetivo é asfaltar o terreno para um apoio ao genocida no segundo turno em 2022.
Eles diziam “primeiro a gente tira a Dilma, depois a gente tira o resto” em 2015. Acabaram passando pano para o Presidente Michel Temer em 2017. Hoje eles dizem “Lula e Bolsonaro são dois lados da mesma moeda” para depois apoiar o genocida. A tática é a mesma. Convencer a parte mais vacilante e confusa da população com um discurso vazio e genérico. Depois de ganhar a confiança de um público cativo, aí sim, eles revelam suas verdadeiras intenções políticas.
Não nos enganemos. Essa parcela da direita tem diferenças apenas táticas com o genocida. A estratégia de manter o país a serviço da classe dominante é a mesma. Na prática, é o “bolsonarismo gourmet”, que critica as bizarrices do Presidente, mas em última instância vai apoia-lo contra os “delírios comunistas” de qualquer candidato da oposição em 2022. Essa turma tem influência e pode decidir uma eleição arrastando parte daqueles 30% que estão em cima do muro.
Ainda mais com apoio de uma parcela razoável dos banqueiros e grandes empresários, que também querem brincar de “terceira via” no começo da eleição para ajudar a eleger Bolsonaro depois. A bancada do “boi”, grandes fazendeiros que controlam seus currais eleitorais nas cidades do interior, é outro grupo que tende se alinhar com o genocida no segundo turno.
A correlação de forças não é favorável
Bolsonaro tem o apoio garantido de 12% da população, que consegue arrastar mais uma parcela, chegando a cerca de 30% dos brasileiros favoráveis ao governo. Outros 30% da população têm boa vontade com parte do discurso do Presidente e podem ser atraídos a votar nele com a ajuda do “bolsonarismo gourmet”.
Cerca de 40% da população tende a rejeitar o governo, mas não é garantido que todo esse setor se mobilize, seja para votar em um candidato, seja para apoiar manifestações. Não há um consenso sobre o caminho que a oposição deve seguir e a dispersão é um risco.
Estamos em um período reacionário da história brasileira desde 2015. Os movimento sociais têm grandes dificuldades de se organizar e se mobilizar. E vivemos em um momento em que os laços de solidariedade social se enfraquecem, com boa parte da população aceitando a ideia de que “alguns tem que morrer de Covid-19 para a economia voltar ao normal”. Não será fácil manter o engajamento mesmo daqueles que já estão favoráveis ao “Ele não”.
Alerta máximo: mapa do golpe está sendo traçado
Bolsonaro tem reagido nas ruas e nas redes sociais nos últimos dias. Tem se aproximado de um setor importante da classe trabalhadora, os entregadores de aplicativos, com suas “motociatas”. A economia do Brasil apresenta pequenos sinais de melhora. Isso não vai resolver os problemas da população, mas pode alimentar algumas ilusões. A CPI da pandemia tem dado passos importantes, mas não empolgou a ponto de representar uma virada no jogo. Hoje um dos fatores de insatisfação dos brasileiros é a demora nas vacinas. Mas, mesmo lenta, a vacinação avança e pode deixar de ser um ponto de tensão entre a população e o governo. É possível que Bolsonaro se aproveite de um clima de falso otimismo causado pela redução de mortes por Covid-19 a partir do segundo semestre de 2021 e pelas pequenas melhoras na economia.
Esses fatores podem reverter a tendência de queda de popularidade do governo, impedir um impeachment e ainda fazer com que o genocida vença nas urnas em 2022. E mesmo que ele perca as eleições, o perigo ainda é grande.
Com mais de um ano de antecedência, a senha para a tentativa de golpe já foi dada: questionar a validade das urnas eletrônicas. A violência política pode ser iniciada com ataques vindos de “incels”, milicianos, membros de clube de tiro, “pitboys” e os variados tipos de degenerados que apoiam o genocida. Tudo à moda do ataque ao Capitólio nos Estados Unidos no início deste ano. Essa onda de violência pode incentivar motins de policiais. A disciplina nos quartéis pode ser quebrada por aqueles que estão dispostos a apoiar do governo federal. Os episódios de desobediência policial em estados governados por partidos de oposição (Ceará, Bahia e Pernambuco) são exemplo do risco que corremos.
Se o terror político for estabelecido no Brasil a partir da violência bolsonarista, as Forças Armadas podem se alinhar com o Presidente para que a ordem seja reestabelecida. Afinal, não há grandes diferenças ideológicas entre os generais e Bolsonaro, apenas discordâncias táticas.
É possível vencer, mas não será um caminho fácil
Nossa tarefa é unir e mobilizar os 40% dos brasileiros que tendem a rejeitar o governo. Isso não será fácil depois de anos de dispersão e de desmobilização do setor mais progressista do país. Ainda temos que convencer boa parte dos 30% que estão em cima do muro e construir uma maioria social capaz de derrotar politicamente o fascismo, além de impedir um golpe. Tudo isso sabendo que, no momento decisivo, o governo terá apoio do “bolsonarismo gourmet”, do grosso dos grandes empresários e fazendeiros, além de uma horda de malucos dispostos a partir para a violência, alguns armados e com treinamento militar.
Alguma das dezenas de organizações de esquerda que existem no Brasil é capaz de cumprir esta tarefa sozinha, com uma linha política genial vinda de dirigentes iluminados? Não. Então, em primeiro lugar, a unidade é condição básica para a nossa sobrevivência. Sem ela, nossa derrota está dada. Em segundo lugar, não devemos focar apenas na disputa eleitoral. Temos que nos mobilizar. Seja agora, por um impeachment, seja em 2022, para impedir o golpe.
Podemos vencer. E devemos vencer. A batalha que temos pela frente é decisiva e nossa vidas estão literalmente em jogo. Vamos à luta.
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