A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) anunciou, no dia 19 de abril, uma série de medidas de reabertura do comércio e flexibilização do isolamento social na cidade. Além de reabrir o comércio não essencial, dessa vez a Prefeitura escolheu pela autorização de retorno das aulas presenciais na educação infantil (0 a 5 anos), tanto na rede pública quanto privada, que estavam paralisadas desde março do ano passado. Assim, a partir do dia 22 de abril, Belo Horizonte tem experimentado outras condições de disseminação do vírus.
A decisão da Prefeitura se baseia sobretudo na queda das taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19, que, ao final desse mês, atingiram níveis próximos de 80%, em tendência de queda. A diminuição da lotação de leitos é uma vitória das medidas de isolamento, acertadamente adotadas no município.
Entretanto, o retorno às aulas presenciais e a flexibilização das medidas de isolamento acontecem ainda no pior momento da pandemia em todo o país. Após bater recordes atrás de recordes, vimos surgir uma variante que tem atingido sobretudo populações mais jovens. Se, num primeiro momento, acreditava-se que estas populações eram menos vulneráveis e, portanto, não haveria tanto risco de retorno às aulas em todos os níveis, exemplos posteriores mostraram o contrário (1). Um menor risco para a população infantil não representa risco zero – a própria cidade de BH já teve casos de morte envolvendo a faixa etária de até 4 anos (2). Além disso, há o próprio risco da circulação do vírus, por meio de casos assintomáticos, de dentro para fora da escola, e mesmo o caminho contrário.
O prefeito da cidade, Alexandre Kalil (PSD), foi considerado muitas vezes uma importante voz de combate ao negacionismo do governo Bolsonaro e seu aliado em Minas, o governador Romeu Zema (NOVO). Tanto que montou um comitê científico, que orientou as decisões da cidade e, assim, evitou se precipitar em muitos momentos ao retorno de atividades não essenciais. Porém, desde o começo, a atuação da Prefeitura teve suas contradições, uma delas em relação à precariedade do transporte coletivo, que gerou um pedido de investigação das empresas de ônibus ao Ministério Público, encabeçado pelas parlamentares do PSOL, Iza Lourença e Bella Gonçalves, em relação à superlotação dos mesmos (3).
Já havia, em 2020, uma pressão pelo retorno às aulas, vindo principalmente de sindicatos patronais de escolas privadas e suas articulações, por intermédio de alguns membros da Comissão de Educação da Câmara de Vereadores da cidade. A PBH desenvolveu, então, uma proposta de protocolo para discussão junto às comunidades que envolve a educação infantil.
Porém, a discussão resultou em poucas medidas concretas, visto que não houve retorno sobre vários questionamentos realizados por familiares de estudantes e profissionais da educação (4). Ou seja, o protocolo definitivo de retorno divulgado no sábado (24/04) (5) foi feito sem nenhuma discussão. Portanto, há medidas (ou ausência delas) insuficientes que não garantirão uma plena segurança, aumentando mais o risco de exposição de bebês, crianças e todos os trabalhadores que atuam direta ou indiretamente na educação infantil. Como exemplo, podemos citar a falta de ventilação adequada e problemas estruturais em muitas EMEI´s (Escolas Municipais de Educação Infantil), falta de rastreabilidade dos casos dentro da comunidade escolar (potencializada pela ausência de testagem em massa) e falta de priorização dos profissionais da educação dentro dos planos de vacinação.
Desde as medidas de reabertura, a taxa de transmissão veio crescendo a cada dia e já atingiu o nível amarelo de alerta, com 1,01 (RT). Já a ocupação de leitos se mantêm em leve tendência de queda, um pouco abaixo de 80%. Além disso, a testagem está em menor quantidade, desde o primeiro semestre do ano passado. Considerando o tempo de incubação do vírus, especialistas já alertam que, caso a taxa média de transmissão siga crescendo, sem a ampliação da vacinação, é possível vivermos um agravamento drástico da pandemia e uma sobrecarga do sistema de saúde, em poucas semanas.
O governo Bolsonaro é o principal responsável pelas proporções da nossa tragédia. Se negou a comprar vacinas, combate as medidas de isolamento social e coloca o povo entre o vírus e a fome. Entretanto, tampouco a gestão liberal tem se mostrado capaz de controlar a pandemia. Sem aplicar medidas firmes de isolamento social, com um lockdown de verdade, testagem em massa, busca ativa de contaminados, barreiras sanitárias e medidas econômicas de auxílio emergencial e apoio a pequenos e médios comerciantes, será impossível controlar a pandemia.
A alternância entre medidas limitadas de fechamento e reabertura das atividades não essenciais, sem apoio econômico para os trabalhadores, acaba por se limitar a uma gestão da pandemia, principalmente orientada para impedir o total colapso do sistema de saúde, mas sem capacidade de controlar a situação.
Assim, não há possibilidade de retorno às aulas neste momento ainda grave da pandemia. O essencial agora é a defesa de um lockdown de verdade, com garantia de apoio econômico de um auxílio emergencial e vacinação em massa.
Todo apoio à greve sanitária dos trabalhadores da educação!
Em resposta à posição da Prefeitura de retorno às aulas, os trabalhadores da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte deliberaram a realização de uma Greve Sanitária, iniciada na segunda-feira (26/04) (6). É um importante movimento para alertar a cidade sobre os riscos do retorno precipitado sem garantias fundamentais. O apoio aos trabalhadores neste momento é fundamental, por se tratar de uma defesa de um direito básico, que é o direito à vida.
A escolha de Kalil
A crise que estamos vivendo tem muitas faces, uma delas é a política. O governo Bolsonaro está diante de um forte isolamento superestrutural, interno e internacional, com o fim do governo Trump. Aqui no Brasil, as principais expressões do enfraquecimento do governo são a CPI da COVID, no Senado Federal, e a queda nos índices de popularidade, evidenciado nas últimas pesquisas. Contudo, esse enfraquecimento do governo é relativo – vide manifestações bolsonaristas ocorridas no último primeiro de maio.
Aqui em Belo Horizonte, uma aliança de direita, entre bolsonaristas e a base do governo Zema, apostou em disputar setores arruinados pela crise social, como os pequenos e médios comerciantes, colocando-os contrários às medidas de isolamento da Prefeitura. Assim, em ofensiva, os atores da direita impuseram o retorno das atividades não essenciais e a reabertura de escolas. O prefeito cedeu à pressão.
Kalil aposta nos cálculos da disputa para o governo do estado, em 2022. Também de olho na corrida eleitoral, a extrema direita opera na ofensiva. Kalil tem de escolher se seguirá cedendo à pressão que vem da direita ou se manterá o curso do seu governo até aqui, avançando para a necessária radicalização das medidas de combate à crise sanitária, econômica, social e política.
NOTAS
(1) https://educacao.uol.com.br/noticias/2020/08/15/volta-as-aulas-pelo-mundo.htm
(2) https://bhaz.com.br/2021/04/23/bh-registra-terceira-morte-de-crianca-em-decorrencia-da-covid/
*Alexandre Zambelli e Lucas Brito são militantes da Resistência/PSOL.
Comentários