ENGLISH Three lessons from a defeat
A eleição de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco, para as presidências, respectivamente, da Câmara e do Senado, significou uma indiscutível vitória política do governo Bolsonaro, que terá maior blindagem e capacidade de avançar em sua pauta no Congresso, ao menos em um primeiro momento.
Já a direita tradicional (DEM, PSDB e MDB), liderada por Rodrigo Maia, amargou a mais dura derrota, ao sofrer debandada de parte significativa de seus deputados para o concorrente bolsonarista. O contundente revés expõe e acentua as dificuldades da direita liberal em se postular como alternativa ao bolsonarismo, agora em aliança com o Centrão.
Por sua vez, a maior parte da esquerda (PT e PCdoB) e o centro-esquerda (PDT, PSB e REDE) também colheram evidente derrota política com o naufrágio da candidatura de Baleia Rossi. O PSOL, que não concordou com o fracassado bloco do PT e PCdoB com a direita liberal na Câmara, lançou a altiva candidatura de Luiza Erundina, que cumpriu um importante papel político.
As cenas obscenas e grotescas vistas nas eleições do Congresso — compra de votos à luz do dia, traições em bando e festinha de comemoração sem máscaras em meio à pandemia — revelam um Congresso Nacional dominado pela sordidez de uma direita partidária decadente.
Perante o triunfo do governo Bolsonaro e do Centrão, é preciso extrair lições para a sequência da luta política, dentro e fora do Congresso. Apresentamos três conclusões sobre esse processo que acreditamos serem úteis para a esquerda brasileira.
(1) Não é possível contar com a direita liberal na luta contra o neofascismo
O principal inimigo do povo trabalhador brasileiro se chama Jair Bolsonaro. O governo desse genocida, de extrema direita, precisar ser interrompido o quanto antes, para que se possa salvar vidas, liberdades democráticas e direitos sociais e trabalhistas. Nada é mais importante, portanto, que derrotar Bolsonaro. A questão que se coloca é: com quem podemos contar para essa luta?
Se, por um lado, parte da classe dominante, particularmente seu núcleo dirigente, está descontente e, em certa medida, em oposição política a Bolsonaro, por outro, o conjunto da burguesia concorda com a política econômica do governo e acredita que a eleição de Arthur Lira permite melhores condições para o avanço das reformas anti-povo de Paulo Guedes.
Assim, a burguesia brasileira não quer, ao menos por ora, o impeachment de Bolsonaro; ainda que pretenda, seu setor principal, apoiar outra alternativa eleitoral em 2022, como João Dória ou Luciano Huck. Além disso, boa parte das representações políticas das classes dominantes — os partidos e lideranças da direita tradicional e do Centrão — funciona em base à lógica do toma-lá-dá-cá. Em troca de cargos, dinheiro e ministérios, deixa de lado considerações protocolares de estima pela democracia e passa, sem corar, à base de sustentação do governo de extrema direita, que destrói liberdades democráticas.
Tanto é assim, que a desidratação da candidatura do Baleia Rossi ocorreu pelas deserções em bando no DEM, PSDB, MDB e outros partidos de direita, que aderiram a Arthur Lira em troca das fartas benesses oferecidas pelo governo federal. Rodrigo Maia, mesmo sendo humilhado ao perder maioria no próprio partido, o DEM, sequer teve coragem de abrir o processo de impeachment, pois sabe que a classe dominante, mesmo a camada mais descontente com Bolsonaro, não iria apoia-lo nessa empreitada.
Ao final do pleito, apresentou-se um quadro bizarro, no qual a candidatura liderada pela direita liberal foi abandonada pela maioria da própria direita liberal. Sobrando, na sustentação principal de Baleia Rossi, partidos da esquerda e do centro-esquerda, que mesmo tendo mais deputados que seus aliados de ocasião, aceitaram a direção dos liberais-burgueses.
Em 2016, a direita liberal se aliou à extrema direita, nas ruas e no Congresso, parar dar um golpe parlamentar em Dilma Rousseff. Em 2018, apoiou entusiasticamente Bolsonaro no 2º turno contra Haddad — quem não se lembra do BolsoDória? Agora, em 2021, traiu a aliança com o PT e o PCdoB para receber dinheiro, cargos e ministérios no governo Bolsonaro.
Fica a lição: não podemos contar a direita liberal na luta contra Bolsonaro. É possível e desejável, sim, fazer unidades pontuais, quando esses setores se dispõem a ações concretas contra o governo de extrema direita. Mas, no caso em questão, o bloco de Rodrigo Maia não se comprometeu nem mesmo com o impedimento do genocida. Maia terminou seu mandato tendo engavetado mais de 60 pedidos de impeachment. O apoio à candidatura de Baleia, por parte do PT e PCdoB, se demonstrou, portanto, um grave erro político, que, além do mais, teve um resultado prático desastroso.
(2) As táticas parlamentares devem estar subordinadas à luta fora do Congresso
O parlamento, controlado por representantes burgueses de todo tipo — reacionários, mercadores da fé, meliantes, conservadores, mafiosos, fascistas, liberais, corruptos, racistas, misóginos, bilionários, milicianos, militares, ruralistas, lobistas, entre outros —, é um terreno bastante adverso para a atuação dos partidos e lideranças da esquerda comprometidos com a causa dos trabalhadores, pobres e oprimidos.
Nesse covil de bandidos, a principal função de um parlamentar socialista é utilizar a tribuna institucional para fazer ecoar a luta do povo trabalhador e oprimido, fortalecendo a mobilização social. Toda história ensina que as principais conquistas obtidas no parlamento burguês decorrem das grandes lutas sociais que ocorrem fora dele. Por exemplo, diversos avanços consagrados na Constituição de 1988, como a criação do SUS, não foi obra da boa vontade dos deputados constituintes, mas sim da luta de massas da classe trabalhadora que sacudiu o país na década de oitenta. A qual impôs uma correlação de forças na sociedade que obrigou a maioria dos parlamentares a aceitar avanços sociais na Constituição.
Para a derrubada de governos, se passa o mesmo. É preciso amplo desgaste do governante na população e gigantescas mobilizações de rua para pressionar o Congresso a formar maioria para depor um presidente.
Nesse sentido, a tática correta na eleição para a presidência da Câmara teria sido o lançamento de uma candidatura unificada da esquerda (PT, PSOL e PCdoB), chamando para essa composição o centro-esquerda (PDT, PSB e Rede). Essa candidatura serviria, sobretudo, para fortalecer a luta social fora do Congresso e falar com o povo se utilizando da posição institucional.
Tendo em conta isso, demonstrou-se um acerto a maioria do PSOL definir pelo lançamento da candidatura de Luiza Erundina quando a maioria do PT e o PCdoB optaram por compor o bloco com Rodrigo Maia. A candidata do partido levantou um programa em defesa dos interesses da maioria trabalhadora e oprimida do país, defendendo o Fora Bolsonaro, a vacinação para todos já, o auxílio emergencial até o fim da pandemia e sendo contra todas reformas e medidas que retiram direitos sociais e trabalhistas. Erundina, desse modo, foi a única voz de esquerda na eleição à presidência da Câmara. Não teve muitos votos, é verdade, mas falou para povo fora do Congresso dominado pelo Centrão.
(3) O centro da tática deve ser a construção da Frente Única da esquerda, dos movimentos sociais, sindicais e dos setores oprimidos para a luta de massas
A relação de forças no Congresso — mais favorável à Bolsonaro, que incorporou o Centrão no governo; ficando, por outro lado, mais refém desse bloco político insidioso — não reflete a relação de forças na sociedade. Segundo as pesquisas de opinião, o desgaste do governo aumentou consideravelmente em todas camadas sociais, mas com mais intensidade nos setores mais pobres da população. A combinação da explosão da 2a onda da pandemia, a catástrofe em Manaus, o atraso na vacinação, o fim do auxílio emergencial e o desemprego e a inflação dos alimentos em alta está provocando subida rápida na rejeição de Bolsonaro. No âmbito da ação popular, houve fortes panelaços e grandes carreatas em todo país nas últimas semanas, demonstrando disposição de mobilização de um setor da sociedade.
É nesse contexto de maior descontentamento popular que a esquerda deve atuar de modo unificado, para ampliar o desgaste do governo e as mobilizações sociais. E só é possível movimentar a classe trabalhadora e oprimida se a esquerda levantar as bandeiras mais sentidas pelo povo, como a defesa do auxílio emergencial, dos empregos, dos serviços públicos e dos servidores, dos direitos sociais e trabalhistas, contra as privatizações e a Reforma Administrativa. A direita liberal não apoia essas demandas, pois é a favor da agenda neoliberal de Paulo Guedes. Por isso, só as forças políticas comprometidas com os trabalhadores podem levantar um programa de medidas concretas capaz de mobilizar setores de massa.
A construção dessa Frente Única deu um grande passo na Plenária Nacional de Organização das Lutas Populares, que ocorreu dia 26 de janeiro. Nesse evento, foi definido um calendário de lutas e ações em torno de bandeiras centrais para a classe trabalhadora. Para o dia 21 de fevereiro, por exemplo, está previsto mais um dia carretas pelo Fora Bolsonaro.
No Congresso, os partidos de esquerda deveriam atuar em bloco para impulsionar a luta social e para colocar obstáculos ao avanço das pautas bolsonaristas e de direita no parlamento. Desse modo, articulando uma ação coerente e combativa dentro e fora da institucionalidade, a esquerda ganharia força nas camadas trabalhadoras e populares.
Comentários