Por: Thaís T.
Hoje, no Brasil, 75% da população é usuária do Sistema Único de Saúde (SUS). É provável que nos próximos 20 anos, caso seja aprovado o Projeto de Emenda Constitucional (PEC 55) que prevê o congelamento de gastos, a população brasileira fique sem assistência médica universal, ou seja, fique sem saúde.
A vida das mulheres trabalhadoras, que hoje acessam o SUS para tratar de sua saúde, está ameaçada. Com a estimativa de corte de R$ 433 bilhões nestes 20 anos, as mulheres vão sofrer profundamente os efeitos devastadores da ‘PEC do Fim do Mundo’. A garantia de acompanhante no parto, a preferência por parto normal no SUS, o protocolo de parto humanizado, o direito ao aborto em casos de estupro e ameaça à vida da mãe são conquistas das mulheres e estarão com certeza ameaçadas se forem ditadas por planos de saúde, que só pensarão nos lucros.
A PEC quer legitimar a privatização dos serviços sociais, fazendo com que aqueles que mais precisam destes serviços paguem a conta da crise econômica. Como ela vai fazer isso?
Os gastos com saúde no Brasil já são baixos, cerca de apenas 4,7% do PIB (Produto Interno Bruto – toda a riqueza que o país gera), quando a média dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que contém os países mais desenvolvidos, é mais do que o dobro, 8%. Segundo o Conselho Nacional de Saúde, que se posicionou contrário à PEC, em 20 anos esse valor cairá para apenas 2% do PIB, em um cenário de envelhecimento populacional, quando mais precisamos de acesso à saúde.
Ao limitar o teto dos gastos públicos, que hoje já é baixo, ao aumento da inflação, o governo vai fazer com que, mesmo diante de uma situação de crescimento econômico, o que é esperado já para o próximo ano, os gastos com a nossa saúde não aumentem. Logo, nós mulheres trabalhadoras, que geramos essa riqueza e a recolhemos para os cofres públicos através dos impostos, não vamos poder usufruir disso, pois o governo fará a opção de usar essa diferença do que arrecadou a mais com o crescimento do PIB para pagar a dívida pública.
Ao mesmo tempo em que o governo prioriza o pagamento da dívida pública, ele se desonera da responsabilidade de gerir os serviços públicos. Com a escassez de verbas, o sucateamento profundo, a falta de opção, as trabalhadoras serão obrigadas a buscar planos de saúde particulares, muitas vezes de péssima qualidade, geridos por grupos religiosos, que direcionam os tratamentos conforme aquilo que lhe dão mais lucro. As mulheres já sofrem neste quesito com a ofensiva para que os partos sejam todos por cesárea e, assim, os hospitais possam lucrar mais com o procedimento, por exemplo.
As família em que as chefes são mulheres, 40% atualmente, serão extremamente penalizadas. É bom lembrar que no Brasil as mulheres negras ganham 40% a menos que um homem branco, isso significa que para cada R$ 100 reais de salário de um homem branco, uma mulher negra ganha R$ 60,00. Ou seja, se essa mulher precisar incluir nos seus gastos mais o plano de saúde, sua renda ficará ainda mais achatada. A transferência de recursos das famílias brasileiras para o pagamento de planos de saúde aumenta a desigualdade social e a vulnerabilidade, principalmente, das famílias negras.
A relação promíscua entre os grandes empresários dos planos de saúde e o governo ficou escancarada com a divulgação pela mídia de que um dos maiores financiadores da campanha do ministro da saúde, Ricardo Barros, ao cargo de deputado federal, é o sócio do grupo Aliança e, por sua vez, da Qualicorp, umas das maiores administradoras de planos de saúde particulares. Não à toa, o ministro, em entrevista à BBC Brasil, veio a público afirmar que o modelo universal de saúde proposto pelo SUS, que funciona em diversos países do mundo, é “coisa de ideólogo”. Já se formou, no Ministério da Saúde, uma comissão que estuda uma forma de transferir os recursos do SUS para estas operadoras particulares, avançando na privatização de nossa saúde.
Hoje, 64% dos recursos do SUS vão para os Estados e municípios, alguns dos hospitais de referência em saúde à mulher, como o Pérola Byngton em São Paulo, recebem recursos federais e, mesmo assim, são constantemente ameaçados de privatização através da cessão da gestão dessas verbas públicas às organizações sociais (OS). Esse modelo já tem sido amplamente implementado por diversos governos, como o governo Haddad (PT) no município de São Paulo. E através da gestão dos hospitais universitários federais pela empresa pública de direito privado (EBSERH) na gestão da presidente Dilma (PT).
Para nós mulheres é fundamental defender o SUS, defender uma saúde pública, gratuita e de qualidade, para todos, administrada diretamente pelo estado, sem transferência de verba pública para organizações privadas, sejam elas religiosas, ou não.
Querem nos transferir a conta da crise. Não vamos pagar por uma crise que não é nossa.
Nenhuma a menos, nenhum direito a menos. Nossas vidas importam, lutar contra violência à mulher é lutar pelo direito à saúde. Em defesa do SUS, é fundamental lutar contra a PEC 55.
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