Qual a chance de um governo, liderado por um ex-capitão do Exército, que planejou colocar bombas numa adutora para reivindicar melhores salários e depois fez carreira na política, sem liderar causa ou projeto importante, dar certo? Absolutamente nenhuma, todos deviam saber.
Bolsonaro cresceu na onda do antipetismo, usurpando o projeto dos golpistas endinheirados, que era o de pôr um governante perfumado em substituição ao PT, mas o que veio foi o chorume bolsonarista. De deputado obscuro e insignificante ao longo de 28 anos à chefe do Executivo do principal país da América Latina, contingências podem ter atuado, mas havia algo de necessário num país acostumado a naturalizar as várias modalidades de genocídio praticado ao longo dos séculos. Bolsonaro não é um acidente, mas podia ter sido impedido.
O deputado insignificante, o pai de três (agora quatro) nulidades, acostumadas a mamar nas tetas do Estado (para usar uma expressão que a direita gosta), chegou ao governo na eleição mais improvável de nossa história. Bolsonaro é a pior face do tal sistema que ele diz ser contra, mas não a sua parte esclarecida. Sequer desconfia que passará à história como vilão, como responsável pelo desastre, como o fascista que assusta o Brasil e o mundo, como genocida na pior gestão da pandemia que um país pode ter.
Diante da pandemia, Bolsonaro fez o que estava habituado a fazer em tantos quesitos: tripudiou das evidências, brigou com os dados, investiu para cima dos cientistas, da imprensa, da universidade e de todos aqueles que viram o óbvio. É, portanto, o principal obstáculo à vacina, trabalhando incansavelmente para propagar a desconfiança, que já atinge 22% dos brasileiros que dizem que não vão se vacinar (o número cresce para espantosos 50% em se tratando da vacina “chinesa”). 180 mil mortos não serão suficientes para sensibilizar Bolsonaro ou os seus apoiadores. Nenhuma verdade pode ser eficaz contra os negacionistas.
Mas o caos da saúde pública é apenas a parte mais visível de um país carcomido desde as suas entranhas, um país que vem sendo devastado em todas as áreas. Permanecendo até 2022, Bolsonaro não deixará pedra sobre pedra do Brasil com o qual um dia sonhamos, mas o responsável pelo fosso civilizacional ora vivido não é apenas Bolsonaro. Responsáveis pelo desastre são, também, as instituições, que ainda o permitem, desde Rodrigo Maia, sentado em mais de 50 pedidos de impeachment, até parcela do STF, quase impassível diante da barbárie.
E quando em janeiro, fevereiro ou março de 2021 assistirmos às populações de vários países do mundo paulatinamente retornando à normalidade de uma vida pós-pandêmica, se ainda precisarmos enterrar dezenas, centenas de brasileiros mortos por Covid-19, temos que nos lembrar que a pandemia pode ter sido uma fatalidade, mas a gestão da crise têm muitos responsáveis.
*Texto publicado originalmente no jornal A Tarde (BA).
Comentários