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BRASIL

Sobre a visita de Lula ao estaleiro de Angra dos Reis: quais as conclusões?

Por: Tiago Amaro, de Angra dos Reis, RJ

A vinda de Lula ao estaleiro BrasFELS causou estranheza a muitas pessoas. Apoiado pelo sindicato dos metalúrgicos, o ex-presidente marcou sua vinda para o dia 17 sem que fosse claro qual seria a pauta de seu discurso, e até a divulgação do evento no estaleiro só começou na semana anterior.

No dia do evento, que reuniu não só Lula, mas também a Federação Única dos Petroleiros (FUP), o sindicato dos metalúrgicos de Angra dos Reis e uma série de centrais sindicais como a CUT, CTB e a UGT (entidades que ocuparam uma posição de oposição de esquerda no governo do PT não foram chamadas), o ex-presidente e seus seguidores foram surpreendidos com a indiferença por parte dos metalúrgicos, que entraram normalmente para trabalhar, em sua grande maioria, enquanto ele discursava no carro de som para uma platéia que ia se reduzindo cada vez mais conforme a hora da entrada chegava.

Lula entendeu uma parte do problema e denunciou o assédio da empresa, que ameaçou quem não entrasse para poder ficar no evento. Falou corretamente que é um absurdo que a empresa adote uma medida destas, que a única saída para a situação em que nos encontramos é a mobilização e que atender aos pedidos do patrão não evitaria a demissão de ninguém em uma situação assim.

O que Lula não entendeu é que a outra parte do problema era ele e aquele grupo que o cercava. Mesmo com toda a ameaça, em outros tempos poderia haver muito mais pessoas. Mas, nem o sindicato dos metalúrgicos, que se calou frente às demissões e hoje tem grande rejeição, nem o próprio ex-presidente têm hoje a confiança dos trabalhadores a ponto de que eles arrisquem seus empregos para ficar na porta do estaleiro, confiando que não estarão sozinhos quando forem demitidos – e, de fato, nenhuma medida concreta para impedir o assédio e demissões foi anunciado nos discursos do ato.

Em sua fala, Lula lembrou os “bons tempos”, citando os anos em que governou, sublinhando seu papel como incentivador da indústria naval. Disse que não estava ali para falar mal do Temer, mas apontou como a guinada à privatização e entreguismo do governo Temer afetava os empregos, deixando implícito que a volta do PT ao poder poderia fazer as coisas voltarem a melhorar. Só que as demissões não se iniciaram após a manobra reacionária do impeachment. Desde os últimos anos do governo do PT, com a crise, as plataformas têm cada vez mais sido feitas fora do país (como vários projetos que já estão sendo feitos na China), os estaleiros estão falindo, os direitos estão sendo cortados, as famílias estão sem seu sustento. Se é verdade que no governo Temer o ritmo de privatizações está aumentando vertiginosamente, com o ataque à cláusula de conteúdo nacional e a venda da Petrobrás, entre outros, é também verdade que o governo petista iniciou diversas medidas que caminhavam nesse sentido como resposta para a crise.

Concentração dos trabalhadores em frente ao estaleiro
Concentração dos trabalhadores em frente ao estaleiro

Lula poderia, mesmo sem fazer a autocrítica das medidas dos governos do PT, apontar uma saída classista. No entanto, uma passagem de seu discurso é bem simbólica, quando disse que o dono do estaleiro BrasFELS deveria estar no carro de som com ele pois também estaria interessado no desenvolvimento da indústria naval, e que os donos de estaleiro faziam fila para vê-lo em São Paulo. Apesar das partes mais inflamadas, sua fala apontou saídas dentro da política de conciliação que o PT colocou em prática nos seus governos. É verdade que a defesa da indústria nacional é uma política necessária frente ao entreguismo das medidas do governo Temer, mas temos interesses bem diferentes do dono do estaleiro (que, vale lembrar, é uma subsidiária de uma empresa de Cingapura), e nesse momento isso é ainda mais claro, pois assédios e demissões têm sido uma constante na vida dos metalúrgicos. Não será entre os empresários que encontraremos um aliado confiável para nossas demandas.

Talvez Lula e o sindicato dos metalúrgicos de Angra dos Reis, ambos desgastados, pensaram que esse ato serviria para construir uma melhor relação com as bases. Se for isso, o que perceberam é que os trabalhadores do estaleiro querem algo diferente, que não acreditam mais, que não aguentam mais pagar pela crise.

As tradicionais bases do governo petista parecem buscar uma outra referência. Para colocar em prática um programa para a classe trabalhadora nessa conjuntura e disputar inclusive com a direita e o conservadorismo, precisamos construir um terceiro campo que se coloque à esquerda do PT, que seja construído a partir das bases, que defenda de forma intransigente os trabalhadores, falando para eles com toda a honestidade, lutando contra as demissões de forma permanente. Se conseguirmos isso quando tentarmos falar aos trabalhadores, talvez estes, apesar de toda a pressão cruel que têm sofrido e do medo do desemprego, se sentirão representados e confiantes a ponto de desobedecer seus patrões e parar para ouvir e, futuramente, agir.

Isso não significa ignorar os avanços da direita tradicional. É necessário manter a mais ampla unidade para lutar contra Temer, mas ela deve ser um esforço de verdade, que envolva um constante trabalho de crítica e autocrítica e uma ação consequente que vise barrar os ataques. Não será a velha política que irá nos ajudar nesse aspecto, mas a unidade cotidiana na luta dos trabalhadores.