O golpe de Estado foi um instrumento político de uma ala da miserável burguesia guineense para se apoderar do poder de Estado. Mas era um fim em si? Não! O golpe de Estado – a tomada violenta do Estado e das suas instituições pelo exército – tinha como objetivos, para além da proteção jurídica dos seus mentores perante casos de corrupção praticados anteriormente, a continuidade da impunidade na prática de atos violentos contra opositores políticos (1), mas principalmente o enriquecimento – acumulação primitiva de capital – pela delapidação dos cofres públicos e a exploração dos recursos naturais.
Recentemente veio a público a denúncia, da parte de Nelvina Barreto – ministra da Agricultura do governo legal –, da decisão, da parte do governo golpista, de autorizar o corte de árvores e a comercialização da madeira (2).
Fruto de uma rapina no abate de árvores entre 2012 e 2015 – nomeadamente no período de um Governo de Transição no pós-golpe de Estado de 2012 – o outrora governo de Domingos Simões Pereira impôs uma moratória, que deveria valer durante cinco anos, e que consistiria na proibição do abate de árvores para comercialização.
Miguel de Barros, investigador do INEP, já denunciara em 2018 (3) que “perante o escândalo que foi a exploração da floresta guineense entre 2012 a 2015, ninguém foi levado à barra da justiça até hoje”. Até porque havia, denunciava o investigador, “um claro envolvimento de atores políticos, elementos do setor privado, responsáveis pela defesa e segurança, juízes e chefes tradicionais ou religiosos, no negócio da madeira”.
Vemos a promiscuidade dos vários agentes políticos, jurídicos, econômicos, da segurança e defesa – e até religiosos e tradicionais – com vista à rapina dos recursos naturais e a apropriação privada das receitas provenientes.
Ora, nos ombros do golpe de Estado de 27 de fevereiro de 2020, o governo golpista, ignorando a campanha de reflorestação iniciada em 2019 pelo Governo legal, retoma o paradigma da anarquia de 2012 a 2015, reabrindo as portas ao corte e comercialização da madeira. É de lembrar que, quando o hoje presidente general golpista Umaro Sissoco Embaló, exercia o cargo de primeiro-ministro (ilegal) – entre novembro de 2016 e janeiro de 2018 – procedeu-se à exportação de 1.500 containers com madeira cortada de forma ilegal, apreendida, e que se encontrava espalhada pelas florestas da Guiné-Bissau (4).
Neste momento, a questão conflituosa não é a escolha entre receitas para o cofre do Estado fruto da exploração das nossas florestas – que deveriam ser investida na saúde, educação, habitação, transportes públicos, etc., – ou a preservação da nossa biodiversidade florestal. Está sim na ordem do dia, o conflito irreconciliável entre os interesses de uma burguesia miserável do export/import que deu o golpe de Estado pelos seus interesses privados e que quer continuar a rapina dos nossos recursos em prol do seu lucro e um projeto de sociedade em que, democraticamente, encontrar-se-á o certo equilíbrio entre a necessidade de receitas para o investimento público em bens e serviços vitais para o desenvolvimento do povo guineense e a preservação da riqueza do nosso ecossistema.
Notas:
(1) Veja-se a flagrante denúncia do da Liga dos Direitos humanos da Guiné-Bissau que acusa o Presidente (golpista) “Umaro Sissoco Embaló, de ter adoptado “como método do seu consulado a implantação do terror como forma de controlar a mente dos cidadãos(…)”. A Liga vai ao ponto de garantir de “(…)que há um esquadrão repressivo formado com “a bênção” do chefe de Estado.” Ver:https://www.publico.pt/2020/10/12/mundo/noticia/liga-direitos-humanos-acusa-presidente-guineense-implantacao-terror-1934871
(2)https://ditaduraeconsenso.blogspot.com/2020/10/opiniao-as-florestas-sao-patrimonio-dos.html
*Publicado na página do Movimento Africano de Trabalhadores e Estudantes, no dia 13 de outubro de 2020.
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