Após três anos e quatro meses, a campanha Liberte Nosso Sagrado conquistou o seu objetivo, a transferência dos objetos sagrados afro-brasileiros do Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro para o Museu da República. Uma vitória que deve ser comemorada e lembrada como um marco na luta contra o racismo religioso.
Muitas pessoas desconhecem a origem desse acervo, que nasceu de um período em que a Umbanda e o Candomblé eram perseguidos pelo Estado brasileiro. Na Primeira República (1889-1930) e na Era Vargas (1930-1945) as religiões afro-brasileiras eram criminalizadas pelo Código Penal brasileiro. Devido a três artigos no Código Penal os terreiros eram invadidos pela polícia, os religiosos presos e objetos sagrados apreendidos. Os objetos sagrados para milhões de brasileiros eram retidos como provas de crime. No Rio de Janeiro, como em outros estados, após a apreensão eles tornaram-se objetos de museus e eram exibidos de maneira racista, intolerante e eurocêntrica. No Rio de Janeiro a coleção de objetos sagrados foi tombada com o nome de “Magia Negra” e era exposta ao lado de objetos utilizados por criminosos. A primeira como a segunda Constituição brasileira garantiam a liberdade religiosa, exceto para as religiões de matrizes africanas.
Em 2017, foi criada a Campanha Liberte Nosso Sagrado com o objetivo de reparar o absurdo que era essa coleção ainda permanecer com a Polícia Civil. A campanha foi formada incialmente por lideranças religiosas de matrizes africanas, membros do movimento negro e pelo mandato do deputado estadual Flávio Serafini (PSOL). Diante dessa demanda foram realizadas inúmeras ações para conquistar a reparação histórica. Foi realizada no mesmo ano uma diligência ao Museu da Polícia Civil junto com o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) e em seguida uma representação ao Ministério Público Federal reivindicando a transferência dos objetos sagrados. Em setembro de 2017 foi realizada uma audiência pública na Alerj para debater o tema. E no final do mesmo ano o lançamento do documentário “Nosso Sagrado”, produzido pela Quiprocó Filmes.
Todas essas ações foram de suma importância para que a campanha pudesse conquistar a vitória tão almejada. Foi também enviado ao Instituto Histórico do Patrimônio Nacional (Iphan) um pedido de alteração do nome da coleção de “Magia Negra” para “Sagrado afro-brasileiro”. Essa demanda ainda não foi concretizada, mas está em via de acontecer.
Nossas lutas são conjuntas
A luta do povo de Santo é uma luta em que os defensores do Estado laico, da liberdade religiosa e antirracista precisam somar forças tanto pelo que aconteceu no passado, quanto pelo acontece no presente. A reparação dos objetos sagrados faz parte de uma luta para que o Estado brasileiro reconheça e repare a perseguição produzida no passado contra essas religiões. Não podemos caminhar para o futuro sem reparação aos erros cometidos no passado, inclusive é necessário um pedido de desculpas oficial das três esferas do poder. Ao mesmo tempo se faz necessária uma luta para garantir o presente, pois as religiões afro-brasileiras continuam sendo atacadas. Na semana passada um terreiro de Umbanda foi incendiado de maneira criminosa em Nova Iguaçu. Casos como esse são recorrentes em todos os estados. As ocorrências por intolerância religiosa refletem 70% dos casos. O que aponta a gravidade do racismo religioso em nosso país.
No passado a esquerda teve algumas ações importantes. O deputado federal Jorge Amado, pelo Partido Comunista Brasileiro, fez uma emenda na Constituição de 1946 que acabou com a perseguição institucional aos terreiros. Contudo, passamos como esquerda desde essa inciativa longe do povo de santo. A luta do povo de santo é a luta contra o fundamentalismo religioso, contra o racismo e em defesa do Estado Laico. Ações como a da campanha Liberte Nosso Sagrado em que os parlamentares de esquerda e sobretudo do PSOL caminharam de mãos dadas com a luta do povo de terreiro são exemplos de como nossas lutas são conjuntas e juntos podemos conquistar vitórias.
Axé!
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