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MUNDO

Cúpula da UE: dinheiro a “fundo perdido” tem um preço

Movimento Alternativa Socialista, Portugal

A pandemia impôs um travão abrupto à produção e comércio mundiais. Sem produção e trocas comerciais, as elites ficaram sem forma de realizarem os seus lucros. Sem perspectivas de lucro, os interesses privados diminuem drasticamente o seu investimento, à espera da bóia de salvamento do Estado. As falências sucedem-se e o desemprego alastra, pressionando os salários para baixo. O novo momento de crise está instalado e tudo indica que não será seguido de uma rápida recuperação. As classes médias voltam a tremer, as classes trabalhadoras mais pobres desesperam, fazendo as classes dominantes prever um novo abalo político e social.

É preciso recordar que os Estados dominantes da UE são os principais beneficiários do mercado único europeu, pelo que precisam conservá-lo a todo o custo. Equipada de mecanismos variados, a UE e o mercado único favorecem o domínio económico e político dos Estados centrais sobre a coroa de Estados periféricos. Objetivo número 1 das elites da UE: salvar o mercado, pois esse é o garante das suas vantagens, lucros e benefícios.

A Cúpula da UE teve como finalidade definir os artifícios e os valores que permitam gerar uma ilusão de uma perspectiva de futuro, apaziguando os ânimos mais desesperados, tentando prevenir os abalos políticos e sociais e voltar a alimentar a voracidade dos donos disto tudo. Há números para todos os gostos e são todos astronómicos. No entanto, tenhamos uma certeza: para os trabalhadores e as suas famílias e para as micro e PME não haverá “almoços grátis”.

Os 27 representantes dos Estados-membro da UE, aprovaram o próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP), no valor de €1,74 trilhão, para aplicar entre 2021 e 2027, assim como o novo Fundo de Recuperação, no valor de €750 bilhões, a aplicar até 2026, dos quais €390 bilhões serão estregues aos Estados a “fundo perdido” e os restantes €360 bilhões serão entregues por via de empréstimos. Veremos se despejar dinheiro será uma medida suficiente. Até aqui, serviu mais à especulação financeira que à resolução de qualquer problema.

A Portugal irá calhar €15,3 bilhões de subvenções a “fundo perdido” mais €10,8 bilhões de empréstimos, tudo vindo do Fundo de Recuperação. Portugal terá ainda disponível €29,8 bilhões entre verbas da coesão, agricultura e outros programas, vindos do QFP. Isto totaliza €45,1 bilhões, aos quais se somam ainda €12,8 bilhões que estão por executar do atual quadro comunitário que termina no final do ano de 2020 e que têm de ser executados nos próximos três anos. Portanto, ao longo dos próximos 10 anos, António Costa diz-nos que temos €57,9 bilhões. Isto dá perto de €6 bilhões ao ano.

No entanto, este dinheiro não nos será oferecido, nem mesmo nos será oferecida a parte que nos dizem ser a “fundo perdido”. As contrapartidas que teremos de entregar são múltiplas, tanto económicas como políticas.

O Fundo de Recuperação, agora aprovado, tanto na sua parte a “fundo perdido” como na sua parte de empréstimo, é para fazer “reformas” e “investimentos” que vão ao encontro das prioridades da UE, ou seja, “terão de ter em conta as recomendações anuais de Bruxelas para cada país”, “nomeadamente no que diz respeito às reformas do mercado de trabalho e das pensões”. Portanto, para quem sobrevive da sua força de trabalho, isto significa: precariedade, pressão salarial, ameaça sobre os direitos laborais, destruição de serviços públicos e aumento da idade da reforma. É trabalhar mais por menos.

Para, além disso, ficou ainda previsto um “travão de emergência” que permite a qualquer Estado questionar as “reformas” e “investimentos” feitos por outro, levando a questão ao Conselho Europeu para ser “discutida exaustivamente”. Ora, imaginemos que o governo português define uma estratégia de reconversão produtiva da nossa economia no sentido de uma menor dependência económica e política face às potências centrais da Europa. Será que a Holanda, Alemanha, Áustria ou França o irão permitir, sem impedir ou impor obstáculos? A História das últimas décadas, diz-nos que não. Produzirmos internamente aquilo que importamos daqueles países não nos será permitido. O tal dinheiro a “fundo perdido” tem, portanto, um preço e a moeda de troca é precisamente a nossa soberania.

Mas há mais, pois os Estados dominantes da UE não desistiram sem garantir mais um conjunto de benefícios em seu próprio proveito: (i) menos contribuição para o Orçamento Comunitário; (ii) aumento da retenção de impostos alfandegários, entregando menos à UE, o que é especialmente vantajoso para países com grandes portos como a Holanda, Bélgica, Alemanha e França; (iii) cortes nos programas de apoio à solvabilidade das empresas, no novo programa de saúde (EU4Health), e nas verbas para a investigação e o investimento, que atingem sobretudo os países mais periféricos, tornando-os mais dependentes.

Entretanto, a destruição dos direitos, liberdades e garantias democráticas, tal como está a acontecer na Hungria, não representará qualquer entrave à atribuição dos fundos europeus. É a hipocrisia total da parte dos representantes do conjunto de Estados, onde se inclui António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, de braço dado com Órban, que diz ter como valor fundamental precisamente a democracia. Esta é a massa de que é a feita a “democracia” das classes dominantes.

Os Governos dos Estados centrais saíram da Cimeira da UE a bater palmas porque estão definidas as novas ferramentas para ir mantendo o seu domínio. Os Governos dos Estados periféricos saíram a bater palmas de contentamento porque têm uma cenoura para iludir os seus povos: rios de dinheiro sem falar no seu preço. O banquete está anunciado. As elites estão preparadas para se apoderarem e esturrarem tudo quanto puderem. Os trabalhadores e as suas famílias, as micro e PME serão forçadas a contentar-se com as condições que o sistema financeiro, as grandes empresas e os mercados definirem para a sua sobrevivência. Esta UE não nos serve. Precisamos lutar por outra.

Fontes:

https://expresso.pt/politica/2020-07-21-Fundos-comunitarios-lideres-fecham-acordo-Portugal-vai-buscar-451-mil-milhoes-de-euros

https://expresso.pt/blogues/blogue_politica/2020-07-21-Proximo-desafio-Absorver-45-mil-milhoes-e-nao-deixar-euros-pelo-caminho–uma-pista-e-preciso-duplicar-o-esforco-

https://expresso.pt/internacional/2020-07-21-Um-guia-para-a-cimeira-historica-da-UE-o-acordo-as-vitorias-as-incognitas-e-as-verbas-sacrificadas

*Publicado originalmente em: https://www.mas.org.pt/index.php/editorial/180-editorial/1917-cimeira-eu-dinheiro-fundo-perdido-tem-um-preco.html